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Falta de fiscalização das autarquias e o aumento das demandas no Judiciário

A ineficiência de autarquias tem impulsionado a judicialização, sobrecarregando o Judiciário com conflitos que deveriam ser resolvidos na via administrativa.

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Atualizado em 23 de julho de 2025 12:20

Nos últimos anos, observa-se no Brasil um preocupante aumento da judicialização de conflitos que, em tese, poderiam ser resolvidos na esfera administrativa. Essa sobrecarga de demandas judiciais está diretamente ligada à falência de instituições de fiscalização - em especial das autarquias e agências reguladoras encarregadas de supervisionar setores essenciais. Em outras palavras, quando os órgãos reguladores deixam de cumprir eficazmente seu papel fiscalizatório, os problemas acabam transferidos ao Poder Judiciário. Como bem apontou o ministro Gilmar Mendes, os impasses que não encontram solução administrativa ou política terminam por ser levados aos tribunais. O resultado é um Judiciário assoberbado e obrigado a atuar como "árbitro" de questões que deveriam ter sido resolvidas na origem, revelando uma falha estrutural na coerência e no funcionamento das instituições.

No ordenamento jurídico brasileiro, as autarquias são entidades da Administração Pública indireta, criadas por lei para desempenhar funções públicas de forma descentralizada. Por definição legal (Decreto-lei 200/1967), uma autarquia é um "serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica de direito público, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada". Em síntese, trata-se de pessoas jurídicas de direito público - como agências reguladoras, institutos e fundações públicas - incumbidas de tarefas estatais específicas, sem intuito lucrativo e dotadas de certas prerrogativas estatais.

Um princípio basilar que rege as autarquias é o princípio da especialidade. Por esse princípio, cada autarquia deve ter uma finalidade específica, explicitamente definida em sua lei de criação, e só pode atuar dentro dos limites dessa. Entidades administrativas descentralizadas não podem ser instituídas com propósitos genéricos: a lei precisa delimitar com precisão o objeto de sua atuação. Assim, as autarquias apenas podem despender recursos e exercer competências nos estritos limites de seus fins institucionais, perseguindo os objetivos para os quais foram criadas. Esse desenho garante que cada autarquia tenha uma razão de ser bem determinada - por exemplo, a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica regula o setor elétrico, a ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar supervisiona os planos de saúde, o IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente cuida da proteção ambiental, e assim por diante. Cada qual possui atribuições próprias e expertise técnica para fiscalizar, normatizar e intervir preventivamente em seu domínio, assegurando o cumprimento das leis e a proteção do interesse público naquele setor.

Outro princípio relevante é o princípio da reserva legal, segundo o qual essas entidades só podem nascer por autorização em lei específica. Isso reforça sua legitimidade democrática e vincula seu funcionamento aos parâmetros definidos pelo legislador. Já o princípio do controle (ou tutela administrativa) estabelece que, embora dotadas de autonomia, as autarquias permanecem sujeitas a controle finalístico por parte do Estado que as criou. Em geral, elas são vinculadas a Ministérios ou Secretarias, que exercem uma supervisão de resultados (sem interferência hierárquica direta no dia a dia, especialmente no caso das agências reguladoras ditas "especiais").

Aliás, as agências reguladoras federais são classificadas como autarquias especiais, justamente por gozarem de maior autonomia decisória, administrativa e financeira, com dirigentes nomeados por mandatos fixos e estabilidade durante seus termos. Como define a lei 13.848/19 (Lei geral das agências reguladoras), a natureza especial dessas autarquias é caracterizada "pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira" de seus dirigentes, dentre outros fatores. Em tese, essa autonomia qualificada visa blindá-las de ingerências político-partidárias, permitindo decisões técnicas imparciais e fiscalização rigorosa dos setores econômicos estratégicos.

Em suma, do ponto de vista jurídico-filosófico, cada autarquia tem um princípio e razão de ser muito claros: foi criada para cumprir uma missão pública específica de maneira eficiente, está vinculada a princípios de legalidade, especialidade e controle, e deve atuar em harmonia com as demais instituições para que o ordenamento mantenha sua coerência e efetividade. Ouando essa missão é cumprida, conflitos são prevenidos ou resolvidos administrativamente, dispensando a intervenção judicial. O problema surge quando as autarquias falham em sua função.

A falha ou insuficiência da atuação fiscalizatória das autarquias vem sendo apontada como uma das causas principais do aumento de litígios judiciais no país. Em diversos setores, problemas que deveriam ser sanados na esfera administrativa acabam indo parar nos tribunais por omissão, morosidade ou ineficácia dos órgãos competentes. Esse fenômeno pode ser observado em áreas como consumo, meio ambiente, saúde, previdência social, infraestrutura, entre outras.

Um exemplo emblemático é o do sistema previdenciário. O INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, maior autarquia federal na área, figura hoje como o maior litigante da Justiça Federal. Mais da metade de todos os processos em tramitação na Justiça Federal são de natureza previdenciária, visando reverter negativas ou corrigir cálculos de benefícios. Segundo estudo do CNJ e do Insper, pedidos de benefícios negados pelo INSS acabam invariavelmente nos tribunais, gerando uma "avalanche" de ações. Entre 2015 e 2019 houve um crescimento de 140% no número de ações judiciais sobre benefícios previdenciários e assistenciais, um aumento muito superior ao crescimento de processos administrativos no próprio INSS. Em grande medida, esse volume extraordinário decorre de inconsistências e divergências entre a interpretação do INSS e a jurisprudência dos tribunais: o INSS muitas vezes deixa de aplicar entendimentos já pacificados pelos tribunais superiores, obrigando os segurados a recorrerem ao Judiciário para fazer valer seus direitos. Trata-se de um caso claro em que a falta de alinhamento e proatividade da autarquia em reconhecer direitos dos cidadãos gera litigiosidade desnecessária. A própria direção do INSS reconhece haver um "descompasso" entre o rigor da legalidade estrita na via administrativa e a flexibilidade das decisões judiciais, o que alimenta a judicialização. Iniciativas como a edição de súmulas administrativas e a integração dos sistemas do INSS com os dos tribunais estão em curso para tentar reverter esse quadro, buscando "resolver a questão na via administrativa, dispensando a necessidade de procurar o Poder Judiciário".

Outro campo crítico é o da saúde. A chamada judicialização da saúde - envolvendo tanto o SUS (saúde pública) quanto os planos de saúde privados - atingiu patamares elevadíssimos. Milhares de cidadãos acionam a Justiça para obter medicamentos, tratamentos ou cobertura de procedimentos que lhes foram negados administrativamente. Estudos apontam que há centenas de milhares de ações judiciais em curso no país relacionadas à saúde, fruto de falhas nas políticas públicas e na regulação do setor. No âmbito da saúde suplementar, por exemplo, questões como a negativa indevida de coberturas pelos planos - que deveriam ser coibidas pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar - resultaram em mais de 300 mil processos judiciais contra operadoras de planos de saúde em 2024, o dobro de três anos antes. Esses litígios envolvem desde procedimentos básicos até tratamentos de alto custo, revelando que o aparato regulatório e fiscalizador não tem conseguido dar respostas ágeis e eficazes às demandas dos pacientes, seja pela defasagem da atualização do rol de procedimentos obrigatórios, seja pela insuficiência de fiscalização das operadoras. Como resume uma análise publicada no Migalhas, "o Judiciário continuará a atuar enquanto o sistema falhar em antecipar e resolver os conflitos", isto é, a tendência à judicialização persiste enquanto os órgãos administrativos não suprirem as lacunas existentes. Nesse sentido, a judicialização da saúde pode ser vista tanto como consequência quanto como sintoma de um sistema regulatório que não tem conseguido equilibrar as necessidades dos cidadãos com a sustentabilidade do setor.

Situação similar verifica-se na área consumerista e de serviços públicos em geral. Problemas de consumo rotineiros, que deveriam ser solucionados por órgãos como os Procons ou agências setoriais, frequentemente se tornam ações judiciais. Conflitos sobre telefonia, internet, energia elétrica, transporte, planos de seguros, entre outros, multiplicam-se nos juizados e varas cíveis. Muitas vezes, essas controvérsias poderiam ter sido evitadas por regulação eficiente ou fiscalização preventiva das empresas pelos órgãos competentes. A partir do final dos anos 1990 e 2000, o Brasil criou diversas agências reguladoras (Anatel, Aneel, ANTT, ANS, Anvisa etc.) exatamente para monitorar a qualidade dos serviços, impor normas técnicas e proteger os usuários. Contudo, a efetividade dessa estrutura tem sido questionada. Onde a regulação falha, o Judiciário acaba chamado a intervir. Por exemplo, no setor de telecomunicações, falhas na fiscalização da Anatel sobre a qualidade do serviço e respeito aos direitos dos consumidores podem levar usuários frustrados a buscarem indenizações na Justiça. No setor de transportes e infraestrutura, omissões das agências podem resultar em judicialização de temas que vão desde tarifas até segurança viária. A falta de fiscalização ambiental por órgãos como IBAMA ou agências estaduais, por sua vez, leva comunidades e entidades a ingressarem com ações civis públicas para impedir danos ou buscar reparação. Em síntese, cada vazio deixado pela autoridade administrativa tende a ser preenchido por uma demanda judicial, o que sobrecarrega os tribunais e produz uma solução muitas vezes tardia e custosa.

Não bastasse a dificuldade técnica ou gerencial, há também fatores institucionais e políticos que contribuem para essa falência da fiscalização. Nos últimos anos, contingenciamentos orçamentários severos debilitaram a capacidade operacional de várias agências reguladoras. Em 2025, representantes das autarquias federais alertaram o Congresso de que um corte médio de 25% no orçamento das agências comprometeu a fiscalização de setores estratégicos como energia, transportes, mineração, telecomunicações e petróleo. Segundo testemunho de um secretário do TCU em audiência no Senado, "existe um contraste entre as responsabilidades das agências e o volume de demandas que elas não estão mais conseguindo atender". Ou seja, o mandato legal dessas entidades continua a se expandir - com novas atribuições, mercados mais complexos e tecnologia avançando - porém os recursos humanos e financeiros disponíveis não acompanham, gerando deterioração na capacidade fiscalizatória. Exemplos não faltam: a ANM - Agência Nacional de Mineração relatou ter apenas 4 servidores para fiscalizar cerca de 40 mil frentes de lavra no país - uma situação insustentável que já se traduziu em tragédias como o rompimento de barragens. A Aneel, por sua vez, teve que reduzir operações de fiscalização e até o atendimento ao consumidor em sua ouvidoria por falta de pessoal e verba. Esses dados ilustram que, em muitos casos, as autarquias não estão falhando por falta de mandato legal, mas por falta de meios e condições práticas para cumpri-lo. A consequência é um cenário em que condutas irregulares deixam de ser coibidas administrativamente, acumulando-se até transbordar no Judiciário em forma de litígio.

Esse quadro configura uma verdadeira "falência das instituições" de fiscalização e regulação: as autarquias existem no papel e possuem objetivos bem definidos em lei, mas na prática seus mecanismos de enforcement são frágeis ou inoperantes em diversos setores. Essa disfunção acaba por minar a confiança do cidadão na administração pública. Ouando o administrado percebe que recorrer aos órgãos competentes não resolve seu problema (seja pela demora, seja pela omissão), ele naturalmente buscará refúgio no Poder Judiciário - que, por sua vez, não pode se furtar a dar uma resposta. O Judiciário, então, torna-se palco de discussões técnico-regulatórias e de efetivação de políticas públicas, o que não é sua vocação primária. Há um custo sistêmico elevado nessa transferência: decisões judiciais individuais podem não ter a mesma abrangência ou tecnicidade de uma regulação administrativa bem feita, podendo gerar soluções casuísticas ou inconsistentes. Além disso, o acúmulo de processos contribui para a morosidade da justiça, prejudicando a celeridade e a efetividade na tutela de direitos em geral. Em última análise, todos perdem: a administração, por ver esvaziada sua autoridade; o Judiciário, por ver comprometida sua eficiência; e principalmente o cidadão, que enfrenta um procedimento mais lento e complexo para obter aquilo que poderia ter sido conseguido de forma mais simples na via administrativa.

A crise descrita acima não é apenas jurídica ou gerencial, mas também filosófica. Ela aponta para uma incoerência fundamental entre o que as instituições deveriam ser e o que de fato são. Essa contradição entre forma legal e realidade prática ameaça a racionalidade e a legitimidade de todo o sistema. Aqui, é elucidativo recorrer ao princípio filosófico da não contradição, clássico desde Aristóteles e magistralmente reafirmado por Santo Tomás de Aquino. O princípio da não contradição estabelece que "é impossível que algo seja e não seja ao mesmo tempo e na mesma circunstância". Trata-se de um fundamento lógico basilar: duas proposições contraditórias não podem ambas ser verdadeiras simultaneamente. Aplicando essa ideia ao contexto institucional, não é admissível que se declare, de um lado, que determinado órgão é responsável por fiscalizar ou regular certo setor, e por outro lado esse órgão não exerça efetivamente tal responsabilidade. Ou seja, não pode algo existir em teoria e não existir na prática sem que haja grave contradição. A realidade - também a realidade jurídica - exige coerência.

Segundo Tomás de Aquino, qualquer negação do princípio da não contradição inviabiliza a possibilidade de se alcançar a verdade ou construir um discurso racional. Em outras palavras, aceitar contradições equivale a aceitar o absurdo e o erro como válidos, solapando os alicerces da razão. No campo do Direito e das instituições, isso significa que um ordenamento no qual as normas e estruturas formais não guardam correspondência com a atuação concreta tende ao colapso da credibilidade. A própria segurança jurídica é abalada quando há discrepância entre "o que está no papel" e "o que ocorre de fato". Afinal, espera-se que as leis e as instituições tenham eficácia, isto é, que sejam na prática aquilo que a norma diz que são. Ouando esse elo se rompe - quando a agência reguladora existe, mas não regula, quando a autoridade existe, mas se omite -, ingressamos no terreno movediço da contradição, onde prolifera a insegurança e o ceticismo da sociedade em relação ao Estado.

Santo Tomás chega a argumentar que nem sequer a onipotência divina contemplaria a contradição: Deus não pode fazer com que algo seja e não seja ao mesmo tempo, pois isso não é poder, mas um absurdo lógico. Em tom ilustrativo, ele nota que "contradições não existem", de modo que nem Deus poderia criar, por exemplo, "um retângulo que seja simultaneamente um triângulo", ou "um homem que ao mesmo tempo seja um asno". Ora, se até no âmbito teológico a contradição é inadmissível, o mesmo se aplica a fortiori no âmbito mundano das instituições humanas: não se pode tolerar que vigorem, lado a lado, a afirmação de uma competência legal e a negação fática de seu exercício. Ouando isso acontece, abre-se espaço para o caos normativo e a erosão moral - pois, como adverte Tomás, admitir contradições equivale a comprometer os fundamentos da ciência, da teologia e da moral. Em linguagem moderna do Direito, poderíamos dizer que o princípio da confiança legítima e da boa-fé institucional é rompido: o cidadão já não sabe o que esperar das autoridades, se elas próprias não agem conforme seu dever de ser.

Portanto, analisar a falência da fiscalização das autarquias sob a luz do princípio da não contradição traz um insight valioso: o nosso sistema jurídico-político padece de uma incoerência estrutural que precisa ser corrigida para restaurar sua racionalidade. Não basta criar órgãos por lei; é preciso dotá-los de meios e vontade para agirem. Não basta proclamar direitos e deveres; é preciso que eles se efetivem harmonicamente, cada instância cumprindo seu papel para evitar sobreposições ou lacunas. A verdade no âmbito do ser (no caso, do ser institucional) requer alinhamento entre essência e existência, entre nomeação e ação - caso contrário, temos apenas fachadas legais sem efetividade real.

Diante desse diagnóstico, impõe-se uma reflexão crítica e a busca de soluções. A saída para o ciclo vicioso de fiscalização falha e judicialização excessiva passa, primeiramente, por fortalecer as autarquias e demais órgãos de controle administrativo. Isso envolve tanto recursos materiais e humanos (garantir orçamento, pessoal qualificado e tecnologias adequadas para as agências desempenharem suas funções) quanto garantias de independência e boa governança (nomeação de dirigentes técnicos comprometidos com o interesse público, estabilidade contra pressões políticas indevidas e mecanismos efetivos de prestação de contas). O princípio da eficiência, insculpido no art. 37 da Constituição Federal, demanda uma administração pública apta a produzir resultados concretos em benefício da sociedade. Cumprir esse princípio no âmbito das autarquias é essencial para diminuir a necessidade de intervenção judicial. Se as agências reguladoras e demais entidades fiscalizadoras atuarem com agilidade, rigor técnico e imparcialidade, muitas lesões de direitos serão prevenidas ou reparadas administrativamente, reduzindo o incentivo à judicialização.

Em segundo lugar, é preciso aperfeiçoar a articulação entre as decisões administrativas e judiciais, de modo a evitar contradições persistentes. Os exemplos da Previdência e da Saúde mostraram que, quando o entendimento dos tribunais superiores sobre certas matérias é sistematicamente ignorado na via administrativa, gera-se um represamento de demandas que fatalmente extravasam em processos. Iniciativas de diálogo institucional - como câmaras de conciliação, enunciados conjuntos, súmulas administrativas vinculantes às autarquias e integração de sistemas - podem alinhar as interpretações e promover a desejada coerência entre o que decide a agência e o que decidiria o juiz. Essa sintonia fina preserva tanto a autoridade administrativa (que passa a decidir corretamente já de início) quanto a economia processual (evitando litígios desnecessários). Ademais, mecanismos de participação social e transparência na atuação das autarquias podem aumentar seu acerto e legitimidade, prevenindo conflitos.

Sob a perspectiva filosófica e ética, restaurar o respeito ao princípio da não contradição no funcionamento do Estado significa retomar a seriedade com a qual as competências públicas são tratadas. Não se pode mais conviver com a duplicidade esquizofrênica de órgãos que, no papel, prometem muito e, na realidade, entregam pouco. A responsabilização deve caminhar pari passu: dirigentes de agências e autoridades omissas precisam ser cobrados por resultados (ou pela falta deles), ao mesmo tempo em que se reconhece e incentiva as boas práticas regulatórias que evitem disputas. A sociedade, por sua vez, tende a respeitar e confiar em instituições previsíveis, coerentes e efetivas. Cada vez que uma demanda é resolvida prontamente por um Procon, por uma agência reguladora atuante ou por um órgão fiscalizador diligente, reforça-se a crença no sistema administrativo e diminui-se a sobrecarga do Judiciário.

Em conclusão, o aumento das demandas judiciais atrelado à falta de fiscalização das autarquias é um sintoma de desequilíbrio institucional que ameaça a ordenação racional do Estado de Direito. Resolver esse desafio requer uma abordagem multidisciplinar: legal, gerencial e filosófica. Legal, no sentido de aprimorar leis e estruturas de controle; gerencial, no sentido de investir em capacidade administrativa e em eficiência; e filosófica, no sentido de resgatar a coerência como valor fundamental na organização dos poderes públicos. Parafraseando as lições de Santo Tomás de Aquino, não pode haver verdadeira justiça onde impera a contradição. Se quisermos um sistema de justiça sustentável e instituições sólidas, é preciso eliminar as contradições entre o ser e o dever-ser institucionais - fazendo com que as autarquias cumpram plenamente a função para a qual existem. Somente assim conseguiremos reduzir a judicialização excessiva, aliviar a carga do Judiciário e, principalmente, entregar ao cidadão a tutela de direitos de forma célere, coerente e efetiva, tal como se espera em uma sociedade verdadeiramente regida pela lei e pela razão.

Mário Goulart Maia

Mário Goulart Maia

Sócio do Kohl & Maia Advogados.

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