Débitos condominiais na insolvência
STJ define que crédito condominial é extraconcursal na falência e, na recuperação judicial, segue critério temporal conforme a data do fato gerador da dívida.
quarta-feira, 2 de julho de 2025
Atualizado em 1 de julho de 2025 13:54
A sustentabilidade financeira de um condomínio edilício depende fundamentalmente do adimplemento pontual das cotas condominiais por todos os condôminos. Contudo, quando o proprietário de uma ou mais unidades entra em processo de insolvência, surge questão jurídica de relevância prática: o crédito é concursal ou extraconcursal?
A matéria gerou debates por anos, especialmente em razão da natureza propter rem da obrigação condominial. Porém, o STJ trouxe novos contornos ao tema, pacificando a controvérsia ao tornar imperativa a distinção entre os dois principais regimes de insolvência: a Recuperação Judicial e a Falência.
Falência: Crédito como encargo da massa
No âmbito da falência, a jurisprudência sempre foi mais firme. Tanto para o STJ quanto para o TJ/SP, débitos condominiais, mesmo vencidos antes da decretação da quebra, têm natureza extraconcursal.
O fundamento é o art. 84, III, da lei 11.101/05, que classifica como extraconcursais "as despesas com arrecadação, administração, realização do ativo, distribuição do seu produto e custas do processo de falência". O pagamento do condomínio representa ato de administração essencial para preservar o valor do ativo que, ao ser liquidado, beneficiará toda a coletividade de credores. Trata-se, portanto, de um encargo da massa falida.
A jurisprudência do TJ/SP, em reiteradas decisões, confirma que, na falência, o crédito condominial goza de preferência, não se sujeitando ao concurso de credores. Este entendimento reconhece que os débitos condominiais estão compreendidos no conceito de despesas necessárias à administração do ativo.
Recuperação Judicial: marco temporal como critério definidor
Residia controvérsia no cenário da recuperação judicial, cujo objetivo não é liquidar, mas sim viabilizar o soerguimento da empresa em crise. Seria possível aplicar, por analogia, a mesma regra da falência?
Parte da doutrina e da jurisprudência defendia que sim, argumentando que a natureza propter rem da dívida justificaria seu tratamento prioritário. No entanto, outra corrente, que se tornou majoritária no TJ/SP, sustentava que a recuperação judicial possui um regramento próprio e que o critério para a sujeição de um crédito ao plano é puramente temporal, conforme o art. 49, caput, da lei 11.101/05: "Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos".
A decisão paradigmática do STJ
A questão foi resolvida pelo STJ em 2023 no julgamento do RE 2.002.590/SP. A Corte Superior firmou a tese de que, na recuperação judicial, a classificação do crédito condominial segue exclusivamente o critério temporal do art. 49, afastando a aplicação analógica do regime falimentar.
O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso, fundamentou sua decisão explicando que os institutos da recuperação e da falência possuem finalidades e princípios distintos. O conceito de "massa falida" e, consequentemente, de "encargos da massa", é exclusivo do processo falimentar. Na recuperação, a empresa continua operando, e a sujeição dos créditos pré-existentes ao plano seria a pedra angular para o sucesso do soerguimento.
Assim, na recuperação judicial a regra passou a ser:
- Crédito Concursal: As cotas condominiais vencidas antes da data do pedido. Tais créditos devem ser habilitados e serão pagos nos termos e condições do plano de recuperação aprovado.
- Crédito Extraconcursal: As cotas condominiais vencidas após a data do pedido. Estes créditos não se submetem ao plano e podem ser cobrados por meio de ação autônoma.
Adequação ao Tema 1.051 do STJ
O entendimento firmado no REsp 2.002.590/SP adequa-se ao Tema Repetitivo 1.051 do STJ: "Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador". Esta tese já havia esclarecido que a submissão do crédito aos efeitos da recuperação judicial não depende de sentença que o declare ou o quantifique, bastando a ocorrência do fato gerador.
Conclusão
A partir do REsp 2.002.590/SP, a distinção é inequívoca: na falência, o crédito condominial é um encargo da massa e tem pagamento preferencial; na recuperação judicial, tudo depende do fato gerador. Se a dívida é anterior ao pedido, o condomínio é um credor concursal; se posterior, o crédito é extraconcursal e a cobrança segue seu curso normal.
Kleber Luiz Zanchim
Graduado e Doutor pela Faculdade de Direito da USP. Pós-Doutor pela Faculdade de Economia e Administração da USP. Professor do Insper. Sócio de SABZ Advogados.


