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A vaquejada entre o patrimônio cultural e o negócio das apostas: O desafio de equilibrar tradição e mercado

A vaquejada cresce com as apostas, mas enfrenta o desafio de equilibrar tradição cultural, regulação jurídica e ética diante da pressão do mercado financeiro.

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Atualizado em 23 de julho de 2025 12:13

A vaquejada, reconhecida como patrimônio cultural imaterial do Brasil pela lei 13.364/16, vive um momento que vai além das tradições regionais que a consagraram. Responsável por movimentar cerca de R$ 600 milhões por ano e gerar milhares de empregos, passou a integrar o mercado regulado das apostas esportivas, impulsionado pela lei 14.790/23. Esse avanço econômico traz oportunidades, mas também desafios que não podem ser ignorados para não comprometer a essência histórica que justifica sua proteção constitucional.

O processo de profissionalização já era evidente, com contratos, remuneração de atletas e aplicação subsidiária da lei Pelé e do Estatuto do Torcedor. Contudo, a entrada das apostas em quota fixa traz uma nova dimensão ao fenômeno, exigindo regulação atenta e soluções jurídicas adequadas. A arbitragem é um ponto central: ao contrário de competições em que juízes são indicados por entidades afastadas economicamente dos resultados, na vaquejada o árbitro é geralmente contratado pelos próprios promotores. Esse vínculo, em um cenário de apostas, amplia riscos de manipulação e fragiliza o sistema.

A falta de estruturas independentes de governança, como ligas ou federações autônomas, agrava esse quadro, deixando o espetáculo mais exposto a contestações. Sob o aspecto constitucional, o desafio é garantir que o art. 216 da Constituição, que protege o patrimônio cultural brasileiro, não seja esvaziado em nome de uma monetização sem limites. O mercado de apostas traz ganhos econômicos, mas precisa andar em sintonia com o dever do Estado de preservar manifestações culturais.

Outro ponto importante é o perfil do público. A vaquejada, por ser popular, atrai muitos que estão em faixas de maior vulnerabilidade social e educacional. Isso exige responsabilidade ética de patrocinadores e casas de apostas, para que o espetáculo não se transforme em fator de endividamento e problemas sociais, sob o argumento de fortalecer a cultura local.

O caminho adequado está em qualificar a arbitragem, criar estruturas independentes de supervisão e garantir transparência nas relações entre organizadores, atletas, apostadores e operadores do mercado. Assim, será possível manter a vaquejada reconhecida por seu valor histórico e ligação com o ciclo do gado e as raízes do nordeste, sem que se torne refém exclusivo da lógica do entretenimento financeiro.

O grande desafio é assegurar que o crescimento econômico da vaquejada ocorra em harmonia com o compromisso jurídico e ético de preservar a identidade cultural que justifica seu status constitucional. Esse equilíbrio é essencial para que o patrimônio siga vivo e protegido para as próximas gerações.

Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga

Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga

Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados; doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); membro da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho (ABRADT); membro do IAB.

Luciano Andrade Pinheiro

Luciano Andrade Pinheiro

Advogado. Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Autoral. Autor de artigos jurídicos. Palestrante. Perito judicial em propriedade intelectual. Foi assessor de técnica legislativa na Câmara dos Deputados, diretor adjunto da Escola Superior da Advocacia da OAB/DF e vice-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Brasil/DF.

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