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Matriz de risco: Entre a 14.133/21 e o TCU

A matriz de riscos, prevista na lei 14.133/21, é essencial nas contratações públicas para prevenir litígios, garantir segurança jurídica e eficiência na execução.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Atualizado em 4 de julho de 2025 15:25

A gestão de risco corporativa tem seus fundamentos conceituais estabelecidos em documentos desenvolvidos na segunda metade do século XX, na América do Norte e na Europa. Atualmente, são diversos os textos que inspiraram a construção de um articulado arcabouço de conceitos e propostas, podendo ser destacados como referências a ISO 31000:2018 - Risk management - Guidelines e o Orange Book, do Governo do Reino Unido. Sem dúvida, se colocados em prática, possibilitam uma gestão, seja pública ou privada, mais segura e protegida contra achismos e incertezas, mais preparada para a tomada de decisões estratégicas, amparadas na boa técnica.

No Brasil, a Instrução Normativa Conjunta 1/16, da Controladoria-Geral da União e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que dispôs sobre "controles internos, gestão de riscos e governança no âmbito do Poder Executivo federal", cumpriu papel basilar para que o Estado brasileiro passasse a considerar tal processo como um instrumento obrigatório para a governança pública.

A lei 14.133/21 (lei de licitações e contratos administrativos), ampliando e aprofundando o que já estava previsto no RDC e nas PPPs, incorporou-a à dinâmica normativa, inclusive ao oferecer o conceito no destacado art. 6º, inciso XXVII, no qual se lê:

"matriz de riscos: cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação."

Como explica o mestre Jacoby Fernandes: "Trata-se efetivamente de uma mudança de paradigmas no que se refere ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato". Sem dúvida, quem milita nas contratações públicas no Brasil sabe que são empreendimentos complexos, sujeitos a uma série de variáveis e eventos inesperados que podem comprometer prazos, custos e a própria qualidade do objeto contratado.

Grandes obras de engenharia, por exemplo, estão sujeitas a problemas geotécnicos, licenciamentos ambientais demorados e condições climáticas adversas. São todos riscos que a experiência em obras similares admite que sejam, em certa medida, previsíveis. Nessas situações, tradicionalmente, as consequências eram a celebração de aditivos contratuais, paralisações e até litígios judiciais, que ocasionavam prejuízos financeiros e até mesmo ineficiência (ou ausência) na prestação de serviços públicos.

Foi nessa direção que a lei 14.133/21 passou a considerar a gestão de riscos como basilar, especialmente nas obras de maior complexidade, na medida em que permite identificar, analisar e tratar os riscos potenciais em um processo de contratação que tenha a Administração Pública no polo ativo.

Uma matriz de riscos bem elaborada permite que os licitantes precifiquem com mais precisão suas propostas e que a Administração Pública monitore com mais qualidade a execução contratual. Também mitiga conflitos, ao permitir que as partes se preparem para os riscos, planejando ações que evitem sua ocorrência ou minimizem seus impactos.

Foi nesse sentido que o Tribunal de Contas da União, por intermédio do acórdão 1182/25 - Plenário, sob a relatoria do ministro Benjamin Zymler, ofereceu mais uma importante contribuição para o tema.

No caso concreto, reconheceu-se falha na licitação, pois a matriz de riscos não conteria "elementos suficientes para definir claramente as responsabilidades entre as partes em virtude de eventos supervenientes à contratação", o que configuraria descumprimento da lei 14.133/21.

Tal situação é inadmissível, pois, como leciona Jacoby Fernandes, uma das virtudes da matriz é "deixar clara a divisão de responsabilidades entre contratante e contratado, evitando, assim, disputas e tentativas de imputação à outra parte quando da sua materialização".

Nessa decisão recente, baseado nos achados - que obviamente se repetem em outras contratações por todo o Brasil - o relator propôs uma série de recomendações para aperfeiçoar as matrizes de risco, que servem como parâmetro geral para todos os que desejem evitar problemas em futuras licitações e contratações. Mantemos a literalidade do que consta do brilhante voto do ministro Benjamin Zymler:

a) detalhamento claro, exaustivo e objetivo dos eventos supervenientes considerados como riscos, discriminando aqueles atribuídos à administração ou à contratada ou, ainda, partilhados entre as partes, com base em critérios técnicos e jurídicos coerentes com o regime de execução adotado;

b) compatibilização da matriz de riscos com o tipo de regime contratual, especialmente no caso de empreitada por preço unitário (EPU), observando que, conforme a jurisprudência do TCU, esse regime transfere à administração alguns riscos, como os de variação nos quantitativos de serviços contratados, não sendo adequada a simples transposição de modelos utilizados em contratações integradas ou por preço global;

c) indicação expressa das premissas utilizadas para alocação de cada risco, inclusive quanto à natureza do risco (exógeno ou endógeno), probabilidade de ocorrência, impacto financeiro estimado e mecanismos de mitigação;

d) compatibilização da matriz de riscos com os demais elementos contratuais e com o projeto executivo vinculante, conforme disposto no inciso II do art. 92 da lei 14.133/21, de modo a garantir coerência entre planejamento, orçamento e obrigações contratuais;

e) institucionalização de modelos-padrão de matriz de riscos para os diferentes regimes de execução contratual, com possibilidade de ajustes conforme as peculiaridades de cada obra, e com base em boas práticas nacionais e internacionais já consolidadas; e

f) submissão prévia da matriz de riscos à análise jurídica e técnica, antes da publicação do edital, com especial atenção à verificação de sua aplicabilidade concreta e adequação à realidade do empreendimento.

Mais uma vez, Jacoby Fernandes, em seu Tratado, leciona:

"A principal vantagem desse instrumento está no fato de que os riscos advindos dos contratos deixam de ser analisados e decididos casuisticamente, com indefinições de prazos para decisão, demorados procedimentos, com insegurança para todos. Agora, na matriz de riscos devem ser previstos atos e fatos e, se possível, definidos os procedimentos para tratamento do risco ou formas e custos de evitá-los."

A matriz de riscos é muito mais que um simples anexo formal. Trata-se de um instrumento jurídico e de gestão vital nas contratações públicas, sob a égide da lei 14.133/21. A importante decisão do TCU reforçou tal protagonismo.

Giussepp Mendes

Giussepp Mendes

Advogado especialista em direito administrativo público.

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