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Limites à elaboração e à interpretação da norma tributária

A Receita Federal, ao equiparar patrocínios em bens a receita em caixa das SAFs, tensiona limites entre presunção, ficção e analogia no direito tributário.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Atualizado em 3 de setembro de 2025 10:02

Basilar para os tribunais, os doutrinadores, os profissionais e a Administração Pública é a noção de que tanto a elaboração quanto a interpretação da norma tributária encontram limites, que se encontram dispostos por todo o sistema jurídico, que transborda dos textos de lei e chega aos tribunais.

Dentre esses limites, pode-se citar, quanto à elaboração de normas, o possível estabelecimento de presunções, que não podem se transformar em ficções. Nesse sentido, vale trazer o entendimento do STJ sobre o tema: "se a pauta fiscal diz que tal mercadoria vale 1000 e isso é sabidamente certo, ou pode ser provado certo, trata-se de presunção; ao contrário, se o que a pauta diz é sabidamente falso, é de ficção que se trata." (RMS 13.294).

Já no que tange à interpretação, é possível apresentar a analogia e a equidade, dispostas no art. 108, do CTN. Enquanto a analogia não pode resultar na cobrança de tributo não previsto em lei, a equidade veda a dispensa do pagamento do tributo devido. Em outras palavras, são duas faces da mesma moeda, na medida em que, se não se pode cobrar sem previsão legal, não se pode eximir sem previsão normativa.

Ocorre que, recentemente, a Receita Federal apresentou entendimento que parece relativizar esses limites, uma vez que, por meio da solução de consulta COSIT 149, de 18 de agosto de 2025, estabeleceu que "[o] montante representado pelo valor dos bens recebidos a título de patrocínio deve integrar a receita mensal para fins de apuração d valor do pagamento mensal e unificado dos tributos devidos pela SAF.".

Apesar de reconhecer que as SAFs - Sociedades Anônimas do Futebol estão sujeitas ao regime de TEF - Tributação Específica do Futebol, no qual a sociedade deve observar o regime de caixa, "para afins da apuração da receita mensal, que será base de cálculo para o pagamento mensal e unificado dos tributos por ela devidos", foi estabelecida uma relação que flutua entre a ficção e a analogia.

Isso porque, sendo o patrocínio "fonte de recursos", nos termos do art. 56, da lei 9.615, de 1998, os valores correspondentes a "materiais esportivos, alimentos, dentre outros bens distintos de dinheiro/pecúnia" devem ser contabilizados como receita e, consequentemente, "integrar a receita mensal para fins de apuração do pagamento mensal e unificado dos tributos devidos pela SAF.".

Se a lei 14.193, de 2022, ao estabelecer o TEF, não poderia "presumir" como receita realizada em caixa recursos de patrocínio que não fossem moeda, sob pena de criar uma ficção, é certo que a Receita Federal, ao interpretar essa norma, não poderia equiparar o que não é moeda ao dinheiro, sob pena de se tributar por analogia.

É dizer, seja sob a ótica da elaboração da norma, seja sob a ótica da sua interpretação, a solução proposta à consulta formulada viola os limites aos quais a própria Receita Federal deve(ria) estar adstrita, o que acende um sinal de alerta para as SAFs em relação a todas as receitas por si auferidas, independentemente de sua realização em caixa, de sorte que o intuito de simplificação inerente ao regime parece começar ser relativizado pelo órgão que deveria zelar por esse norte.

Edison Carlos Fernandes

Edison Carlos Fernandes

Sócio diretor e responsável pelas áreas de Direito Público e Direito contábil IFRS no escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

Jorge Guilherme Ferreira da Fonseca Moreira

Jorge Guilherme Ferreira da Fonseca Moreira

Advogado do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, atua nas áreas de Contencioso tributário e procedimento administrativo tributário.

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