O perigo da demora é presumido em ações sobre embargos ambientais
Perigo da demora se presume em favor do embargado em medidas longevas. Exposição contínua a sanções e violação à duração razoável invertem ônus do periculum in mora nas tutelas de urgência.
terça-feira, 5 de agosto de 2025
Atualizado às 13:22
Em tempos de juízes que buscam a todo custo criar uma interpretação para além do que a lei diz para fazer valer sua vontade, e não a vontade da lei, a literalidade vale ouro. Este texto sequer precisaria ser escrito não fosse a nova onda pós-positivista que veio para tentar (re)dizer o que a lei já diz. A função dos juízes e tribunais deveria ser aplicar a lei tal como ela é, e não a moldar de acordo com as preferências subjetivas de juízes ou pressões institucionais, das mais diversas maneiras, inclusive por meio do sistema de precedentes.
Daí a triste razão de necessitarmos escrever sobre a existência e a interpretação de algo que já está dito na lei. Daí a razão de termos que explicar como funciona perigo da demora; como ele se presume em favor do sujeito que se encontra sobre o efeito das medidas cautelares administrativas, tal qual no Direito Criminal, em especial o embargo ambiental, medida restritiva de direitos fundamentais como a propriedade e a livre iniciativa, que só pode ser aplicada quando presentes e mantidos os requisitos autorizadores.
Pois bem. Para a compreensão do tema, é preciso entender o contexto em que nos encontramos.
Tramita no TRF-1 o incidente de resolução de demandas repetitivas 94, cuja questão submetida a julgamento é a "Repercussão jurídica do reconhecimento judicial da prescrição administrativa da pretensão punitiva ambiental sobre a medida administrativa do termo de embargo ambiental, lavrado no âmbito de processo administrativo para apuração de infração ambiental, inclusive com relação ao terceiro adquirente."
Mais uma questão filha do pós-positivismo, já que a lei 9.873/99 não dá brechas para outras interpretações: todas as medidas e sanções do poder de polícia estão sujeitas aos prazos prescricionais estabelecidos na norma.
Na admissão do mencionado IRDR, nos termos do art. 982 do CPC, a relatora suspendeu o trâmite de todos os processos, mas, "não impedindo, contudo, a apreciação, em caráter excepcional e devidamente fundamentado, e considerando-se a ressalva expressa neste voto, eventuais pedidos de tutela de urgência ou medidas liminares, quando demonstrado o periculum in mora e desde que observada a vinculação da matéria ao objeto deste incidente, os quais deverão ser apresentados perante o juízo competente onde tramitar o respectivo processo suspenso;".
Esse IRDR é mais uma expressão do "modernismo hermenêutico", onde a força irradiante das interpretações extra legem tomaram lugar. No TRF-1, um tribunal clássico, sempre sólido, em que as interpretações sempre foram coerentes com a lei, a regra era clara: aplica-se o que diz a lei 9.873/99 para o direito sancionador e os atos do poder de polícia. Apesar disso, temos vistos novos rumos com a vinda de novos intérpretes.
O Ibama e o ICMBio - e a própria relatora, oriunda do MPF - que defendem a inaplicabilidade da lei 9.873/99 ao embargo, não fundam seus argumentos no ordenamento jurídico, mas sim em filosofias, argumentos biocêntricos e teorias populistas para dizer que não se aplica o que o Congresso Nacional determinou que fosse aplicado. A procuradoria do Ibama se manifesta de Jonh Rawls à teoria dos poderes implícitos; de diálogo das fontes à proteção insuficiente e outras katchangas para criar um supra regime ao embargo ambiental, mas nada do que a lei já diz. É um problema. É um fechar de olhos para o que existe e uma corrida para o que inexiste, tudo no afã de fazer valer posicionamento próprio, e não o pensamento da lei. Na manifestação da autarquia, cita-se quase uma centena de vezes ADPFs, mas não textos de lei.
Quanto ao IRDR e a questão da análise da tutela de urgência, a relatora incluiu uma "ressalva", uma charada, um paradoxo. Nos termos da decisão, esta "ressalva" é um "rogo", uma súplica que constrange a análise das tutelas de urgência pelos magistrados de primeira instância:
"dada a especial relevância ambiental, social e econômica da matéria que será submetida à análise neste incidente, roga-se aos i. magistrados que haja excepcional cautela quando da ponderação dos requisitos necessários ao deferimento das tutelas de urgência, sobretudo considerando que, uma vez levantado o embargo por decisão judicial, as consequências fáticas, com importante risco para o meio ambiente ecologicamente equilibrado, podem ser imediatas e de difícil ou impossível reversão".
O mérito desta decisão não integra o objeto do presente estudo. Contudo, evidencia-se que ela antecipou seu voto de julgamento nas últimas linhas, prática vedada na fase de admissão de IRDR. Além disso, criou um terceiro requisito para análise da tutela de urgência, além dos previstos no art. 300 do CPC: a "excepcional cautela". "Excepcional cautela" é um conceito aberto, indeterminado, típico daqueles que amam técnicas hermenêuticas e afastam a lei.
Surge a pergunta: o que seria a "excepcional cautela" para analisar a causa de pedir da prescrição da pretensão punitiva, matéria que os juízes sempre analisaram com base nas regras comuns do Direito Administrativo e da teoria geral das cautelares? Não sei. A resposta é incerta, e possivelmente nem os juízes de primeira instância a conhecem. Decisões como essas, sem base normativa, destroem a previsibilidade das normas e comprometem a integridade de nossa democracia, ao transformar o Judiciário em um agente de consecução política, um papel que não lhe pertence.
Tradicionalmente, nas causas que envolvem suspensão de embargos, as tutelas de urgência sempre observaram o art. 300 do CPC. O perigo da demora consistia nos efeitos contemporâneos dos embargos: estado de flagrância criminal e administrativa, bloqueio comercial, bloqueio financeiro, mácula à imagem, inviabilização da propriedade e demais efeitos deletérios. E mais: nos casos de prescrição, é o próprio decurso de tempo que gera o perigo da demora, já que a medida punitiva está em vigor há tempos sem a devida conclusão do processo administrativo. Contudo, essa compreensão mudou abruptamente para alguns magistrados.
Após a decisão que admitiu o IRDR e suspendeu o trâmite dos processos, em primeira instância, num processo que buscava a desconstituição de embargo ambiental aplicado há mais de quinze anos, o juízo suspendeu o feito nos termos do art. 982 e não analisou a tutela de urgência, sob o seguinte fundamento:
"Cuida-se embargo aplicado há tempos, inclusive este o motivo pelo que se arguiu a prescrição da pretensão punitiva durante a tramitação do processo administrativo.
O embargo impugnado foi lavrado 29/4/10, há mais de quinze anos, de modo que o caso em análise não se amolda à hipótese excepcional ventilada pelo TRF1.
Ressalte-se que eventuais restrições impostas pelo IBAMA diante do descumprimento de embargo aplicado há vários anos não é argumento razoável ao reconhecimento do perigo da demora, uma vez que a ninguém é lícito alegar em seu benefício conduta contrária a ato legítimo e conforme o ordenamento jurídico."
Pergunta-se: qual é a hipótese excepcional "ventilada pelo TRF1" que permite a análise da tutela de urgência especificamente para a causa de pedir da prescrição? A desembargadora não esclareceu. O que ela falou é para ter "excepcional cautela" no deferimento das tutelas de urgência, e não para não analisar ou para indeferir. Neste ponto, a probabilidade do direito consiste no próprio decurso de tempo sem marcos interruptivos da prescrição. O perigo da demora são os efeitos mencionados, que se presumem em favor do proprietário rural. No caso da prescrição, o perigo é o próprio decurso do tempo que extrapolou o razoável. Repita-se: qual seria a hipótese de "excepcional cautela" mencionada pelo juízo? A lei não a previu, sendo mais uma criatividade fruto da "hermenêutica", não da lei, mas da cabeça do juízo.
Pelo senso comum, nos termos do voto da relatora, a falta de "cautela", na análise de desembargo significaria reconhecer a prescrição do poder sancionador quando o ilícito se der em áreas verdadeiramente sensíveis: unidades de conservação, terras indígenas ou glebas federais destinadas à reforma agrária. Em suma, áreas efetivamente de uso restrito, que não devem ter interferência do homem.
Mais grave ainda: a "excepcional cautela" não pode significar que outra causa de pedir no processo deva ser vencedora, pois isso constituiria negativa de prestação jurisdicional quanto à tese especificamente submetida ao IRDR. Não há sentido lógico em interpretar que a "excepcional cautela" seja sinônimo de comprovação da legalidade e regularidade da área, quando a causa de pedir é a prescrição. Do contrário bastaria não inserir no feito a tese que envolve a prescrição da pretensão punitiva.
Se o feito versa sobre prescrição da pretensão punitiva, deve ser analisada a tutela de urgência sob esta ótica para que, ao fim do IRDR, seja aplicada a tese vencedora - qualquer que seja ela. O que não se admite é negar-se a analisar justamente a tese objeto do incidente. O foco é precisamente a questão da prescrição, e não a substituição desta tese por critérios extrajurídicos, como fez o magistrado.
A decisão é tão equivocada que tropeça em seus próprios fundamentos. Note-se que, ao final, o magistrado afirma ser o ato legítimo e conforme o ordenamento jurídico. Mas se houve prescrição, como pode o ato manter sua legitimidade e conformidade? O que o juiz efetivamente disse, sem dizer, é que a tese aplicável ao caso é a de que o embargo não se sujeita à prescrição. Afinal, para ele o ato prescrito é legítimo e conforme o ordenamento. Seria mais coerente e nobre analisar a tutela e indeferi-la com os mesmos fundamentos, pois seus argumentos serviriam para dizer que não há perigo da demora (antiguidade do ato administrativo) e que não há probabilidade do direito (o ato é legítimo e conforme o ordenamento), permitindo assim o cabimento de agravo de instrumento contra o mérito da decisão. O que foi entregue é negativa de prestação jurisdicional.
Fato é que em poucas, porém contundentes palavras, o magistrado afirmou, essencialmente, algumas premissas equivocadas:
- não haveria perigo da demora apto a justificar a concessão da tutela de urgência, sob o argumento de que a medida impugnada já estaria em vigor há considerável lapso temporal;
- a suposta falta de urgência dispensaria a análise dos critérios de existência, validade e eficácia do ato administrativo e a verificação dos pressupostos clássicos do periculum in mora e do fumus boni iurispara a adoção de providências como o embargo;
- e última, mais caótica e contradizente, de que "não é lícito alegar em seu benefício conduta contrária a ato legítimo e conforme o ordenamento jurídico".
Quanto a este último ponto, emerge a contradição principal: ou se configurou a prescrição e o embargo não é legítimo e conforme o ordenamento; ou se configurou a prescrição e o embargo não deve ser cancelado, pelo argumento que o juiz melhor entender; ou não se configurou a prescrição, de fato. O que não se admite é sustentar, como fez o juiz, que uma medida cautelar prescrita permaneça legítima e conforme o ordenamento. Isso é negar o próprio direito nas fundamentações.
De fatos como esses que observamos como magistrados e suas assessorias enfrentam dificuldades na compreensão dos fundamentos e limites das medidas cautelares no Direito Administrativo Sancionador e Ambiental. Isso resulta no abandono da técnica jurídica adequada ou na tentativa de mascarar, mediante diversos subterfúgios, a verdadeira motivação que orienta seus posicionamentos. Por vezes acredito que há uma luta de classes interna, mas quero me negar a acreditar nisso.
Fato é que tem se tornado frequente o desvio metodológico na aplicação das normas especializadas, com decisões que se afastam dos critérios consolidados pela doutrina administrativa e pela legislação processualista, abusando-se de critérios extrajurídicos.
Em resposta a esse desvio metodológico, este texto se propõe a resgatar a técnica jurídica adequada na análise de questionamentos judiciais das medidas cautelares ambientais, esclarecendo os critérios objetivos que devem orientar a avaliação temporal em embargos duradouros, principalmente em sede de tutela de urgência.
O presente texto, portanto, responderá às seguintes perguntas:
- é o conceito e a natureza jurídica do embargo?
- são os requisitos para a aplicação e manutenção do embargo?
- é o perigo da demora que justifica a imposição administrativa do embargo?
- é o perigo da demora que justifica a análise de tutela de urgência do embargo?
Passemos à análise.
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