Vício em apostas online: Quando é possível reaver os valores perdidos?
A promessa de ganhos rápidos e fáceis, no entanto, frequentemente encobre um cenário preocupante: para muitos usuários, o entretenimento se transforma em vício.
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Atualizado às 10:12
Crescimento exponencial das apostas virtuais no Brasil tem atraído milhares de consumidores, impulsionado por publicidade massiva, patrocínios esportivos e campanhas com influenciadores digitais. A promessa de ganhos rápidos e fáceis, no entanto, frequentemente encobre um cenário preocupante: para muitos usuários, o entretenimento se transforma em vício, trazendo sérias consequências financeiras, emocionais e sociais.
A OMS - Organização Mundial da Saúde reconhece o jogo patológico, ou ludopatia, como um transtorno que compromete diretamente a saúde mental e a vida social do indivíduo. Nesse contexto, quando plataformas digitais exploram a fragilidade de jogadores em situação de dependência, podem incorrer em responsabilidade civil e consumerista, gerando o dever de restituir valores e reparar danos.
Sinais de alerta do vício em apostas
O vício em apostas apresenta características próprias, que permitem sua identificação. Entre os sinais mais comuns estão:
- Realização de apostas acima da capacidade financeira, mesmo diante de dívidas;
- Ocultação da prática perante familiares ou pessoas próximas;
- Necessidade de valores cada vez maiores para alcançar a mesma satisfação;
- Dificuldade ou incapacidade de interromper os jogos;
- Tentativas frustradas de controlar ou abandonar a prática.
Identificados esses comportamentos, a busca por auxílio profissional se torna essencial, e o suporte jurídico pode representar importante instrumento de proteção patrimonial e de responsabilização das empresas envolvidas.
Fundamentos jurídicos para a restituição dos valores
O CDC (lei 8.078/1990) estabelece que a proteção do consumidor vai além do patrimônio, alcançando também sua saúde e segurança. O art. 6º garante, entre outros:
- Inciso I: a proteção da vida, saúde e segurança contra riscos advindos de práticas nocivas.
- Inciso IV: a defesa contra publicidade enganosa ou abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais e cláusulas contratuais abusivas.
- Inciso VI: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais.
Assim, quando a plataforma utiliza práticas como bônus enganosos, simulação de ganhos falsos por meio de influenciadores, indução ao endividamento ou dificuldades artificiais para saque, pode ser responsabilizada judicialmente.
O art. 42 do CDC reforça que valores cobrados ou retidos indevidamente devem ser restituídos, com juros e correção monetária.
Jurisprudência nacional e internacional
A responsabilidade das plataformas de apostas vem sendo reconhecida tanto pela Justiça brasileira quanto por tribunais estrangeiros.
No Brasil:
- O TJ/SP condenou empresa de apostas por publicidade enganosa e práticas agressivas, determinando indenização a consumidor diagnosticado com ludopatia.
- O TJ/DFT ordenou a restituição dos valores apostados e indenização moral, ao entender que a plataforma violou a boa-fé objetiva ao explorar a vulnerabilidade psicológica do jogador.
No exterior:
- A Justiça britânica obrigou uma operadora a devolver 1,7 milhão de euros a um jogador compulsivo, reconhecendo que a empresa falhou em adotar mecanismos de prevenção diante de claros sinais de vício.
- Um tribunal australiano condenou cassino por omissão ao não intervir diante de comportamento característico de jogador patológico, entendendo que sua inércia contribuiu diretamente para a perda financeira.
Tais precedentes reforçam que a discussão ultrapassa o campo da moralidade: trata-se de um dever legal de proteção ao consumidor vulnerável.
Estratégias jurídicas possíveis
Na atuação judicial, é essencial demonstrar que a plataforma explorou a vulnerabilidade do jogador, em especial diante de quadro de ludopatia ou de práticas abusivas reiteradas. Entre as medidas cabíveis, destacam-se:
- Pedido de restituição dos valores perdidos, acrescidos de correção monetária e juros;
- Pleito de indenização por danos morais decorrentes do agravamento da vulnerabilidade psicológica;
- Solicitação de bloqueio judicial da conta de apostas para evitar novas práticas abusivas.
Conclusão
O vício em apostas não deve ser encarado como simples falta de disciplina individual, mas como uma condição de saúde reconhecida internacionalmente. Plataformas que se aproveitam dessa fragilidade incorrem em práticas abusivas e podem ser responsabilizadas civil e judicialmente.
Assim, o consumidor que perdeu valores expressivos em razão de condutas ilícitas dessas empresas possui base legal sólida para pleitear a restituição do dinheiro e a indenização pelos danos sofridos.
O direito do jogador não se limita ao entretenimento: é também a garantia de que sua vulnerabilidade não será explorada para fins de lucro ilícito.


