MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Litigância predatória: Um desafio jurídico estratégico para grandes empresas

Litigância predatória: Um desafio jurídico estratégico para grandes empresas

Como o jurídico empresarial pode identificar e combater abusos no uso do Poder Judiciário.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Atualizado em 6 de agosto de 2025 14:23

Nos últimos anos, o Poder Judiciário brasileiro tem assistido ao crescimento de uma prática que afeta diretamente grandes empresas, especialmente aquelas que atuam em setores altamente expostos ao consumidor, como telefonia, serviços bancários e instituições financeiras: a advocacia predatória.

Essa prática consiste no ajuizamento massivo e padronizado de ações judiciais, sem a devida análise individualizada dos casos e, muitas vezes, sem o real conhecimento ou anuência do suposto autor da demanda. O objetivo? Forçar acordos rápidos e vantajosos, com base em um uso estratégico - e distorcido - da máquina judiciária.

Empresas que atuam em setores de alta exposição ao consumidor - como telefonia, bancos, varejo e instituições financeiras - têm sido os principais alvos. A consequência é uma sobrecarga institucional que afeta não apenas os departamentos jurídicos, mas o próprio funcionamento da Justiça e a percepção social de sua legitimidade.

O tema tem sido tão relevante para o Poder Judiciário que o CNJ tem lhe dedicado atenção especial: seja pela criação de normativos dedicados ao combate da prática - recomendação 159/24, por exemplo - como também pela criação de um painel eletrônico que contempla informações e dados visando à facilitação da interlocução entre os diversos Tribunais brasileiros e o intercâmbio de boas práticas processuais para a prevenção e enfrentamento da litigiosidade abusiva.

Segundo um levantamento feito pela Rede de Inteligência do CNJ, com dados de Tribunais de Justiça de 20 unidades da Federação, os custos dos processos irregulares podem chegar 25 bilhões de reais por ano aos cofres públicos. O TJ/SP identificou cerca de 337 mil novos tipos de processos deste tipo a cada ano com prejuízo anual da ordem de R$ 2,7 bilhões à Justiça Paulista.

Portanto, o tema tem não apenas relevância jurídica, mas principalmente econômica.

Mas o que caracteriza a advocacia predatória?

De acordo com o entendimento consolidado pelo STJ (Tema 1.198 - REsp 2.021.665/MS), não basta a multiplicidade de ações para que se reconheça a advocacia predatória. É necessário um conjunto de indícios para caracterizá-la, entre os quais se destacam:

  • Petições iniciais padronizadas e genéricas, que não individualizam o caso concreto;
  • Advogados domiciliados em local diverso dos autores;
  • Dispensa sistemática da audiência de conciliação;
  • Procurações sem firma reconhecida ou mesmo inexistentes;
  • Ausência de documentos probatórios;
  • Perfis de clientes vulneráveis (idosos, analfabetos e pessoas economicamente hipossuficientes).

Impactos profundos: empresas sob pressão e consumidores expostos

Empresas que se tornam alvo de litigância predatória enfrentam desafios que extrapolam o âmbito jurídico. O custo operacional é um dos impactos mais imediatos e contundentes pela necessidade de apresentação de defesa/condução de centenas (ou milhares) de ações repetitivas e frágeis.

Mesmo que padronizadas, as respostas a essas ações exigem acompanhamento, audiências, contestações e interação com diferentes Órgãos judiciais. Em uma perspectiva macro, isso significa redirecionar recursos que poderiam ser aplicados em inovação, atendimento ao cliente ou melhoria de serviços para a mera manutenção da ordem processual.

Além disso, o risco reputacional se agrava na medida em que essas ações ganham visibilidade nas redes sociais, plataformas de reclamação como ReclameAqui e Procon, ou mesmo na imprensa.

A narrativa que chega ao consumidor, muitas vezes, não distingue a ação abusiva da ação legítima, e, em uma sociedade midiatizada, a imagem da empresa pode ser arranhada com facilidade, ainda que os fatos não se sustentem judicialmente.

O perigo é que, por pressão de reputação, empresas optem por acordos em massa, mesmo sem análise criteriosa, o que retroalimenta o ciclo da litigância predatória.

A insegurança jurídica também se apresenta como um obstáculo crítico. Em cenários de alta judicialização abusiva, a previsão de riscos e contingências se torna difícil.

Como mensurar, com razoável grau de certeza, os impactos financeiros de processos que não seguem um padrão legítimo? Como estruturar um compliance jurídico se a empresa precisa lidar com incertezas processuais alimentadas por terceiros? Os efeitos se traduzem diretamente nos balanços e no provisionamento de despesas, impactando a relação com investidores, auditorias e até mesmo a governança corporativa.

Como o departamento jurídico pode reagir e se precaver neste cenário?

Há fundamentos jurídicos robustos para a construção de defesas técnicas e estratégicas que visam demonstrar a má-fé processual e a violação da boa-fé objetiva - princípios estruturantes do sistema processual brasileiro.

Nesses casos, é recomendável que a defesa da empresa destaque:

  1. A caracterização jurídica da advocacia predatória;
  2. A análise do perfil do suposto autor;
  3. A ausência de documentos essenciais para o ajuizamento da ação e elementos que demonstrem tratar-se de um caso real e efetivo e não apenas de uma petição e pedido no formato padronizado sem amparo no caso concreto;
  4. O uso abusivo e temerário do direito de ação;
  5. A jurisprudência consolidada que respalda a extinção do feito e a responsabilização dos envolvidos, inclusive com pedidos de ofícios à OAB para investigação da conduta do procurador.

Além disso, é possível requerer ao juízo a aplicação de medidas cautelares, como a exigência de procuração com firma reconhecida e a emenda da petição inicial - prática já adotada por diversos Tribunais Estaduais como os de São Paulo, Distrito Federal e Bahia.

Embora a medida implique em custos operacionais vale ainda requerer a realização de audiências de conciliação ou instrução e julgamento com a oitiva da parte. No caso de não comparecimento ou de apresentação de justificativas furtivas para a ausência, a adoção das medidas cautelares já mencionadas, tornam-se ainda mais justificáveis pelo juiz do caso.

Defesas estruturadas, além de conter os abusos, também demonstram o comprometimento ético da empresa com o bom uso da Justiça.

E no plano legislativo? O que falta?

Apesar de avanços institucionais importantes - como a recomendação 159/24 do CNJ e decisões paradigmáticas do STJ -, o enfrentamento à litigância predatória ainda carece de instrumentos normativos estruturados.

O ordenamento jurídico brasileiro se apoia hoje em interpretações principiológicas e diretrizes administrativas, que embora relevantes, não oferecem uma base legal sólida, estável e suficientemente clara para a repressão coordenada desse fenômeno. E, a atual lacuna normativa torna o combate à litigância predatória reativo, fragmentado e muitas vezes ineficaz.

O CPC, por exemplo, trata da litigância de má-fé nos arts. 79 a 81, mas o faz de forma genérica e individualizada, sem contemplar a nova configuração dessa prática - que hoje assume traços organizados, massificados e tecnológicos, mais próximos de uma indústria do que de desvios pontuais de conduta.

 O juiz, por sua vez, ainda que identifique indícios de padronização fraudulenta ou de má-fé sistemática, precisa seguir o trâmite ordinário, sem poder adotar medidas mais assertivas ou processualmente mais econômicas.

No mesmo sentido, o CDC, embora proteja o hipossuficiente e busque o equilíbrio nas relações de consumo, ainda não prevê mecanismos que protejam o próprio consumidor contra a judicialização indevida em seu nome - um paradoxo ético e jurídico.

Hoje, por exemplo, idosos, analfabetos ou pessoas em situação de vulnerabilidade seguem expostos ao uso fraudulento de sua identidade em ações predatórias, sem um arcabouço legal que responsabilize de forma eficaz os agentes dessa distorção.

Nesse contexto, uma reforma normativa com três eixos centrais poderia auxiliar o tratamento efetivo de tema "caro" para o País.

  1. Normas legais:

Inserção de dispositivo legal, exemplo, que proíba expressamente a judicialização sem prévia tentativa de solução administrativa documentada, especialmente quando envolver direitos disponíveis.

Essa regra reforçaria o princípio da boa-fé objetiva, já previsto no CDC, e funcionaria como filtro para ações baseadas em má-fé contratual.

Também se poderia prever penalidades para quem, em nome do consumidor, promover demandas infundadas sem sua ciência ou anuência, com responsabilização solidária do profissional e do escritório envolvidos.

  1. Revisão do CPC com foco em litigância predatória sistêmica:

Outra reflexão, seria uma proposta de criação de um artigo específico que conceitue litigância predatória como forma autônoma e qualificada de má-fé processual, com critérios objetivos como:

  • Volume desproporcional de ações com mesmo teor;
  • Ausência de documentos obrigatórios mínimos (faturas, notificações prévias, prova de relação jurídica);
  • Reincidência de mesmos procuradores ou escritórios com padrão de atuação similar;
  • Indícios de ausência de ciência ou consentimento dos autores. A redação poderia prever, ainda, a possibilidade de suspensão em lote de processos com características comuns até análise judicial mais aprofundada, protegendo a empresa contra o risco de multiplicação artificial de litígios.

3. Outra ideia seria a criação de um Sistema Nacional de Monitoramento da Judicialização Fraudulenta e, a exemplo do que ocorre com o BacenJud ou o Infojud, esse sistema seria alimentado por dados dos tribunais estaduais e federais, permitindo identificar clusters suspeitos de judicialização, escritórios com atuação massiva e padrão idêntico, e ações com desfechos anômalos.

A governança do sistema poderia ser compartilhada entre CNJ, OAB e Ministério da Justiça, com acesso facilitado a empresas reguladas e entidades de defesa do consumidor cadastradas.

Apesar da urgência, não há até o momento projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que enfrentem diretamente a litigância predatória como fenômeno jurídico autônomo e a ausência de proposições legislativas sobre o tema pode ser atribuída à complexidade do assunto, ao medo de restringir o acesso à Justiça e à dificuldade de harmonizar os interesses de consumidores, empresas e advogados.

No entanto, cabe ao legislador romper esse silêncio normativo. É possível - e necessário - regular a litigância predatória sem inviabilizar o direito de ação. O que se busca não é restringir o acesso à Justiça, mas impedir que ele seja capturado e distorcido por interesses que utilizam o Judiciário como instrumento de pressão econômica indevida.

É preciso, em suma, fazer do Direito Processual um instrumento de equilíbrio, e não de abuso. E isso passa, necessariamente, pela coragem legislativa de enfrentar a litigância predatória como o problema coletivo, estratégico e estrutural que ela é.

Conclusão: uma via de mão dupla que exige responsáveis conscientes

A litigância predatória é um problema complexo que desafia a inteligência das empresas, a consciência dos consumidores e a competência regulatória do Estado. Combater essa prática exige firmeza, mas também sensibilidade, pois não se trata de limitar o acesso à Justiça, mas de assegurar que esse acesso não seja desvirtuado para interesses escusos.

Mais do que prestadores de serviços jurídicos, escritórios e departamentos jurídicos devem se posicionar como parceiros da integridade institucional. Da mesma forma, é preciso proteger o consumidor do uso indevido de sua identidade, promovendo educação jurídica e fomento ao uso consciente do Judiciário.

Por fim, a urgência legislativa é clara: sem uma regulamentação precisa, seguimos enfrentando um problema com soluções pontuais. Cabe ao legislador, ao Judiciário e à sociedade civil pensar e propor caminhos que preservem o equilíbrio entre o direito de acesso à Justiça e a boa-fé processual.

Inovação jurídica como aliada estratégica

O enfrentamento da litigância predatória demanda mais do que conhecimento jurídico tradicional: exige o uso de ferramentas inovadoras, capazes de antecipar padrões de judicialização, organizar fluxos de resposta e racionalizar recursos internos.

Nesse contexto, a aplicação de tecnologia jurídica (legal analytics) e a adoção de modelos automatizados de triagem processual têm se aliados indispensáveis no enfrentamento da litigância predatória.

A integração de ferramentas como inteligência artificial, análise de dados e automação documental transforma a atuação jurídica tradicional, permitindo respostas mais ágeis, assertivas e alinhadas à complexidade do cenário atual, pois mais do que defender, é possível antecipar padrões, prevenir abusos e apoiar a tomada de decisão com base em evidências concretas.

Trata-se de um novo paradigma, que reposiciona o papel do jurídico como núcleo estratégico na proteção da integridade institucional.

Nosso posicionamento: parceria com foco em resultado

Mais do que prestadores de serviços jurídicos, posicionamo-nos como parceiros de negócios dos nossos clientes. Nossa atuação combina profundidade técnica, visão de negócio e compromisso com a eficiência operacional e a reputação institucional das empresas que assessoramos.

Acreditamos que o combate à litigância predatória deve ser conduzido com firmeza, inteligência e estratégia - sempre com foco em proteger o capital, os dados e o tempo da empresa. Nossos clientes contam com uma equipe experiente, atualizada com as diretrizes do CNJ e as jurisprudências mais recentes, e comprometida com a entrega de resultados concretos.

Nesse contexto, adotamos uma postura estratégica e responsável diante da litigância predatória. Estamos atentos aos movimentos do Judiciário, acompanhamos dados e jurisprudência e nos dedicamos à análise individual de cada caso, mesmo em cenários de alta repetitividade.

Combinamos profundidade técnica com sensibilidade institucional para buscar soluções que preservem não apenas os direitos da empresa, mas também sua reputação e seu tempo.

Atuamos com firmeza e precisão, sem abrir mão da eficiência, integrando dados e inteligência jurídica para construir respostas consistentes e alinhadas às boas práticas processuais.

Em um cenário cada vez mais complexo, é essa combinação de visão estratégica e atenção ao detalhe que nos permite ir além da simples defesa - e atuar de forma integrada na proteção da integridade e da sustentabilidade do negócio.

Conclusão

A litigância predatória não é apenas um desvio do direito de ação - é uma distorção que compromete o equilíbrio do sistema de Justiça, sobrecarrega empresas, fragiliza o consumidor e impõe custos silenciosos ao próprio Estado.

Enfrentar essa realidade exige mais do que reação, é necessário compreender o fenômeno como um desafio jurídico sistêmico e estrutural, que demanda atuação coordenada entre Judiciário, advocacia, empresas, Órgãos de controle e sociedade civil.

O avanço legislativo também se impõe como etapa necessária. Sem marcos normativos específicos, seguimos enfrentando sintomas de um problema cuja raiz segue intocada.

Neste cenário, é fundamental que o jurídico atue de forma estratégica, ética e vigilante. E, mais do que isso, que esteja preparado para colaborar na construção de soluções que tornem o sistema mais justo, equilibrado e confiável.

Litigância predatória se enfrenta com firmeza, mas também com inteligência. Com técnica, mas também com propósito, porque no fim, o que está em jogo não são apenas processos - mas a confiança no Direito como instrumento legítimo de equilíbrio social.

Temos nos dedicado continuamente ao estudo e enfrentamento da litigância predatória, colaborando com equipes jurídicas na formulação de estratégias mais seguras, preventivas e eficientes, pois o trabalho integrado, orientado por dados e atento às nuances de cada caso, tem se mostrado essencial para conter impactos e fortalecer a resposta institucional diante de práticas abusivas.

Paola Karina Ladeira

Paola Karina Ladeira

Sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados responsável pelo depto. de Direito Contencioso Cível e resolução de conflitos, e advogada dessa banca com atuação na mesma área.

Rhuana Rodrigues César

Rhuana Rodrigues César

Sócia do Chenut.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca