Como reduzir disputas com inteligência contratual: A visão do jurídico estratégico pré-contencioso
A integração entre consultivo e contencioso fortalece contratos, evita litígios e posiciona o jurídico como agente estratégico, não apenas reativo.
quinta-feira, 17 de julho de 2025
Atualizado em 16 de julho de 2025 14:50
Por muitos anos, o universo jurídico empresarial foi estruturado sobre uma divisão quase sagrada entre consultivo e contencioso. De um lado, os advogados responsáveis por redigir contratos, elaborar pareceres e oferecer segurança jurídica na prevenção de riscos. Do outro, os especialistas em disputas, prontos para atuar quando o problema já está instalado. Embora essa distinção ainda persista em muitas estruturas, ela já não é suficiente para lidar com a complexidade das relações empresariais modernas.
Em tempos de intensa judicialização, cláusulas contratuais sofisticadas e riscos jurídicos difusos, o papel do advogado consultivo se tornou muito mais estratégico. Não se trata mais de uma figura puramente técnica, que redige cláusulas "neutras" e evita problemas futuros. O consultivo, hoje, é muitas vezes o primeiro defensor da empresa - aquele que constrói, na prática, os alicerces de uma eventual disputa futura, ainda que esta nunca venha a se concretizar.
O contrato, quando bem elaborado, funciona como uma verdadeira peça de defesa (ou de ataque) em potencial. É nele que se delimitam as obrigações das partes, os critérios objetivos de cumprimento, as consequências do inadimplemento, os mecanismos de resolução de controvérsias e os caminhos processuais admissíveis. Cláusulas de indenização mal definidas, obrigações ambíguas, ausências de prazos ou de critérios claros de desempenho, ou ainda cláusulas compromissórias genéricas, mal redigidas ou imprecisas - todos esses vícios servem como combustível para litígios longos, custosos e que poderiam ter sido evitados.
Todavia, essa preparação não se limita à redação contratual. Quando o conflito começa a se delinear - em trocas de e-mails tensas, reuniões inconclusivas ou notificações mal formuladas -, é na atuação coordenada entre consultivo e contencioso que reside a real força de defesa da empresa. A gestão do pré-contencioso é, muitas vezes, negligenciada. Nesse momento, a presença do advogado é crucial para estruturar uma comunicação estratégica, preservar provas relevantes, documentar versões coerentes dos fatos e analisar, de forma racional, os riscos jurídicos envolvidos. Em muitos casos, o litígio já começou, só que ainda não chegou ao protocolo oficial.
A atuação integrada entre essas duas frentes traz benefícios concretos. Litígios evitáveis são efetivamente evitados. A previsibilidade jurídica aumenta, especialmente em contratos de longo prazo. A posição processual é fortalecida, tanto na esfera judicial quanto na arbitragem, já que há maior coesão entre os documentos contratuais e a narrativa jurídica construída. E, não menos importante, os próprios administradores e conselheiros passam a contar com instrumentos jurídicos mais robustos como forma de blindagem pessoal.
Alguns exemplos ajudam a ilustrar. Imagine um contrato de fornecimento que prevê indenização por "prejuízos decorrentes de falhas na entrega", sem definir se isso inclui lucros cessantes, danos indiretos ou custos de remediação. Uma cláusula vaga como essa é a porta de entrada para uma disputa. Ou pense em uma cláusula compromissória que determina a arbitragem "conforme a legislação aplicável", sem mencionar câmara, sede, idioma ou regras procedimentais. O resultado? Um processo judicial paralelo apenas para definir se a cláusula é válida. Ou ainda, em uma operação de M&A, notificações extrajudiciais feitas fora do prazo ou em formato inadequado, que acabam esvaziando o direito à reclamação de ajustes de preço ou indenizações - mesmo quando o contrato dá razão ao notificante. Em todos esses casos, o problema nasceu na falta de coordenação entre quem redigiu e quem eventualmente teria que litigar.
Mais do que nunca, o advogado empresarial precisa dominar duas linguagens: a do contrato e a do litígio. O consultivo que conhece jurisprudência escreve melhor. O contencioso que entende a lógica negocial e contratual argumenta com mais precisão. Essa integração transforma o jurídico em algo muito mais estratégico - e menos reativo.
Ao final do dia, o contrato é o primeiro campo de batalha. E o consultivo, quando bem posicionado, é o primeiro escudo - ou a primeira espada. Ignorar isso é deixar o futuro da disputa nas mãos da sorte. E a boa estratégia jurídica, sabemos bem, nunca foi feita de improviso.
Bruno Maglione
Sócio do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, responsável pelas áreas de contencioso cível, arbitragem e imobiliário. Mestre em Direito dos Negócios pela FGV/SP.


