O sistema Fermat-Pascal como chave de leitura da advocacia contemporânea
A metáfora do sistema Fermat-Pascal propõe uma advocacia que equilibre rigor técnico e estratégia, combinando lógica jurídica com análise de riscos e incertezas.
sexta-feira, 11 de julho de 2025
Atualizado em 10 de julho de 2025 11:10
A expressão "sistema Fermat-Pascal" não é uma terminologia técnica universalmente reconhecida como um conceito fechado, mas pode ser interpretada como uma referência simbólica ou filosófica à união dos princípios de Pierre de Fermat e Blaise Pascal, dois grandes pensadores do século XVII que deram origem a fundamentos profundos da matemática moderna - especialmente na teoria das probabilidades, análise combinatória, óptica, geometria, e teoria dos jogos.
Se o "sistema Fermat-Pascal" for compreendido como a combinação da lógica matemática de Fermat com a intuição probabilística de Pascal, então sim, podemos dizer que ele está em forte consonância com o funcionamento do mundo.
Proponho uma reflexão sobre o exercício contemporâneo da advocacia brasileira a partir da metáfora do "sistema Fermat-Pascal" - uma síntese simbólica entre o rigor lógico- matemático de Pierre de Fermat e a abordagem probabilística e estratégica de Blaise Pascal. Ao relacionar os fundamentos desses pensadores com a prática jurídica atual, defende-se que a advocacia do século XXI requer uma atuação que equilibre a técnica jurídica com a visão estratégica, previsibilidade com risco, e tradição com inovação.
A prática da advocacia brasileira tem enfrentado transformações profundas nos últimos anos. A complexidade das relações sociais, o avanço tecnológico, a multiplicação normativa e a sobrecarga do Poder Judiciário exigem uma nova postura profissional. Não basta mais dominar o ordenamento jurídico: é preciso compreender o sistema de incertezas em que se insere o Direito e agir com estratégia, previsão e flexibilidade.
Neste cenário, propõe-se a metáfora do "sistema Fermat-Pascal" como chave de leitura da advocacia contemporânea. Ainda que não se trate de uma doutrina jurídica formalmente reconhecida, essa expressão pode representar com clareza dois pilares essenciais da nova advocacia:
- De um lado, a racionalidade técnica e lógica, representada por Fermat;
- De outro, a intuição estratégica e o cálculo de riscos, representados por Pascal.
1. Pascal: A probabilidade como elemento da decisão jurídica
Blaise Pascal, ao desenvolver os fundamentos da teoria das probabilidades no século XVII, antecipou conceitos que hoje são essenciais à gestão jurídica moderna. Em seu célebre "paradoxo da aposta", defendeu a racionalidade de decisões baseadas em incertezas mensuráveis.
No Direito, isso se manifesta de diversas formas:
- Cálculo de risco processual;
- Gestão de contingências jurídicas em empresas;
- Decisão por acordos estratégicos com base em possíveis desfechos;
- Atuação em litígios complexos, nos quais o desfecho não depende apenas da lei, mas de múltiplas variáveis imprevisíveis (comportamento do Judiciário, conjuntura social, jurisprudência oscilante, etc.).
O pensamento pascaliano convida o advogado a abandonar a ilusão da certeza absoluta e a adotar uma postura mais realista e estratégica.
2. Fermat: Técnica, precedente e rigor argumentativo
Pierre de Fermat, por sua vez, simboliza o rigor lógico, a precisão da linguagem matemática e a busca pela verdade a partir de estruturas bem definidas - o que se aproxima da tradição dogmática do Direito.
Sua influência pode ser associada:
- À construção de teses jurídicas consistentes;
- Ao domínio dos princípios estruturantes do Direito;
- À importância crescente dos precedentes vinculantes, da interpretação constitucional sistemática e do controle lógico das decisões.
Se Pascal nos remete à incerteza, Fermat nos lembra que, mesmo em um mundo instável, é possível construir argumentações sólidas e previsíveis, ancoradas no ordenamento jurídico e na técnica legislativa.
3. A advocacia na intersecção: Técnica e estratégia
A prática da advocacia exige, hoje, a conciliação entre esses dois paradigmas. O profissional que atua apenas com base na norma, sem compreender o risco e o contexto, se torna vulnerável. Por outro lado, aquele que atua de forma intuitiva, sem domínio técnico, compromete a legitimidade de sua atuação.
Exemplos práticos dessa intersecção incluem:
- Advocacia empresarial, que exige tanto compliance normativo (Fermat) quanto visão de risco jurídico-negocial (Pascal);
- Advocacia contenciosa, que demanda estratégia de litígio baseada em dados e probabilidades (Pascal) combinada com raciocínio jurídico consistente (Fermat);
- Advocacia digital e inovação jurídica, onde ferramentas de jurimetria e Legal Analytics reúnem modelos estatísticos (Pascal) com estruturação lógica e automatizada da linguagem jurídica (Fermat).
4. Implicações para a formação e atuação do advogado
Essa abordagem demanda mudanças profundas na formação jurídica e na postura profissional:
- Formação complementar em estatística, economia comportamental e ciência de dados;
- Desenvolvimento de habilidades analíticas e pensamento sistêmico;
- Ênfase na interpretação estratégica da norma, em vez da simples repetição doutrinária;
- Uso de tecnologias jurídicas (LegalTechs) que operam com dados, probabilidades e automação, sem perder de vista a argumentação jurídica clássica.
Enfim, a metáfora do sistema Fermat-Pascal revela-se útil para compreender a advocacia contemporânea como um campo em que se equilibram tradição e inovação, técnica e estratégia, certeza e risco.
O advogado do presente - e do futuro - precisa incorporar em sua atuação tanto o pensamento lógico de Fermat quanto a visão probabilística de Pascal, sob pena de se tornar obsoleto em um mundo jurídico cada vez mais complexo, interconectado e dinâmico.
Stanley Martins Frasão
Advogado, sócio de Homero Costa Advogados Diretor Executivo do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados



