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A dor psíquica causada pelos planos de saúde

Reflexão jurídica e humana sobre a dor psíquica causada por planos de saúde e a urgência de decisões firmes que priorizem a vida e a dignidade.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Atualizado em 4 de agosto de 2025 09:51

Chega um momento, da carreira jurídica, em que é inevitável que operador do Direito não deixe de fazer uma análise psíquica da vida, das dores e dos fatos.

E, não fugindo a tal ofício, essa subscritora também substituiu o diploma da parede, pelo olhar pro ser humano, num instante em que os CC e Processual se fechavam e que o Vademecum não trazia mais respostas. A reflexão foi específica sobre a dor psíquica causada pelos planos de saúde, momento em que o presente texto se materializou.

Costumam dizer que famílias de pacientes crônicos distinguem o tempo entre antes e depois do diagnóstico, como se o parecer médico encerrasse uma sentença. Sem recursos. Embora seja de conhecimento que nenhum diagnóstico define um ser humano, é inevitável ponderar que a moléstia dita o caminho, ela traça a rota.

E, não bastasse a dor de quem assiste a uma consulta médica, ou de quem recebe um diagnóstico sem bom prognóstico, com rimas não propositais, pois não cabe nesse âmbito, espaço para a poesia, inicia-se a batalha também em face de planos de saúde, em contratos, via de regra, de longas duração, esperando-se o merecido tratamento, quando a fragilidade invade a vida.

Porém, o que mais se vislumbra são as negativas dos planos de saúde, em sua maioria, abusivas, e sem a mínima preocupação com o ser humano, que se descortina na sua dor e finitude. 

Se os boletos dos planos de saúde são generosos nos valores, o mesmo não se pode dizer na contraprestação dos serviços fornecidos, em que se rodeiam os "nãos". "Não" ao medicamento de alto custo; "não" ao insumo usado durante a internação hospitalar, sem previsão na lista da ANS; "não" ao exame fundamental para o diagnóstico do paciente, que os planos de saúde reputem como fora do rol exemplificativo da ANS, mas, para as seguradoras, sempre taxativos, do modo como for mais conveniente.

Nessa luta pela vida, em meio ao labor jurídico, seria de alta apreciação ouvir um grande sim. Um enorme sim para quem busca viver, mostrando que o pulsar é muito mais importante do que os lucros recordes das seguradoras.

Em "Por quem os sinos dobram", Ernest Hemingway escreveu que "a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. Então, não me perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti".  

E, então, ao saber da luta de um ser humano pela vida, brigando contra uma moléstia, os sinos dobram. A alma dobra.

Mas, para que se possa reescrever a história de um modo diferente, é preciso reequilibrar a balança. Há valores que não se encaixam com os números das seguradoras; há a vida que sobrepuja qualquer lucro recorde.

Como profissional de Direito e como pessoa, essa subscritora gostaria de narrar mais histórias em que o paciente pode se tratar em paz; em que o remédio é fornecido sem tanta procrastinação das seguradoras; ou sem tantos descumprimentos de tutelas de urgência. Gostaria de escrever mais sobre home care efetivamente cumpridos; sobre idosos bem tratados.

Aliviaria também a balança da justiça se o Judiciário fosse menos sobrecarregado com tantos descumprimentos de tutelas de urgência; se a ANS pudesse responder a menos reclamações de seguradoras cegas com seus lucros. 

Mas, para tanto, é preciso firmeza nas decisões. E uma das firmezas começa com a manutenção das multas impostas pelo Poder Judiciário, sem que sejam reduzidas, de tal modo que os planos de saúde tenham efetivo temor da sanção imposta e cumpram mais as determinações. A firmeza começa com a determinação de que planos de saúde efetivamente respondam aos seus segurados em e-mails da ouvidoria; que atuem com mais ética e transparência com quem lhes contratou.

Retoma-se, então, o início do texto, que versa sobre a dor psíquica causada pelos planos de saúde. Uma dor que não aparece nos exames, mas que fulmina pacientes e familiares, quando não são justamente atendidos em suas necessidades. E somente com força e determinação de órgãos públicos, com medidas mais severas às seguradoras, é que se alcançará um patamar em que a dor psíquica causada pelos planos de saúde seja um pouco menor. Nesse instante, pacientes e familiares poderão se ocupar daquilo que realmente importa, porque o valor da vida voltará a pulsar. E, nesse momento, com licença poética, os sinos dobrarão. Somos seres humanos. No plural.

Fernanda Giorno de Campos

Fernanda Giorno de Campos

Sócia do escritório Lopes & Giorno Advogados. Pós-graduada em Setores Regulados pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito Processual pela EPM.

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