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A exclusão de crianças com TEA - Transtorno do Espectro Autista no ambiente escolar: Aspectos legais e responsabilidades das instituições de ensino

A suspensão e a exclusão de alunos com TEA - Transtorno do Espectro Autista configuram discriminação vedada pela legislação brasileira, impondo às escolas deveres inequívocos de inclusão e adaptação.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Atualizado em 13 de agosto de 2025 14:27

O Brasil dispõe de um sólido arcabouço normativo destinado a assegurar a inclusão escolar de crianças com deficiência, abrangendo, entre outras condições, o TEA - Transtorno do Espectro Autista. A CF/88, ao estabelecer a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, impõe a igualdade de acesso e permanência na escola (art. 205) e prevê o atendimento educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208, III), assegurando que a inclusão seja a regra, e não a exceção.

A lei 13.146/15, denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência ou LBI - Lei Brasileira de Inclusão, reforça esse comando ao instituir um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e ao vedar toda forma de discriminação por motivo de deficiência. Determina, ainda, que é a instituição de ensino - e não o aluno - que deve promover as adaptações necessárias, providenciar recursos de acessibilidade e garantir apoio especializado, sem qualquer ônus adicional à família. O art. 27, § 1º, da LBI é inequívoco ao dispor que é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, "sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades".

Especificamente quanto ao TEA, a lei 12.764/12 - conhecida como lei Berenice Piana - reconhece formalmente a pessoa com essa condição como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais e, em seu art. 7º, veda expressamente a exclusão desses alunos das escolas regulares, públicas ou privadas, em razão de sua condição. O mesmo diploma legal proíbe a recusa de matrícula e a cobrança de valores adicionais para custear adaptações ou profissionais de apoio. O parágrafo único do art. 3º prevê, ainda, que, comprovada a necessidade, a criança com TEA tem direito a acompanhante especializado ou mediador escolar durante as atividades, sem custo para a família.

No campo penal, o art. 8º, I, da lei 7.853/1989, com a redação dada pela LBI, tipifica como crime, punível com reclusão de dois a cinco anos e multa, "recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar a inscrição de aluno" por motivo de deficiência. Isso significa que a suspensão ou exclusão de uma criança com TEA, quando vinculada à sua condição, é conduta criminalmente relevante.

A jurisprudência pátria vem reafirmando a gravidade dessas práticas. O STJ, em 2023, manteve a condenação de escolas particulares por recusa de alunos com deficiência e cobrança indevida de valores extras, reconhecendo a natureza discriminatória de tais atos. O TJ/SC, por sua vez, confirmou a condenação de um município ao pagamento de indenização por danos morais a uma criança com TEA que sofreu reiteradas condutas de exclusão, como a recomendação para que não comparecesse a eventos escolares e a sugestão de transferência - medidas que o Judiciário qualificou como frontal violação do dever de inclusão.

A exclusão de crianças com TEA de atividades escolares, sob pretexto de que "atrapalhariam" ou "não se adaptariam", fere o núcleo essencial do direito à convivência comunitária e à igualdade de oportunidades. Trata-se de discriminação indireta, por vezes disfarçada de decisão pedagógica, mas que, na realidade, afasta o estudante do convívio e do aprendizado, privando-o de experiências fundamentais ao seu desenvolvimento social e emocional.

O dever das instituições de ensino não se restringe a evitar práticas discriminatórias explícitas. A legislação exige atuação positiva: planejar adaptações, implementar estratégias pedagógicas individualizadas e oferecer suporte técnico e humano capaz de garantir a participação plena da criança com TEA. Isso inclui a elaboração de um PEI - Plano Educacional Individualizado, construído em conjunto com a família e profissionais especializados, no qual se estabeleçam as adaptações de conteúdo, métodos e avaliações adequadas ao perfil e às necessidades do estudante.

A responsabilidade da escola é também ética. Afastar uma criança com TEA por comportamentos que decorrem de sua condição, sem previamente adotar medidas de apoio e mediação, é negar-lhe não apenas um direito legal, mas a própria dignidade humana. O espaço escolar deve ser um local de acolhimento e desenvolvimento integral, e não de exclusão. As condutas de segregação, ainda que pontuais, deixam marcas duradouras na autoestima e na trajetória educacional da criança.

Cumprir a lei, nesse contexto, não constitui mera formalidade burocrática ou concessão graciosa às famílias: é obrigação jurídica inderrogável. A matrícula, a frequência, a participação em todas as atividades e a disponibilização dos recursos necessários devem ser garantidas de forma plena. Em caso de descumprimento, a atuação dos órgãos de controle, como Ministério Público e Defensorias Públicas, encontra amplo respaldo legal para responsabilizar civil, administrativa e criminalmente a instituição infratora.

Em um cenário de direitos consolidados, o que se impõe é a efetividade. A inclusão de crianças com TEA não é um ato de benevolência, mas de justiça e cumprimento da lei. É a demonstração de que a escola compreende seu papel como formadora de cidadãos em uma sociedade plural, que reconhece e valoriza as diferenças. A omissão ou a resistência à inclusão, ao contrário, representa retrocesso inadmissível e afronta direta ao ordenamento jurídico vigente.

Não há mais espaço para preconceito ou segregação no ambiente escolar. Que cada instituição compreenda que a verdadeira educação se constrói no encontro entre as diferenças, na garantia da igualdade de oportunidades e no respeito incondicional à dignidade da pessoa humana. Incluir é cumprir a lei; é também cumprir a função social da educação.

Mário Goulart Maia

Mário Goulart Maia

Sócio do Kohl & Maia Advogados.

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