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Estado laico ou Estado laicista? Desafios constitucionais para proteger a liberdade de consciência sem privilégios ou restrições indevidas

Liberdade religiosa no Brasil exige equilíbrio entre laicidade estatal e respeito à diversidade, com garantias constitucionais e vedação a privilégios e abusos.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Atualizado em 15 de julho de 2025 14:34

Introdução

A liberdade de consciência e a prática religiosa figuram entre os mais antigos e fundamentais direitos humanos, expressando o respeito devido à dignidade da pessoa e à sua autonomia moral.

No contexto brasileiro, essa liberdade encontra respaldo no texto constitucional de 1988, que consagra a laicidade do Estado, garantindo o pluralismo religioso e vedando privilégios ou discriminações. Entretanto, a efetivação desse direito não ocorre de forma automática: demanda políticas públicas adequadas, legislação clara e decisões judiciais sensíveis às tensões próprias de uma sociedade plural.

A presente pesquisa parte da seguinte pergunta norteadora: como o ordenamento jurídico brasileiro conceitua, assegura e limita a liberdade de consciência e a prática religiosa à luz de valores democráticos e cristãos, enfrentando desafios sociais, jurídicos e institucionais?

Tem por objetivo geral analisar criticamente o tratamento jurídico, doutrinário e jurisprudencial dado ao tema no Brasil. Os objetivos específicos são:

(i) definir juridicamente a liberdade de consciência e a prática religiosa;

(ii) examinar as principais correntes doutrinárias e abordagens opostas;

(iii) explorar o direito comparado em cinco sistemas jurídicos relevantes;

(iv) analisar a jurisprudência nacional;

(v) apresentar estudo de caso hipotético comentado;

(vi) propor reformas legislativas concretas, indicando as normas a serem modificadas ou criadas.

A relevância acadêmica deste estudo reside na sistematização e atualização do debate, oferecendo subsídios para juristas, legisladores e estudiosos. Socialmente, a pesquisa busca contribuir para a proteção de minorias religiosas e para o combate à discriminação, reconhecendo o papel civilizatório da liberdade de culto. Juridicamente, defende-se que a laicidade do Estado brasileiro não seja confundida com hostilidade à fé, mas se concretize como garantia de igualdade, respeito e promoção do bem comum - visão consonante com valores cristãos de justiça, dignidade e solidariedade.

1. Desvendando os pilares jurídicos e as tensões do conceito de liberdade religiosa

A liberdade de consciência consiste no direito de cada pessoa formar, manter ou modificar suas convicções mais íntimas sem sofrer coerção estatal ou social. Essa dimensão interna é absoluta, protegida contra qualquer ingerência. Já a prática religiosa refere-se à dimensão externa e coletiva dessa liberdade: inclui cultos, reuniões, liturgias, ensino religioso, proselitismo e uso de símbolos. Embora constitucionalmente protegida, pode sofrer restrições legítimas, desde que pautadas nos princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade.

A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu art. 5º, incisos VI e VIII, a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e suas liturgias, vedando a recusa de direitos por motivo de crença religiosa. Adicionalmente, o art. 19, inciso I, reforça a laicidade estatal, proibindo ao Estado estabelecer cultos religiosos ou manter com eles relações de dependência ou aliança, salvo colaboração de interesse público.

A doutrina brasileira pode ser dividida em duas grandes correntes. A primeira, de caráter liberal-absolutista, sustenta mínima intervenção estatal mesmo em manifestações externas de fé, defendendo ampla liberdade religiosa. A segunda, denominada principiológica, reconhece a necessidade de ponderação em casos de colisão entre direitos fundamentais, utilizando a proporcionalidade como critério para solucionar conflitos. Autores como Ingo Sarlet e Luís Roberto Barroso defendem essa visão, argumentando que o juiz constitucional deve proteger ao máximo a liberdade de culto, mas admitir restrições quando estritamente indispensáveis para salvaguardar outros bens jurídicos, como a segurança, a saúde pública ou a ordem democrática.

Há também divergências sobre o modelo de laicidade adotado. De um lado, o laicismo rígido defende separação estrita entre Estado e religião, vedando qualquer colaboração. Essa visão, inspirada na tradição republicana francesa e em pensadores como Tocqueville, busca evitar a captura do Estado por religiões majoritárias. De outro, a laicidade positiva ou cooperativa reconhece a possibilidade de colaboração entre Estado e religiões para fins de interesse público, desde que assegurada a igualdade de tratamento e a liberdade de escolha - perspectiva adotada por José Joaquim Gomes Canotilho no constitucionalismo português.

A doutrina clássica, representada por autores como Locke, Madison e Rousseau, via a liberdade de consciência como um direito natural, imprescritível e inalienável, fundamento das primeiras cartas constitucionais liberais e da Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 18). A doutrina contemporânea amplia essa proteção para incluir dimensões como a objeção de consciência, o direito de não professar fé e o dever estatal de proteger minorias religiosas contra discriminação e violência. Luigi Ferrajoli, por exemplo, defende que a liberdade religiosa exige não apenas abstenção estatal, mas políticas públicas de igualdade substancial.

Por fim, destacam-se críticas contemporâneas que alertam para o risco de instrumentalização política da religião, para a tendência de privilégios velados a maiorias religiosas e para a dificuldade de garantir igualdade real a minorias. Essas críticas também apontam que, sem mecanismos de controle e políticas de inclusão, a liberdade religiosa pode ser usada para legitimar práticas discriminatórias sob o pretexto de convicções morais ou dogmáticas.

2. Lições do mundo: como outros países enfrentam o desafio da laicidade e da liberdade da crença

A compreensão da liberdade de consciência e da prática religiosa no Brasil ganha profundidade quando comparada a outros ordenamentos jurídicos.

Em termos doutrinários, o Brasil adota um modelo de laicidade cooperativa: o Estado é laico, mas pode colaborar com confissões religiosas desde que haja interesse público e não se infrinja o princípio da igualdade. Esse entendimento foi consolidado pela doutrina constitucional brasileira, que reconhece a legitimidade de convênios para fins educacionais, culturais ou sociais, desde que não haja imposição de crenças.

Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda da Constituição estabelece a liberdade religiosa e proíbe a criação de uma religião oficial, baseando-se no modelo de separação rígida. Isso impede o financiamento estatal direto de atividades religiosas e veda o ensino religioso em escolas públicas, mas protege de forma robusta o direito de manifestação de fé, inclusive em ambientes privados e comunitários, sendo altamente tolerante a expressões religiosas no espaço público quando espontâneas.

Na França, vigora um modelo de laicidade estrita e excludente, com o Estado proibido de reconhecer ou financiar qualquer religião. Isso se reflete em leis que proíbem o uso ostensivo de símbolos religiosos em escolas públicas, buscando garantir uma esfera pública neutra. Críticas apontam, contudo, que essa rigidez pode marginalizar comunidades religiosas minoritárias e cercear liberdades individuais.

A Alemanha adota uma laicidade positiva: o Grundgesetz assegura liberdade de religião e permite colaboração entre Estado e igrejas, especialmente em áreas como assistência social e ensino religioso nas escolas públicas, desde que facultativo e plural. A jurisprudência alemã exige igualdade de tratamento entre confissões e controle sobre o uso de recursos públicos.

Portugal segue modelo semelhante ao alemão. Sua Constituição consagra a liberdade de consciência, de religião e de culto e admite colaboração entre Estado e confissões religiosas para fins de interesse público, desde que respeitada a igualdade e a liberdade de escolha. A lei da liberdade religiosa portuguesa é exemplo de normativo que articula essa cooperação com garantias explícitas de não discriminação.

Em comparação, o Brasil se situa entre os modelos cooperativo alemão-português e o modelo norte-americano. Embora permita ensino religioso facultativo em escolas públicas e colaboração para fins de interesse público, o país proíbe privilégios e discriminações, buscando garantir pluralismo e igualdade de tratamento. Contudo, desafios práticos - como o favorecimento velado de religiões majoritárias e a falta de fiscalização - revelam a necessidade de aprimoramento legislativo e institucional para consolidar o ideal de laicidade respeitosa à liberdade religiosa.

3. Vozes do direito: consensos, conflitos e visões sobre a liberdade religiosa no Brasil

A doutrina brasileira, em sua maioria, reconhece que a liberdade religiosa é um direito fundamental com dimensão individual e coletiva, que se projeta tanto no foro íntimo quanto nas manifestações públicas. Sarlet e Barroso, por exemplo, enfatizam que restrições ao exercício externo dessa liberdade somente se justificam quando necessárias para proteger outros bens igualmente relevantes e desde que observem os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade.

Correntes favoráveis à liberdade religiosa sustentam que sua proteção é indispensável para a dignidade humana e para a consolidação do pluralismo democrático. Destacam que o Estado laico não é ateu nem hostil à religião, mas neutro, criando condições para que diferentes credos possam coexistir em igualdade. Defendem, ainda, a colaboração entre o Estado e confissões religiosas em atividades sociais e educacionais, desde que observados os princípios constitucionais de igualdade, impessoalidade e finalidade pública.

Por outro lado, correntes críticas alertam para o risco de instrumentalização política da religião, especialmente por grupos majoritários que, sob o manto da laicidade, buscam obter privilégios institucionais ou legitimar discursos excludentes. Argumentam que a ausência de mecanismos eficazes de controle pode gerar discriminação indireta contra minorias religiosas e ameaçar a neutralidade do Estado. Por isso, exigem uma vigilância mais rigorosa sobre políticas públicas e atos administrativos que, ainda que formalmente neutros, resultem em tratamento desigual.

Neste estudo, adota-se uma abordagem jurídica cristã que reconhece a laicidade cooperativa como instrumento de respeito e promoção do bem comum, sem abrir mão da vigilância contra privilégios indevidos. Um Estado verdadeiramente democrático não impõe fé nem a proíbe, mas cria as condições para que todas as crenças - inclusive o direito de não crer - sejam igualmente protegidas e respeitadas, assegurando a diversidade espiritual como expressão legítima da dignidade humana.

4. Entendimentos dos tribunais: a construção judicial da liberdade de consciência

A jurisprudência do STF tem consolidado a interpretação de que a laicidade brasileira implica a vedação de privilégios religiosos por parte do Estado, sem, no entanto, impedir colaborações legítimas em benefício do interesse público. No julgamento da ADI 4439, o STF considerou constitucional o ensino religioso confessional facultativo em escolas públicas, desde que não obrigatório nem exclusivo. O voto do ministro Luís Roberto Barroso foi enfático ao afirmar que a laicidade brasileira não é hostil à religião, mas exige respeito ao pluralismo e à liberdade de escolha.

O STJ, por sua vez, tem enfrentado casos envolvendo restrições administrativas a cultos religiosos, especialmente em contextos municipais. Em suas decisões, o STJ tem exigido motivação idônea e respeito ao princípio da proporcionalidade sempre que prefeituras impõem limites de horário ou de uso de equipamentos sonoros a templos religiosos. Em reiteradas ocasiões, foram anulados atos administrativos que restringiam o exercício da liberdade religiosa de maneira arbitrária ou sem fundamentação técnica adequada.

O Tribunal de Contas da União também tem contribuído para a delimitação da colaboração legítima entre o Estado e instituições religiosas. Em seus acórdãos, veda o uso de recursos públicos para promoção de eventos de cunho religioso específico quando há favorecimento indevido, mas reconhece a possibilidade de apoio a iniciativas culturais, assistenciais ou sociais inspiradas por valores religiosos, desde que abertas ao público em geral e de interesse coletivo.

Tribunais estaduais e federais, por sua vez, vêm invalidando leis municipais que declaram religiões oficiais ou impõem símbolos religiosos obrigatórios em repartições públicas, por violação ao princípio da laicidade. Em decisões mais recentes, reconhecem a legitimidade do uso de símbolos religiosos em espaços públicos, desde que não sejam compulsórios, nem discriminatórios.

Apesar desses avanços, há críticas quanto à aplicação ainda desigual dos princípios constitucionais. Em muitos casos, a colaboração legítima se transforma em privilégio velado a confissões religiosas majoritárias, enquanto restrições são aplicadas com maior rigor a grupos minoritários. A construção de um Estado verdadeiramente laico, à luz da visão jurídica cristã aqui adotada, não deve significar a negação da fé, mas a promoção de uma ordem pública justa, inclusiva e pluralista, em que todas as convicções possam coexistir com liberdade e respeito recíproco.

5. Quando o direito é testado: um caso hipotético para refletir limites e garantias

Imagine-se o seguinte cenário: uma comunidade cristã evangélica, regularmente constituída como associação civil sem fins lucrativos, organiza um evento público em uma praça municipal, com culto, música e pregação. A prefeitura, mediante solicitação formal, concede autorização expressa para a realização do ato. Dias antes da data prevista, no entanto, grupos opositores iniciam protestos, alegando que o evento violaria a laicidade do Estado e ameaçando promover manifestações no local.

Diante da pressão política e social, a prefeitura decide revogar a autorização concedida, justificando sua decisão pela necessidade de preservar a ordem pública. Contudo, não apresenta indícios concretos de risco real nem oferece alternativas menos gravosas que pudessem garantir simultaneamente a segurança e a liberdade de culto. A revogação, assim, impede de forma sumária o exercício de um direito constitucional legitimamente autorizado.

Do ponto de vista jurídico, o ato administrativo configura restrição indevida à liberdade religiosa, especialmente à luz dos arts. 5º, incisos VI e VIII, e 19, inciso I, da Constituição Federal. Qualquer limitação estatal ao exercício de manifestações religiosas deve ser pautada pelos princípios da legalidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. O Estado não apenas deve se abster de interferências arbitrárias, mas também possui o dever positivo de proteger manifestações religiosas legítimas, inclusive fornecendo a segurança necessária para que se realizem com tranquilidade e respeito.

A doutrina majoritária corrobora esse entendimento. Autores como Luís Roberto Barroso e Ingo Sarlet defendem que restrições só são admissíveis se absolutamente indispensáveis para proteger outros bens jurídicos relevantes, devendo sempre representar a última medida possível. O STF, ao julgar a ADI 4439, afirmou a legitimidade da laicidade cooperativa, reconhecendo inclusive o ensino religioso confessional facultativo em escolas públicas, desde que respeitados os critérios da liberdade de escolha e da não obrigatoriedade. O STJ, por sua vez, exige fundamentação técnica adequada para quaisquer restrições administrativas impostas a cultos.

No caso hipotético, a decisão da prefeitura não observa os requisitos constitucionais. Medidas menos restritivas, como o diálogo com os grupos opositores, o reforço do policiamento preventivo ou a reorganização espacial do evento, seriam mais adequadas para preservar simultaneamente a ordem pública e o exercício da liberdade religiosa. Ao ceder à pressão de grupos intolerantes, o Estado abdica de sua função de neutralidade e abre precedente perigoso que fragiliza o pluralismo democrático.

A resposta jurídica adequada, nesse caso, seria o deferimento de medida judicial de urgência para garantir a realização do evento, com imposição de obrigação ao poder público de assegurar as condições necessárias para sua ocorrência pacífica e segura. Em uma perspectiva cristã jurídica, cabe ao Estado proteger todas as manifestações legítimas de fé - inclusive aquelas com as quais parte da sociedade possa discordar - como forma de consolidar uma ordem constitucional justa, digna e pluralista.

Com continuidade e coerência, segue agora a seção final do desenvolvimento do artigo, com as propostas legislativas formuladas de modo técnico e argumentativo:

6. Caminhos para o futuro: propostas concretas para fortalecer a liberdade religiosa no Brasil

A análise realizada até aqui revela a necessidade de aperfeiçoamentos normativos que fortaleçam, de forma concreta, a proteção à liberdade de consciência e à prática religiosa no Brasil. Com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade, e sob uma ótica cristã que valoriza o pluralismo e o respeito mútuo, propõem-se as seguintes reformas legislativas:

a) Criminalização qualificada de violações à liberdade religiosa

Sugere-se a inclusão de um tipo penal específico no CP (decreto-lei 2.848/1940), inserido no Título dos Crimes contra a Liberdade Individual. A nova norma tipificaria como crime o ato de impedir ou restringir injustificadamente, mediante violência ou grave ameaça, o livre exercício de cultos ou reuniões religiosas, prevendo aumento de pena nos casos em que o agente for servidor público ou quando houver motivação discriminatória por convicção religiosa.

b) Responsabilização de agentes públicos por discriminação religiosa

Propõe-se a alteração da lei 8.429/1992 (lei de improbidade administrativa), com acréscimo de dispositivo que tipifique como ato de improbidade atentatório aos direitos fundamentais a imposição de restrições ou dificuldades, sem base legal ou de forma discriminatória, a manifestações religiosas. O agente público infrator estaria sujeito às sanções previstas na lei, como perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e multa civil.

c) Criação de uma Política Nacional de Prevenção e Combate à Intolerância Religiosa

Recomenda-se a edição de uma nova lei ordinária federal instituindo essa política pública, com diretrizes para campanhas educativas, formação continuada de servidores públicos em temas de liberdade religiosa, fomento a iniciativas de diálogo inter-religioso, estruturação de canais acessíveis de denúncia e articulação entre entes federativos. O objetivo é prevenir e enfrentar de maneira coordenada episódios de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso.

d) Vedação constitucional explícita de privilégios ou discriminações indiretas entre confissões religiosas

Para reforçar a neutralidade do Estado, propõe-se a inclusão de parágrafo específico ao art. 19 da Constituição Federal, vedando expressamente o tratamento desigual entre religiões em licenças, convênios, autorizações, políticas públicas ou financiamento direto ou indireto, mesmo quando disfarçado sob roupagens culturais ou sociais. A norma constitucional ganharia densidade e aplicabilidade mais clara, reforçando o compromisso com a igualdade substancial entre crenças.

e) Inclusão de campanhas públicas de conscientização sobre pluralismo religioso

Sugere-se a modificação da lei 12.288/10 (Estatuto da Igualdade Racial), ou alternativamente a inserção de dispositivo equivalente na nova lei mencionada acima, para prever a realização periódica de campanhas de conscientização, promovidas pelos entes federativos. Tais campanhas devem ter por finalidade difundir o respeito à diversidade de crenças, combater estigmas e promover a convivência pacífica entre religiões e entre crentes e não crentes.

Essas propostas visam não apenas coibir violações e abusos, mas também construir um ambiente institucional mais protetivo, educador e plural, que assegure a efetividade da liberdade religiosa como valor estruturante de uma democracia madura. Ao reconhecer a importância da fé para milhões de brasileiros - sem permitir sua instrumentalização política ou institucional - o Estado cumpre seu papel de guardião da diversidade e promotor da justiça.

Conclusão

A presente pesquisa buscou analisar a liberdade de consciência e a prática religiosa no ordenamento jurídico brasileiro, articulando uma abordagem técnico-jurídica com uma visão cristã orientada por valores de dignidade humana, justiça e pluralismo.

A partir da definição conceitual do tema, examinou-se a evolução doutrinária, as divergências interpretativas e as tensões entre diferentes modelos de laicidade, com destaque para a distinção entre um Estado laico cooperativo e um Estado laicista excludente. A análise comparada evidenciou que o Brasil adota um modelo híbrido, inspirado nas experiências portuguesa e alemã, mas enfrenta desafios específicos relacionados à aplicação prática dos princípios constitucionais de neutralidade e igualdade.

O estudo da jurisprudência demonstrou avanços significativos, com o STF e o STJ reconhecendo a legitimidade da colaboração entre Estado e instituições religiosas, desde que respeitados os limites constitucionais. Ao mesmo tempo, revelou-se a necessidade de maior uniformidade e rigor na proteção de minorias religiosas e no combate a privilégios velados concedidos a grupos majoritários.

O caso hipotético analisado evidenciou como decisões administrativas, motivadas por pressões sociais e políticas, podem comprometer a liberdade de culto e criar precedentes perigosos para o pluralismo democrático. A resposta jurídica adequada exige atuação firme do Judiciário e responsabilidade do poder público na proteção efetiva das liberdades fundamentais.

Por fim, foram apresentadas propostas legislativas concretas, com base em fundamentos constitucionais e doutrinários, visando fortalecer o marco normativo de proteção à liberdade religiosa no Brasil. As sugestões contemplam tanto a criação de novos dispositivos legais quanto a reforma de normas já existentes, sempre com foco na prevenção de abusos, na promoção da igualdade e na valorização da convivência respeitosa entre diferentes convicções.

Conclui-se, portanto, que um Estado verdadeiramente laico não é aquele que nega ou exclui a dimensão espiritual da vida social, mas aquele que garante, com imparcialidade e firmeza, a liberdade de todos os cidadãos - crentes e não crentes - de viverem suas convicções de forma plena, sem imposições nem discriminações. Esta é a visão de um jurista cristão que compreende que a democracia não exige a negação da religião, mas sim sua convivência justa, pacífica e respeitosa em um ambiente pluralista e constitucionalmente garantido.

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BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

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Abner Ferreira

Abner Ferreira

Advogado, jurista e bispo evangélico, líder da Assembleia de Deus - Ministério de Madureira. Com mais de 30 anos de destacada atuação em defesa da liberdade religiosa e dos direitos fundamentais, é Presidente da Comissão Especial de Juristas Evangélicos e Cristãos no Conselho Federal da OAB (CEJEC/CFOAB) e da União Internacional de Juristas Evangélicos e Cristãos (Unijur). É conferencista internacional, autor e coorganizador de obras jurídicas, entre elas o livro Direitos Humanos, Justiça Social e Liberdades Fundamentais, pela OAB Editora em homenagem ao ministro do STF André Mendonça.

Sóstenes Marchezine

Sóstenes Marchezine

Sócio-Diretor, Grupo Arnone e Arnone Advogados em Brasília. VP, Instituto Global ESG. Representante da OAB, CNODS/PR. Diretor, Comissão Carbono, CFOAB. Secretário, Frente ESG na Prática, Congresso.

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