Cobrança de dívidas e redução da litigiosidade: O impacto do Tema 1.264 do STJ
O Tema 1.264 do STJ discute se a cobrança extrajudicial de dívidas prescritas fere direitos do consumidor, com impactos relevantes para o setor financeiro e jurídico.
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado em 5 de agosto de 2025 14:38
Introdução
Ao afetar o Tema repetitivo 1.264, em junho de 2024, o STJ instaurou relevante debate jurídico acerca da possibilidade de cobrança extrajudicial de dívidas já prescritas, especialmente por meio de plataformas de renegociação como a "Serasa Limpa Nome". A controvérsia gira em torno da compatibilidade dessa prática com o ordenamento jurídico, particularmente no que se refere à proteção dos direitos do consumidor e à observância da boa-fé objetiva nas relações contratuais.
A depender da tese que venha a ser fixada, estará em jogo a consolidação - ou eventual inviabilização - de uma das estratégias mais relevantes de recuperação de crédito utilizadas por instituições financeiras diante da impossibilidade de propositura de ações após o decurso do prazo prescricional. A dimensão da controvérsia é inegável: envolve milhões de contratos vencidos e não quitados, com repercussões diretas sobre o passivo contencioso, a interlocução com inadimplentes e as diretrizes de compliance no setor bancário.
Sob a ótica das instituições financeiras, a cobrança extrajudicial de dívidas prescritas representa instrumento legítimo de recuperação parcial de crédito, sem recorrer ao aparato judicial, permitindo a reestruturação de passivos de forma voluntária e desonerada. Contudo, essa prática tem sido questionada sob o argumento de que a exposição de dívidas "mortas" em canais digitais violaria a dignidade do consumidor, ensejando inclusive pretensões indenizatórias por danos morais.
Este artigo propõe uma análise crítica dos possíveis desdobramentos da tese a ser firmada pelo STJ no Tema 1.264, com foco nos impactos práticos para o setor financeiro. Serão examinados os fundamentos jurídicos da controvérsia, suas implicações operacionais e os riscos regulatórios envolvidos. Parte-se do pressuposto de que a previsibilidade contratual e a segurança jurídica devem ser compatibilizadas com a proteção ao consumidor, sem desconsiderar a função econômica do crédito e dos mecanismos extrajudiciais de composição.
Tese em discussão
É pacífico no ordenamento jurídico que a prescrição obsta a exigibilidade judicial da obrigação. Todavia, subsiste controvérsia quanto à possibilidade de o crédito continuar sendo objeto de propostas extrajudiciais de quitação ou renegociação, sem que isso configure ilicitude ou violação de direitos do devedor.
Essa discussão ganhou contornos práticos diante da proliferação de sistemas automatizados de cobrança e da disponibilização de dívidas em ambientes digitais. Parte dos consumidores alega que tais práticas configuram coação moral ou exposição indevida, especialmente quando se sentem pressionados a adimplir obrigações que, juridicamente, estariam fulminadas pela prescrição.
Diante da multiplicidade de entendimentos nas instâncias inferiores, o STJ afetou o REsp 2.101.268/SP à sistemática dos repetitivos, com a seguinte formulação da controvérsia:
"Definir se é possível a exigência extrajudicial de dívida prescrita, por meio de inclusão do devedor em plataformas de negociação de débitos como o 'Serasa Limpa Nome'."
Ainda pendente de julgamento, o tema já produz efeitos concretos, em razão da suspensão nacional dos processos que discutem a matéria. Caberá à Corte Especial definir se a cobrança extrajudicial, sem a propositura de ação, configura exercício legítimo da liberdade contratual ou se implica violação ao direito de não mais ser cobrado - especialmente quando realizada por meio de instrumentos digitais com elevado potencial persuasivo.
A decisão delimitará não apenas o alcance da prescrição como causa extintiva da pretensão, mas também os contornos da atuação extrajudicial dos credores no ambiente digital, com impactos estruturais sobre o mercado de crédito e as rotinas de governança e conformidade das instituições financeiras.
Repercussões práticas para as instituições financeiras
Sob a ótica da dogmática civil, a prescrição atinge a pretensão, mas não o direito em si, o que significa que a obrigação subsiste no plano patrimonial, ainda que inexigível judicialmente. Nessa perspectiva, permanece lícita a tentativa de composição extrajudicial, fundamentada na boa-fé objetiva e na autonomia privada.
Esse entendimento tem justificado a inclusão de dívidas prescritas em plataformas de renegociação, mediante propostas claras, não coercitivas e desvinculadas de qualquer negativação. Trata-se de práticas conduzidas com transparência, cujo objetivo é viabilizar a recuperação de crédito por meio da adesão espontânea do devedor.
Para o setor financeiro, essa possibilidade cumpre papel relevante na gestão de ativos inadimplidos (non-performing loans), na redução de perdas contábeis e na eficiência da cobrança. Plataformas como a Serasa Limpa Nome operam, nesse contexto, como canais legítimos de reestruturação patrimonial, oferecendo soluções acessíveis ao consumidor inadimplente.
Caso, contudo, a tese firmada pelo STJ venha a qualificar essa prática como abusiva - por configurar coação moral ou afronta à dignidade do devedor - os efeitos para as instituições financeiras serão significativos, incluindo:
- Aumento do risco regulatório e contencioso, com crescimento potencial de ações indenizatórias por suposto constrangimento;
- Revisão de rotinas e fluxos automatizados de cobrança extrajudicial, sobretudo em ambientes digitais;
- Restrição à liberdade negocial quanto a créditos cuja origem é incontroversa, mas atingidos pela prescrição;
- Insegurança jurídica na correlação entre tempo e extinção da obrigação, afetando a precificação do crédito e a estruturação de carteiras inadimplidas;
- Impactos sobre o mercado secundário de cessão de NPLs - non-performing loans, com limitações à interlocução com devedores.
Do ponto de vista econômico, a vedação à cobrança extrajudicial de dívidas prescritas desestimularia a recuperação voluntária do crédito, ampliaria as perdas definitivas e comprometeria a capacidade das instituições de mitigar os efeitos da inadimplência.
Em síntese, o julgamento do Tema 1.264 transcende a análise da prescrição em si, alcançando aspectos operacionais da atividade bancária e os mecanismos digitais de renegociação em larga escala.
Rumo a uma cobrança transparente e sustentável
A definição do Tema 1.264 pelo STJ marcará um divisor de águas na delimitação dos limites entre a cobrança legítima e o eventual abuso na exposição de dívidas prescritas. Em um cenário financeiro pautado por dados, automação e soluções extrajudiciais, a resposta do Judiciário impactará diretamente a sustentabilidade do crédito, a governança corporativa e a confiança nas relações contratuais.
Como visto, não há vedação legal expressa à cobrança extrajudicial de dívidas prescritas. A própria doutrina civil reconhece as obrigações naturais como válidas no plano ético-patrimonial, permitindo o adimplemento voluntário pelo devedor. Todavia, práticas que induzam, omitam ou utilizem linguagem sugestiva podem deslocar a cobrança da legalidade para o campo do ilícito civil.
Diante disso, recomenda-se que as instituições financeiras adotem, desde já, políticas preventivas e juridicamente sustentáveis, alicerçadas nos seguintes eixos:
1. Transparência e informação
- Esclarecimento inequívoco de que a dívida está prescrita;
- Indicação de que a renegociação é facultativa e não implicará em novas restrições;
- Evitar o uso de termos alarmistas, como "evite problemas" ou "última chance".
2. Governança digital e conformidade
- Revisão de algoritmos e fluxos automatizados em plataformas de terceiros;
- Estabelecimento de critérios objetivos para abordagem de dívidas prescritas;
- Monitoramento de interações digitais com foco em condutas involuntariamente abusivas.
3. Preparação para o cenário pós-julgamento
- Adequação de políticas internas conforme a tese que vier a ser fixada;
- Treinamento das equipes jurídicas e operacionais quanto aos novos parâmetros legais;
- Inserção de cláusulas contratuais com empresas parceiras que assegurem aderência às diretrizes normativas e jurisprudenciais.
O julgamento do Tema 1.264 não tratará apenas da prescrição. Envolverá, sobretudo, a legitimidade dos mecanismos de recuperação de crédito e os limites éticos da persuasão digital. O verdadeiro desafio será compatibilizar o direito ao esquecimento do devedor com o esforço legítimo das instituições financeiras de recompor créditos inadimplidos - elemento essencial à vitalidade do sistema econômico.
Mais do que uma definição judicial, a evolução desse tema exigirá maturidade institucional, compromisso com boas práticas e respeito aos princípios fundamentais do Direito Civil e do Direito do Consumidor.
Anibal Pereira da Silva Junior
Analista Jurídico Cível Júnior no Parada Advogados, atuando na condução de audiências. Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia Nacional, com expertise em Direito Bancário.
Monique Roskoi Mazetti
Advogada no Parada Advogados, especialista em Processo Civil e do Trabalho, com atuação estratégica em Direito Bancário e forte experiência em audiências.



