As OSS e os caminhos para fortalecer o SUS
Parcerias com OSS fortalecem o SUS ao combinar eficiência privada com interesse público, mas demandam atualização nos critérios de qualificação e regulação.
sexta-feira, 25 de julho de 2025
Atualizado em 24 de julho de 2025 11:41
A Constituição de 1988 estabeleceu que todos os cidadãos do país têm direito a um sistema de saúde público, universal e gratuito. Um compromisso coletivo que continua sendo um dos mais potentes pilares da democracia brasileira. Apesar disso, sabemos que o SUS - Sistema Único de Saúde enfrenta desafios de financiamento crescentes e que, atualmente, o total gasto em saúde no Brasil não é suficiente para cobrir integralmente o sistema.
Diante dos desafios de financiar, gerir e ampliar o acesso ao SUS, diversos entes federativos passaram a adotar arranjos institucionais colaborativos que viabilizam a atuação conjunta com entidades privadas sem fins lucrativos na execução de políticas públicas de saúde.
A participação de atores privados na saúde pública não é um fenômeno recente. Desde as Santas Casas até os hospitais filantrópicos, o setor privado sem fins lucrativos tem sido parceiro do Estado na garantia do direito à saúde. Nas últimas décadas, observamos a consolidação de modelos que têm ganhado relevância na gestão de políticas públicas, com destaque para as parcerias com OSS - Organizações Sociais de Saúde.
O modelo das OSS tem se destacado por oferecer maior flexibilidade de gestão e processos decisórios mais ágeis e orientados por resultados, características que frequentemente se traduzem em melhores indicadores assistenciais. Trata-se de um arranjo que articula competências do setor público - o compromisso com o interesse público -, e do setor privado - à eficiência e o foco em resultados - em torno de um objetivo comum: ampliar e qualificar o acesso à saúde.
O contrato de gestão é o instrumento jurídico que formaliza essa parceria. Diferentemente de uma simples contratação de serviços, ele configura uma relação de colaboração, na qual o Estado permanece responsável pela formulação da política pública, pela fiscalização e pela avaliação dos resultados.
A OSS, por sua vez, contribui com sua capacidade gerencial, administrativa e técnica para executar metas pactuadas. Não se trata de uma relação comercial, mas da realização compartilhada de políticas públicas.
A experiência das OSS já demonstrou resultados concretos e relevantes em diferentes contextos federativos. Para que o modelo continue a oferecer respostas consistentes, é fundamental garantir um ambiente institucional que compreenda sua lógica própria, além de uma regulação segura e responsiva, capaz de promover confiança, assegurar previsibilidade e estabelecer regras claras. A combinação desses fatores garantirá que as OSS possam exercer sua autonomia com eficiência, dentro dos limites da legalidade.
Como toda relação entre Estado e setor privado, essa parceria também está sujeita a tensões e assimetrias características de ambientes regulados, como a divergência de expectativas entre as partes, a desconfiança institucional e a rigidez dos mecanismos de controle. Para o fortalecimento deste modelo, importante voltar a atenção para um de seus pontos estruturantes: o processo de qualificação das OSS.
Sobre a qualificação, é importante lembrar que nenhuma entidade nasce como Organização Social. O título é concedido a associações ou fundações que se submetem a um processo administrativo junto ao Poder Público, que, então, se tornam habilitadas a participar de chamamentos públicos para a celebração de contratos de gestão. O objetivo da qualificação, portanto, é identificar e selecionar previamente organizações com trajetória institucional consistente, governança adequada e capacidade de gestão compatível com a execução de políticas públicas de saúde.
Em muitos casos, no entanto, essa etapa tem se resumido à verificação de documentos estatutários, certidões e atestados, com pouca atenção à análise substantiva da trajetória institucional das organizações. Assim, a qualificação perde sua função e se converte em um trâmite burocrático-cartorial.
Além disso, é legítimo questionar se os requisitos vigentes para a qualificação, em grande parte inalterados desde a década de 1990, ainda são suficientes para responder às exigências do presente. Nesse cenário, vale perguntar: por que não exigir que as OSS contem com sistemas de integridade em funcionamento, políticas efetivas de diversidade e mecanismos de transparência e accountability mais robustos? Atualizar os critérios de qualificação é essencial para que o modelo continue alinhado aos desafios atuais da gestão pública.
Para que esse processo não seja conduzido de forma arbitrária ou casuística, os requisitos de qualificação devem estar claramente definidos em norma regulamentar, garantindo segurança jurídica e previsibilidade. Dessa forma, tanto o Poder Público poderá refletir, de forma estratégica, sobre o perfil das entidades com as quais deseja estabelecer parcerias, como as organizações poderão se planejar e se estruturar adequadamente para participar do processo.
Esses desafios não deslegitimam o modelo das OSS, mas apontam caminhos para seu aprimoramento. Recuperar a promessa constitucional exige mais do que que reafirmações formais. Exige ações concretas, arranjos cooperativos e instituições capazes de sustentar o pacto coletivo que dá sentido ao SUS. O modelo das OSS pode e deve continuar a ser parte dessa resposta.
Guilherme Amorim Campos da Silva
Sócio de Rubens Naves Santos Jr. Advogados; Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP.
Raquel Grazzioli
Advogada do escritório Rubens Naves Santos Júnior Advogados.




