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Licença-paternidade x licença-parental: Quem se interessa?

A sociedade valoriza pouco o papel do pai, o que se reflete em licenças-paternidade curtas. Empresas e leis ainda tratam o homem como provedor, não cuidador.

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Atualizado em 22 de agosto de 2025 14:52

Dia dos Pais.

Qual importância que a sociedade dá ao papel do pai?

E como isso reflete na legislação e nas empresas?

Segundo reportagem do Hospital Pequeno Príncipe1, a presença ativa do pai nos primeiros anos é vital para o crescimento saudável da criança. Isso ajuda no bem-estar e fortalece relações familiares. Pais participativos ajudam bebês a desenvolver habilidades sociais, melhor desempenho cognitivo e menos problemas emocionais. O envolvimento do pai também diminui o estresse infantil, dando segurança para explorar o mundo.

Mas um estudo da OIT2 mostra que, atualmente, há uma diferença de cinco meses entre a licença parental remunerada para mães (24,7 semanas) e pais (2,2 semanas). As grandes disparidades resultam frequentemente do não reconhecimento dos direitos dos pais à licença de paternidade. Além disso, essa situação impacta também no desenvolvimento profissional e social da mulher, uma vez que reforça os papéis tradicionais de gênero. O estudo sugere que as licenças não sejam transferíveis entre mães e pais.

No estudo da OIT, o Brasil está entre os países com uma diferença de três e seis meses entre a licença maternidade e paternidade. Hoje, por lei, a licença-maternidade e é de 120 dias, podendo chegar a 180 dias para empresas aderentes ao programa de empresa cidadã, e de 5 dias para os pais, chegando a 20 dias no mesmo sistema.

Portanto, uma diferença de até 6 meses ou, na melhor das hipóteses, de 5 meses e 10 dias.

Mas, ao se verificar a extensão da licença-paternidade no nosso país, há um requisito que chama a atenção:

lei 11.770/08, com alteração da lei 13.257/16: Art. 2º: II - será garantida ao empregado da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que o empregado a requeira no prazo de 2 (dois) dias úteis após o parto e comprove participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável. 

Regra que consta do decreto 10.854/21 que regulamenta a lei:

II - será garantida ao empregado da pessoa jurídica que aderir ao Programa Empresa Cidadã, desde que o empregado a requeira no prazo de dois dias úteis após o parto e comprove a participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável.

Ou seja, pai precisa "aprender" a ser pai para ter mais 15 dias de licença.

Se isso não é prova de uma sociedade que não enxerga a importância da figura paterna, e crê que o homem não tem capacidade de saber a importância de seu papel, o que seria?

Então, não basta a diferença de tempo, há um "requisito" a mais no Brasil para a extensão da licença.

Algumas empresas, tentando sair à frente, têm políticas internas, com alguma extensão maior ou mesmo mantendo os 20 dias, como mostra uma reportagem da revista Exame1.

Nela, vemos diferentes experiências:

  • A Rhodia, uma empresa química e têxtil de longa data pertencente à Solvay, oferece licença parental prolongada de 16 semanas para todos os funcionários, independentemente do gênero ou orientação sexual, implementada globalmente desde janeiro de 2021.
  • A GEQ, associada ao programa Empresa Cidadã, oferece até 180 dias para novas mães e 20 dias para pais.
  • O CCEE também ampliou a licença parental para 180 dias para cuidadores primários e 20 dias para cuidadores secundários, enfatizando a flexibilidade e o apoio a famílias diversas.
  • A Gerdau apoia a licença parental e oferece treinamento sobre temas relacionados à parentalidade.
  • O Will Bank oferece 180 dias de licença parental para todos os funcionários, e
  • A Fundação Dom Cabral amplia a licença-paternidade para 40 dias e a licença-maternidade para 180 dias para diversos tipos de família.

Percebemos que algumas são mais tímidas em termos de dias de licença, mas já trazem o tema para discussão.

Em 2023, uma reportagem da Forbes mostrou exemplos de licenças estendidas, inclusive, a do Boticário:1.

"Empresas como Grupo Boticário e Nubank igualaram as licenças remuneradas para homens e mulheres. Na primeira, o benefício é de 120 dias e obrigatório, e as mães ainda podem estender por mais 60 dias. Já o Nubank oferece um benefício global de 120 dias, ou quatro meses, para todos os funcionários. No Brasil, a empresa já garantia 180 dias de licença-maternidade, o que não mudou"

No site do Boticário você pode encontrar alguns depoimentos interessantes2. O que eu mais gosto é ser obrigatório.

Há um projeto de lei que tramita desde 2008 (!!) sem andamento até poucos dias atrás. O PL prevê uma licença-paternidade de 20 dias com uma estabilidade de 30 dias no retorno ao emprego3.

Há manifestação da CNI contra essa extensão, os argumentos são os de desafios para pequenas e microempresas. Eu me pergunto: a licença-maternidade, não? Ou nesse caso essas empresas, para não correr o risco, deveriam não contratar mulheres4?

Essa visão e essa dificuldade em haver licenças parentais mostram um pano de fundo de uma sociedade que ainda vê o homem como provedor e a mulher como maternal.

O estudo da OIT mostra que mesmo nos países em que há a licença parental compartilhada, as mulheres tiram a maior parte delas.

As políticas de licença parental variam muito entre os países, afetando a igualdade de gênero nos cuidados aos filhos. Em alguns países de alta renda, tanto as mães quanto os pais têm direito a licenças longas, mas a maior parte desse tempo ainda é usada pelas mães, criando uma diferença significativa entre os gêneros. Na Finlândia e na Eslováquia, embora os direitos à licença sejam relativamente generosos, as mães geralmente tiram a maior parte da licença5.

No Brasil, não encontrei estatísticas de quantos pais tiram a licença estendida.

Assim, por ora, temos o que temos.

Cabe às empresas, como algumas já o fizeram, fomentar a mudança de cultura e aumentar a licença-paternidade, além de, quem sabe, trazer a licença parental maior, permitindo que o pai assuma seu papel na família como cuidador e não só provedor.

A mudança cultural não está em dar a licença, mas em fazer com que o ambiente propicie segurança para licença maternidade e paternidade estendidas. Para que pais e mães nas diferentes formas de família não se sintam  amedrontados de cuidar de seus filhos e perderem o emprego.

Isso teria um custo? Sim.

Inclusive, se a licença-paternidade for reconhecida como um benefício previdenciário haverá custos para o INSS e para empresas.

Vale o investimento?

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1 https://pequenoprincipe.org.br/noticia/figura-paterna/#:~:text=A%20presen%C3%A7a%20ativa%20do%20pai,promover%20rela%C3%A7%C3%B5es%20familiares%20mais%20saud%C3%A1veis.

2 OIT https://www.ilo.org/publications/closing-gender-gap-paid-parental-leaves-better-parental-leaves-more-caring  (reportagem em português : https://www.ilo.org/pt-pt/resource/news/nova-nota-informativa-da-oit-destaca-disparidade-global-de-genero-de-cinco)

3 OIT https://www.ilo.org/publications/closing-gender-gap-paid-parental-leaves-better-parental-leaves-more-caring

4 https://exame.com/bussola/licenca-paternidade-ampliada-ja-e-oferecida-como-diferencial-em-empresas-brasileiras/

5 https://forbes.com.br/carreira/2023/08/licenca-paternidade-pais-contam-suas-experiencias/#:~:text=Empresas%20como%20Grupo%20Botic%C3%A1rio%20e,uma%20pesquisa%20da%20consultoria%20McKinsey.

6 https://www.grupoboticario.com.br/licenca-parental-universal/

7 https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9qx2vp2l7no

8 https://static.portaldaindustria.com.br/media/filer_public/0c/0a/0c0abcb1-300d-4ac5-a1af-537a6c723c61/agenda_legislativa_2025.pdf

9 OIT https://www.ilo.org/publications/closing-gender-gap-paid-parental-leaves-better-parental-leaves-more-caring

Maria Lucia Benhame

Maria Lucia Benhame

Sócia-fundadora da banca Benhame Sociedade de Advogados. Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo - USP e pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela mesma instituição.

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