Lei do superendividamento: Quatro anos de avanços e desafios
Quatro anos após sua edição, a lei do superendividamento avança na proteção do consumidor, regula o crédito responsável e enfrenta desafios para efetivar seus princípios.
quarta-feira, 16 de julho de 2025
Atualizado às 11:30
A evolução das relações de consumo no Brasil acompanhou o vertiginoso crescimento do mercado de crédito nas últimas décadas. Nesse cenário, o superendividamento tornou-se uma realidade alarmante, capaz de comprometer não apenas a solvência financeira, mas a própria dignidade humana do consumidor. Foi nesse contexto que se editou a lei 14.181, de 1º de julho de 2021, conhecida como lei do superendividamento, que completou recentemente quatro anos de vigência.
A nova legislação alterou substancialmente o CDC e o Estatuto do Idoso, incorporando mecanismos destinados a prevenir e tratar o superendividamento de pessoas físicas de boa-fé, mediante uma combinação de medidas preventivas, procedimentos de renegociação coletiva e princípios de crédito responsável. Ao longo desse quadriênio, seu impacto vem sendo progressivamente delineado na doutrina e consolidado pela jurisprudência, especialmente do STJ.
A lei do superendividamento se insere no marco da tutela da vulnerabilidade do consumidor, previsto no art. 4º, I, do CDC. Seu principal mérito foi conferir um tratamento jurídico sistematizado a um fenômeno social que vinha sendo enfrentado apenas de forma fragmentada pelos tribunais e pelos órgãos de defesa do consumidor. O diploma legal definiu superendividamento como "a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer seu mínimo existencial". Esse conceito introduz uma inovação relevante ao reconhecer o mínimo existencial como limite intransponível, garantindo que a renegociação das dívidas não implique privação das condições básicas de subsistência.
Entre os principais instrumentos introduzidos pela lei, estão o dever de concessão responsável do crédito, que impõe aos fornecedores a obrigação de avaliar previamente a capacidade de pagamento do consumidor e prestar informações claras e adequadas sobre custos, encargos, taxas e consequências do inadimplemento, bem como a possibilidade de instauração de procedimento conciliatório judicial ou extrajudicial com todos os credores simultaneamente, visando a elaboração de um plano global de pagamento, cuja homologação judicial pode ensejar a suspensão de cobranças e restrições creditícias durante a sua vigência. A lei ainda instituiu políticas de educação financeira como medidas preventivas, exigindo maior transparência e orientação ao consumidor acerca dos riscos e limites do endividamento.
Apesar dos avanços normativos e do reconhecimento jurisprudencial, a implementação plena da lei 14.181/21 enfrenta desafios expressivos. A operacionalização efetiva dos procedimentos de conciliação coletiva depende da adequada infraestrutura do Poder Judiciário, da capacitação de Procons, Defensorias e demais órgãos de proteção ao consumidor, além de exigir uma mudança cultural por parte dos credores, cuja atuação nem sempre se orienta pela função social do crédito e pela boa-fé objetiva. Outro ponto que demanda atenção reside na necessidade de uniformização da jurisprudência quanto aos limites do poder jurisdicional de revisão de cláusulas contratuais, especialmente no que diz respeito à redução de taxas de juros e à extensão dos prazos de pagamento. A persistência de entendimentos judiciais divergentes pode gerar insegurança jurídica e estimular comportamentos oportunistas, tanto de consumidores quanto de fornecedores, comprometendo a eficácia do sistema protetivo instituído pela nova lei.
Ao completar quatro anos de vigência, a lei do superendividamento reafirma seu caráter inovador e transformador na tutela da dignidade da pessoa humana nas relações de consumo. Seus instrumentos de prevenção e repactuação de dívidas demonstram um compromisso normativo com a preservação do mínimo existencial e com a promoção do equilíbrio contratual. Entretanto, sua efetividade demanda esforços conjuntos do Judiciário, dos órgãos de defesa do consumidor e dos próprios credores, assim como investimentos permanentes em políticas públicas de educação financeira e em estratégias de conscientização sobre o uso responsável do crédito.


