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Valor da causa na limitação de margem como ferramenta de combate à litigância predatória

Uma breve análise sobre o Tema 42 do TJ/GO e o seu reflexo no combate a litigância predatória nas demandas envolvendo pedidos de limitação de margem consignável.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Atualizado em 25 de julho de 2025 10:13

Para quem convive e atua no contencioso bancário, ações movidas em desfavor de instituições financeiras sob o preceito de uma limitação de valor atribuído a título e consignação em proventos de consumidores contratantes de empréstimos são figuras que rotineiramente tem espaço nos tribunais pelo país.

A grande questão envolta nessa problemática muitas vezes não se refere à legitimidade de se aplicar determinado percentual de desconto, haja vista que para as diversas relações de consignação já existem leis que visam justamente regulamentar a viabilidade do desconto e seu limite, garantindo, portanto, os direitos dos consumidores e norteando as decisões judiciais.

Ou seja, nas hipóteses em que forem de fato ultrapassadas as margens legais previstas para cada situação concreta, resguardadas as particularidades de cada contratação e a análise da temporalidade dos contratos feitos, os entendimentos nos mais diversos tribunais pátrios têm seguido muitas vezes por atender ao consumidor que de fato tenha seu direito à limitação evidenciado, garantindo o ajuste de sua margem.

Neste contexto, em que o mérito da ação tem suas diretrizes de interpretação passíveis de assimilação de forma mais clara, uma outra problemática surgiu, qual seja, a real e justa atribuição do valor da causa para esses tipos de demanda.

A aferição do valor da causa tem se mostrado como um problema nestes casos, tendo em vista que quando da indicação de tal requisito, o que se verifica é a uma indicação desarrazoada de valor muito elevado.

Os valores indicados muitas vezes são movidos pela inobservância da razoabilidade ou até mesmo pelo intuito mascarado de rentabilidade indevida as custas da outra parte, situação que tem sido destaque atualmente no ordenamento jurídico frente as crescentes constatações de abusividade na distribuição de demandas, ações estas que tem sido classificadas como demandas temerárias.

Se por um lado a delimitação do valor da causa quando da distribuição de uma petição é medida que se impõe, vide art. 291 do CPC, por outro lado a ausência de uma interpretação correta e padronizada de como deve ser feita essa delimitação de valor em ações como as de limitação de margem consignável acaba por gerar uma enorme insegurança jurídica e ainda acaba por permitir um canal de atuação de uma litigância oportunista.

Existem entendimentos nos mais diversos sentidos, por exemplo aqueles entendem que seria o proveito econômico perseguido na demanda o equivalente ao somatório dos valores das parcelas dos contratos que a parte autora pretende modificar, de modo que o valor a ser atribuído como valor da causa deveria ser todo o montante que de fato seria suspenso em razão da modificação da margem consignável discutida.

Outra visão ainda pontua o entendimento de que nesse tipo de ação, não há proveito econômico aferível, de modo que o valor da causa deve ser simbólico.

Existem ainda aqueles que vão além e simplesmente entendem que o valor atribuído a causa é passível de se configurar no importe total dos contratos que são objeto de descontos, não dos percentuais que ultrapassam a margem, mas do total de cada contrato vinculado ou até mesmo da totalidade de descontos já realizada e daquela programada tendo em vista o número de parcelas da operação.

Em outra linha, também aqueles que entendem que o valor da causa, em estreita observância ao art. 292, inc. II, do CPC, deve corresponder ao importe da margem consignável propriamente dito, sendo, pois, este o proveito econômico pretendido.

É evidente que essa discussão afeta diretamente aspectos práticos e relevantes do processo, tais como o recolhimento de custas processuais, a fixação de competência e o necessário e justo dimensionamento da sucumbência.

Além disso, a ausência de uma delimitação na interpretação do valor justo a ser atribuído acaba por potencializar a distribuição temerária de ações, abarrotando o judiciário e prejudicando aqueles que de fato necessitam do ordenamento jurídico.

Frente a tal situação, em recente posicionamento do TJ/GO, quando do julgamento do Tema 42, no IRDR 5481093-44.2023.8.09.0051, fixou a seguinte tese jurídica:

"Nas ações que objetivam exclusivamente limitar descontos decorrentes de empréstimos consignados ao percentual da margem consignável fixado em lei, o valor da causa deve corresponder ao valor econômico efetivamente debatido no processo, entendido como a soma de 12 (doze) parcelas mensais que excedam a margem legal, no momento da propositura da ação."

No referido posicionamento, com brilhantismo, o relator, desembargador Fabiano Abel de Aragão Fernandes, concluiu que o valor à título de proveito econômico é sim mensurável, sendo este, justamente a quantia que deixará de ser descontada, em razão da limitação dos descontos à margem consignável legal mensalmente.

Logo, considerando que este montante que excede o limite legal mensal corresponde ao valor do proveito econômico da parte requerente, ele é que deve ser tomado como base para construção do valor da causa.

Além disso claramente se vislumbra ali uma importante mensagem do judiciário no combate à litigância predatória, já que desmotiva a distribuição desmedida de ações que outrora prevaleceram, se posicionando no sentido a delimitar que o valor da causa fixado em valor diverso do que se mensura o ponto controvertido, qual seja, o excedente da margem, compromete a lógica processual e viola os princípios da boa-fé e da efetividade da jurisdição.

O relator tratou ainda de afastar, de forma fundamentada, as outras linhas de raciocínio para atribuição do valor da causa.

Na visão elencada na decisão, prevaleceu o entendimento de que como as ações não objetivam discutir legalidade dos contratos firmados, tampouco os juros e outros encargos pactuados, é certo que os valores dos contratos propriamente ditos não poderiam servir como base para a atribuição do valor da causa.

Do mesmo modo, entendeu que não se discute ali a legalidade ou não da porcentagem destinada à margem consignada, de sorte que referida quantia também não pode direcionar o valor a ser atribuído à causa.

Também sustentou que não seria razoável se justificar a fixação do valor da ação de forma simbólica, pois, uma vez acolhida a pretensão do consumidor, este receberia quantias plenamente mensuráveis.

Nesta toada, a fixação da tese se mostra como um significativo avanço, tanto como garantidor de segurança jurídica para as partes envolvidas no litígio, com também na regulação no âmbito das custas e fixação de competências.

Assim, tomando por base o disposto no Tema 42, ao se estabelecer um critério objetivo e proporcional para a fixação do valor da causa, não apenas é possível mitigar distorções processuais, como também fortalecer a função institucional do Poder Judiciário.

A medida, ainda desestimula práticas abusivas e resgata a lógica de que o processo deve ser instrumento de pacificação social, e não de especulação. Sendo certo que, a médio e longo prazo, a tendência é que a litigância predatória perca espaço nesse segmento, abrindo caminho para uma atuação mais eficiente e focada em demandas legítimas por parte do judiciário.

Lucas Rodrigues Lucas

Lucas Rodrigues Lucas

Sócio do Escritório Ernesto Borges Advogados. Pós-graduado em Processo Civil, Direito Empresarial e em Direito Digital. Membro da Comissão de Direito Bancário da OAB/MS.

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