A obrigatoriedade de intimação prévia em sessões virtuais: Análise do REsp 2.136.836/SP e os limites da celeridade processual
STJ anula acórdão por ausência de intimação prévia e reafirma que a celeridade processual não pode se sobrepor às garantias do contraditório e da defesa.
terça-feira, 15 de julho de 2025
Atualizado em 14 de julho de 2025 12:30
Em recente decisão proferida em 3 de junho de 2025, no julgamento do REsp 2.136.836/SP, a 3ª turma do STJ reafirmou o entendimento de que a celeridade processual não pode comprometer direitos fundamentais do processo, como o contraditório e a ampla defesa. O caso tratou da nulidade de acórdão proferido em sessão virtual de julgamento realizada sem a prévia intimação dos advogados das partes.
Os então recorrentes ajuizaram ação indenizatória contra uma construtora, alegando vícios ocultos no imóvel adquirido, em especial a existência de caixas de esgoto em área privativa, o que teria causado desvalorização patrimonial e transtornos diversos. A sentença foi parcialmente favorável aos autores, reconhecendo danos materiais e morais. Em apelação interposta pela construtora, o TJ/SP afastou a condenação por danos morais.
No entanto, o julgamento da apelação ocorreu de forma virtual, apenas um dia após a distribuição do feito, sem que os patronos dos autores/recorridos fossem intimados da inclusão do processo em pauta. A própria intimação da distribuição só ocorreu após a realização do julgamento, impossibilitando, assim, qualquer manifestação sobre a oposição à sessão virtual, a apresentação de memoriais ou a realização de sustentação oral.
O ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva, em seu voto, acolheu a tese de cerceamento de defesa, destacando que a ausência de intimação prévia para a sessão virtual contraria normas expressas do CPC (arts. 935 e 937) e de resoluções do CNJ, como a resolução 314/20, editada em razão da pandemia da Covid-19, que exigem a prévia comunicação às partes.
O acórdão ainda enfrentou a alegação da instância inferior de que não haveria nulidade porque os autores não demonstraram prejuízo. A esse argumento, o STJ respondeu de forma clara: a nulidade decorrente da inobservância do contraditório e da ampla defesa é objetiva, não dependendo da demonstração concreta de prejuízo, sobretudo quando o julgamento ocorre de forma inesperada e impede a atuação técnica da defesa.
A turma, por unanimidade, anulou o acórdão do TJ/SP e determinou o retorno dos autos para novo julgamento da apelação, com a devida observância dos prazos legais de intimação das partes.
O precedente reafirma a natureza cogente das garantias constitucionais do processo e estabelece um importante freio à adoção indiscriminada de julgamentos virtuais sem a adequada ciência das partes.
Trata-se de um julgamento paradigmático, pois envolve o conflito entre a busca pela celeridade e a necessidade de garantir um processo justo e efetivamente contraditório. O STJ deixou claro que, mesmo em tempos de transformação digital e de virtualização da Justiça, o respeito às garantias processuais permanece inegociável.
A decisão do STJ no REsp 2.136.836/SP é didática ao demonstrar que o processo justo exige mais do que eficiência: exige previsibilidade, transparência e efetiva participação das partes. Em tempos de ampliação das sessões virtuais, este julgado serve como alerta para tribunais, magistrados e operadores do direito quanto aos limites da digitalização.
Ao reafirmar que a ausência de intimação para sessão virtual implica nulidade do julgamento, a Corte Superior reafirma seu papel garantidor das normas processuais fundamentais e impede que a forma suplante o conteúdo no exercício da jurisdição.
Daniel Feitosa Naruto
Sócio do escritório Ernesto Borges Advogados, atua nas áreas de Imobiliário, Cível, Consumidor e Empresarial. Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB; Especialização em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP; Mestrado em Direito, com ênfase em Direito Processual Civil, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.


