Renúncia à herança não blinda dívidas: Quando é ineficaz
Renúncia à herança é ato formal e, em certos cenários, ineficaz perante credores. Entenda quando cai como fraude à execução, diferenças para cessão de direitos e como planejar com segurança.
segunda-feira, 25 de agosto de 2025
Atualizado às 11:04
"Renunciar" à herança nunca foi sinônimo de blindagem. Trata-se de ato jurídico formal, com forma rígida e consequências específicas. Feita no momento processual errado ou com finalidade de frustrar credores, a renúncia não protege: torna-se ineficaz perante a execução, permitindo que o quinhão seja alcançado até o limite do débito. A seguir, um guia técnico - com a distinção entre renúncia e cessão, o alcance do art. 792, IV, do CPC e do art. 1.813 do CC.
Conceito, forma e (ir)revogabilidade
- O que é: Declaração do herdeiro de que não quer receber sua quota hereditária.
- Forma: Escritura pública ou termo judicial (CC, art. 1.806).
- Integralidade: Recai sobre o quinhão, não sobre "bens escolhidos".
- Definitividade: Como regra, é irrevogável; só cede por vício de vontade, simulação (CC, art. 167) ou ineficácia frente a credores (não anula o ato, apenas o torna inoponível ao crédito).
Duas operações distintas (e frequentemente confundidas)
- Renúncia abdicativa: O herdeiro repudia a herança; a quota retorna ao monte e se reparte entre os demais (CC, art. 1.807).
- "Renunciar em favor de alguém": Isso não é renúncia; é cessão de direitos hereditários (gratuita ou onerosa), por escritura pública (CC, art. 1.793), com efeitos e tributação próprios.
- Confundir as figuras fragiliza o planejamento e facilita a atuação do credor.
Ineficácia perante credores: Quando a renúncia "cai"
- Fraude à execução (CPC, art. 792, IV): Há ineficácia quando, já existindo ação capaz de levar o devedor à insolvência, o herdeiro pratica ato de disposição (inclusive renúncia) para frustrar a execução.
- Efeito prático: A renúncia não vale contra o credor; o quinhão pode ser penhorado até o montante da dívida.
- Aceitação pelos credores (CC, art. 1.813): Mesmo que o herdeiro repudie, o credor pode aceitar a herança em seu nome, limitadamente ao crédito - proteção expressa da função social do crédito.
Caso prático TRT-MG e a renúncia ineficaz
Fatos essenciais. Após ser incluído em execução trabalhista, um devedor renunciou, por escritura pública, à sua parte na herança materna, em favor da irmã. A 5ª turma do TRT da 3ª região reconheceu, por unanimidade, a fraude à execução: a renúncia buscou privar o credor de patrimônio passível de satisfação.
Resultado. Mantida a possibilidade de penhora dos bens herdados até o valor da dívida e apenas no limite do quinhão do executado; quitado o crédito, o saldo remanescente permanece com a irmã.
Lição. O Tribunal destacou que a discussão não é sobre a "legalidade abstrata" da renúncia, mas sobre sua ineficácia perante o credor quando usada para frustrar a execução já em curso.
(Síntese redacional do acórdão: 5ª turma TRT-MG; execução trabalhista; renúncia após inclusão do devedor na execução; ineficácia da renúncia frente ao credor; penhora limitada ao quinhão e ao valor do débito.)
Tabela prática - Renúncia x cessão x ineficácia
|
Tema |
Renúncia abdicativa |
Cessão de direitos hereditários |
Ineficácia perante credores |
|---|---|---|---|
|
Natureza |
Ato unilateral do herdeiro |
Negócio jurídico com destinatário |
Sanção de inoponibilidade |
|
Forma |
Escritura/termo judicial (CC 1.806) |
Escritura pública (CC 1.793) |
Reconhecimento judicial (CPC 792, IV) |
|
Efeito |
Quota retorna ao monte |
Transfere a posição hereditária |
Permite penhora do quinhão |
|
Tributação |
Em regra, não |
Pode haver ITCMD/ganho de capital |
- |
|
Quando "cai" |
Vício/simulação |
Vício/simulação |
Execução/insolvência preexistente |
Checklist de conformidade (o que resiste no contencioso)
- Due diligence de passivos: Certidões, processos e risco de insolvência antes de propor renúncia/cessão.
- Escolha técnica: Abdicativa (política familiar) x cessão (negócio com destinatário e efeitos fiscais).
- Temporalidade: Evitar atos após o ajuizamento/inclusão em execução relevante.
- Coerência do plano: Integrar com inventário, doações, quotas/holding e cláusulas restritivas; ato isolado soa "maquiagem".
- Lastro probatório: Motive a decisão (finalidade lícita), documente a boa-fé e a ausência de prejuízo a credores.
Conclusão: Técnica, timing e finalidade lícita
A renúncia à herança é ferramenta legítima - quando técnica, tempestiva e inserida em planejamento real. Usada como "atalho" para escapar de execução, não blinda: cai por ineficácia, permite penhora do quinhão e ainda expõe as partes a litígios desnecessários. O precedente do TRT-MG reforça uma linha já consolidada: o Direito Sucessório conversa com o Direito Processual e com a tutela do crédito. Planejar é prevenir conflito, não provocá-lo.



