Tema 1.203 e a efetividade da execução fiscal
Redefinindo limites do seguro garantia.
quarta-feira, 27 de agosto de 2025
Atualizado em 28 de agosto de 2025 07:44
A execução fiscal é o instrumento previsto no ordenamento jurídico brasileiro para viabilizar a cobrança judicial de dívidas, tributárias ou não, pela Administração Pública, sendo regida pela lei 6.830/1980 (lei de execução fiscal).
Segundo o relatório Justiça em Números, do CNJ, publicado em 2023, dos 81,4 milhões de processos ativos em 2022, 34% referiam-se a execuções fiscais.
Em 2024, esse percentual manteve-se elevado: 31% dos processos em tramitação ainda eram execuções fiscais, de acordo com dados do mesmo Conselho.
O estudo também aponta que o tempo médio de tramitação das execuções fiscais é de 6 anos e 9 meses, ao passo que, para os demais processos pendentes (excluídas as execuções fiscais), o tempo médio é de 3 anos e 1 mês - pouco menos da metade.
Em que pese o dobro de tempo de tramitação das execuções fiscais, a celeridade é princípio estruturante da LEF. O art. 8º concede cinco dias ao devedor para pagar ou garantir a dívida, enquanto o art. 9º, na sequência, estabelece as formas de oferta desta segurança do juízo, registrando a possibilidade de apresentação de fiança bancária ou seguro garantia.
Nesse contexto de considerável volumetria de execuções fiscais, configurando o Estado um dos maiores demandantes, a forma de apresentação de garantia da dívida foi objeto de debates e divergências nos tribunais, gerando insegurança para contribuintes e impactando o fluxo de caixa de empresas.
Até meados de 2023, o TJ/SP, por exemplo, entendia que o seguro-garantia não suspendia a exigibilidade do crédito tributário:
Agravo de Instrumento - Prestação de seguro-garantia idôneo a garantir execução fiscal - Seguro-garantia que não suspende a exigibilidade do crédito tributário - Consequências legítimas da prestação de seguro-garantia idôneo são a expedição de certidão positiva com efeito de negativa e a proibição de inscrição no Cadin e de protesto da CDA respectiva. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ/SP, AI 3002905-24.2023.8.26.0000, rel. des. Vicente de Abreu Amadei, j. 1/8/2023, 1ª Câmara de Direito Público)
Para uniformizar o tema, o STJ, no Tema Repetitivo 1.203, fixou o entendimento de que o oferecimento de fiança bancária ou de seguro-garantia, desde que corresponda ao valor atualizado do débito acrescido de 30%, suspende a exigibilidade do crédito não tributário, não podendo o credor rejeitá-lo, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da garantia.
A tese foi fixada por unanimidade no julgamento dos Recursos Especiais 2.007.865/SP, 2.037.317/RJ, 2.037.787/RJ e 2.050.751/RJ, sob a relatoria do Ministro Afrânio Vilela. A formulação da tese afasta o argumento de que somente o depósito em dinheiro seria capaz de suspender a exigibilidade, como previsto no art. 151 do CTN, norma aplicável apenas aos créditos tributários. No campo dos créditos não tributários, o STJ reconheceu a possibilidade de aplicar, de forma sistemática, o art. 9º da lei de execução fiscal em conjunto com o art. 835, § 2º, do CPC/15.
A decisão fortalece a previsibilidade, harmoniza a jurisprudência e prestigia o princípio da menor onerosidade do devedor (art. 805, CPC), protegendo o patrimônio do executado sem sacrificar a efetividade da cobrança. Promove, ainda, um equilíbrio mais justo entre o direito de defesa do contribuinte e o interesse legítimo do Estado na cobrança dos seus créditos.
comprometa sobremaneira seus bens.
Dentre as vantagens do seguro-garantia como forma de garantia em juízo ao embargante, tem-se:
a) Custo reduzido: o prêmio é proporcionalmente menor que o bloqueio de numerário ou a indisponibilidade de bens.
b) Preservação de liquidez: o executado permanece com capital de giro livre durante o litígio.
c) Flexibilidade: o art. 835, § 2º, CPC autoriza a substituição de penhora já realizada por seguro-garantia, equiparando-o ao dinheiro na ordem de preferência das garantias
Do outro lado, traz benefícios à Fazenda Pública, garantindo:
a) Cobertura efetiva: garante o total do débito, inclusive com juros e correção monetária, permitindo uma proteção maior ao valor em discussão;
b) Agilidade: assegura a satisfação do crédito público sem a necessidade de imobilizar imediatamente bens ou valores; inclusive, desonerando o judiciário e a administração da gerência e custódia de bens penhorados;
c) Rapidez: a execução do seguro garantia é, em geral, mais célere que a alienação judicial de bens;
d) Redução de riscos: minimiza riscos de insolvência do devedor.
Em que pese todas as vantagens acima, a resistência de algumas procuradorias e juízos de primeira instância persiste: alegam risco de inadimplemento ou ausência de liquidez imediata. Todavia, a jurisprudência mais recente exige fundamentação específica de insuficiência, defeito formal ou inidoneidade, para recusar a substituição, sob pena de violar os princípios do contraditório e da razoabilidade.
Ao consolidar o seguro-garantia como meio idôneo para suspender a exigibilidade do crédito, o STJ adotou postura pragmática que equilibra o interesse arrecadatório do Estado com a proteção à atividade econômica dos contribuintes. Resta agora aos julgadores a internalização esse entendimento, garantindo maior eficiência processual e segurança jurídica.
Catarina Alves
Integrante da área de contencioso cível de Queiroz Cavalcanti Advocacia desde 2011 e trabalha no escritório de Recife.
Jean Dutra
Sócio do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.
Matheus Galdino
Sócio do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.




