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O ISS e a locação de espaços físicos compartilhados (coworking)

É indevido o ISS sobre a locação de espaço físico compartilhado porque não há previsão na lista anexa à LC 116/03. As empresas têm o direito de restituírem o ISS mediante ação judicial.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Atualizado em 5 de setembro de 2025 07:19

O espaço físico de trabalho compartilhado, conhecido como coworking, é um modelo que possibilita aos profissionais, das mais diversas áreas de atuação, interagirem entre si, compartilhando experiências e gerando oportunidade de negócios.

Além disso, compartilhar custos e infraestrutura é mais vantajoso que manter um escritório convencional próprio, que requer altos investimentos, razão pela qual os coworkings já são uma realidade e vêm se multiplicando no Brasil.

O coworking permite a locação de espaços físicos compartilhados, tais como estações de trabalho, salas privativas e salas de reunião estruturadas de forma a propiciar o desenvolvimento das atividades profissionais de forma  satisfatória.

A locação de espaços físicos compartilhados não se confunde com o "escritório virtual", situação em que o profissional ou a empresa contratam um endereço comercial e fiscal apenas para fins de abrir seu CNPJ, realizarem registros junto aos órgãos oficiais e divulgarem a localização do seu negócio.

Nos casos de contratação de "escritório virtual", há a prestação de serviços, hipótese em que é exigido o Imposto sobre Serviços de qualquer natureza - ISS pelos Municípios, nos termos do item 3.03 da lista anexa à LC 116/03, que prevê:

3.03 - Exploração de salões de festas, centro de convenções, escritórios virtuais, standsquadras esportivas, estádios, ginásios, auditórios, casas de espetáculos, parques de diversões, canchas e congêneres, para realização de eventos ou negócios de qualquer natureza.(negritamos).

Por outro lado, a locação do espaço físico de trabalho compartilhado configura locação ou sublocação e, portanto, consiste na "obrigação de dar" e não "obrigação de fazer". Dessa forma, não se trata de prestação de serviço e, por isso, não enseja a tributação pelo ISS.

No julgamento da ADIn 3.142, o STF consignou que "no caso em que a operação tributada revelar como a essência dela, de modo chapado, simples obrigação de dar como, por exemplo, uma mera locação de bens móveis - inviável será a incidência do ISS relativamente a ela (súmula vinculante 31)".

Da mesma forma, a locação de espaço físico aparelhado com internet, projetor ou televisão, tudo para propiciar ao profissional um ambiente de trabalho adequado e efetivo consiste em simples "obrigação de dar". É o que também ocorre com a locação do imóvel mobiliado, pronto e completo para morar, proporcionando facilidades para o locatário sem descaracterizar a natureza de "obrigação de dar".

A propósito, a locação é "um contrato pelo qual uma pessoa se obriga a ceder temporariamente o uso e o gozo de uma coisa fungível, mediante certa remuneração"1. "É um contrato pessoal, bilateral, oneroso, consensual e de execução sucessiva".2

Ou seja, a locação de imóvel é um contrato pelo qual o locador (proprietário ou possuidor) cede o uso do imóvel para outrem (locatário) por prazo determinado ou não, e em contrapartida, recebe o pagamento de um valor, que geralmente é mensal (aluguel), prevendo direitos e deveres para ambas as partes.

No entanto, os municípios não vêm fazendo distinção entre o "escritório virtual" e a locação de espaços de trabalho compartilhados e exigem o ISS sobre ambas as atividades sociais das empresas de coworking, mesmo sem a ocorrência do fato gerador desse tributo sobre a locação de imóvel, tanto que não existe tal previsão legal na lista anexa à LC 116/03.

A propósito, o STF definiu, no julgamento do RE 784.439 com repercussão geral reconhecida, que a lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003 é taxativa, sendo ilegal a cobrança do ISS sobre serviços que não estejam expressamente nela previstos, fixando o Tema 296.3

O STF também já decidiu que "É inconstitucional a incidência do ISS - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza sobre operações de locação de bens móveis, dissociada da prestação de serviços", conforme julgamento do RE 626.706 com repercussão geral reconhecida, que definiu o Tema 212.

Considerando que a lista de serviços anexa à LC 116/03, que elenca todos os serviços sujeitos à incidência do ISS, não contempla atividade compatível com a locação de espaços de trabalho compartilhados (coworking) ou similar, a exigência dos Municípios é ilegal e inconstitucional.

Isso porque o art. 146, III, "a" da Constituição Federal4 estabelece que cabe à lei complementar estabelecer a definição dos tributos e seus respectivos seus fatos geradores. Considerando que a LC 116/03 não prevê a locação de espaço físico de trabalho compartilhado como fato gerador para incidência do ISS, a sua exigência é inconstitucional.

A locação dos espaços de trabalho compartilhados se caracteriza como locação de bens imóveis e segundo entendimento firmado pelo STJ não incide o ISS5.

Em que pese a mera locação de espaço físico (estação de trabalho, sala privativa e sala de reunião) não seja fato gerador do ISS, com manifesta sanha arrecadatória, diversos Municípios, dentre eles, o Município de São Paulo, vêm exigindo o tributo com base na indevida interpretação extensiva dos itens 3.03, 9.01 ou 17 da lista anexa da LC 116/03.

Conforme visto acima, o item 3.03 da referida lista detalha serviços de exploração de centros de convenções, escritórios virtuais, auditórios e congêneres, para realização de negócios de qualquer natureza, tratando-se de situação totalmente dissociada da locação de espaço físico de trabalho compartilhado, ou seja, locação de bem imóvel.

Já o item 9.01 descreve os serviços de hotelaria em geral, cujas hospedagens envolvem serviços de limpeza, alimentação, dentre outros, para propiciar local de repouso e lazer.

Ora, o contrato de hospedagem se caracteriza pela exploração de um imóvel ou parte dele, destinado a dar habitação temporária, o que em nada se relaciona com o espaço físico contrato para exercer atividade profissional. Geralmente o preço nos contratos de hospedagem vence dia a dia, daí, portanto nome de "diárias" que se lhe dá"6.

Sendo assim, são evidentes as peculiaridades que distinguem os contratos de hotelaria e o modelo de negócio do coworking, de locação mensal ou anual de espaço para desenvolvimento de trabalho.

Por fim, o item 17 da lista detalha serviços de apoio técnico, tais como, administrativo, jurídico e contábil, que envolvem a prestação de serviços intelectuais. As empresas de coworking não prestam tais serviços, elas apenas e tão somente promovem a locação de espaço físico apropriado para os locatários contratantes desenvolverem suas atividades profissionais.

Logo, incabível, para fins de incidência de ISS, associar a locação de espaço físico de trabalho compartilhado a "explorações de centros de convenção" (item 3.03 da lista de serviços anexa da LC 116/03), "ocupação por temporada com fornecimento de serviço" (item 9.01), ou ainda "serviços de apoio técnico, administrativo, jurídico, contábil, comercial e congêneres" (item 17).

Neste sentido, a 14ª Câmara de Direito Público do TJ/SP já reconheceu a impossibilidade de incidência do ISS sobre "as atividades de coworking (disponibilização de estação de trabalho sala de reunião e sala privativa)"7 porque "a atividade de coworking (consistente na 'disponibilização de espaço físico') é distinta da prestação de serviços de 'escritório virtual", razão pela qual "restou incontroverso que a atividade de coworking não possui previsão expressa na lista de serviços anexa à LC 116/03, o que afasta a incidência do imposto relativamente a essa atuação".

Dessa forma, o TJ/SP declarou a inexigibilidade da cobrança do ISS pelo município de São Paulo em relação à atividade de locação de estações de trabalho, salas privativas e de reuniões e reconheceu o direito da empresa de coworking à restituição dos valores pagos indevidamente a esse título, cujo acórdão transitou em julgado em 07 de dezembro de 2022.

Portanto, considerando a atividade precípua desenvolvida pelas empresas de coworking, de locação de espaço físico, descabe a incidência de ISS seja porque se trata de "obrigação de dar", seja porque não previsão legal na lista anexa à LC 116/03.

Em conclusão, as empresas de coworking que vem sendo indevidamente exigidas quanto ao recolhimento do ISS sobre a atividade de locação de espaço físico de trabalho compartilhado têm o direito de ingressarem em juízo para obter o reconhecimento do direito de serem restituídas dos valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos.

_______

1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Volume III, 15ª edição.2011. Pág. 229

2 Op. Cit. Pág. 230

3 "É taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal, admitindo-se, contudo a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva."

4 Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

5 AgInt no AREsp 1.088.199, STJ, julgamento em 20/3/2018.

No mesmo sentido: "Na forma da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "não incide ISSQN nas operações relativas a locação de bens imóveis, seja porque não há previsão específica na lei (para bens imóveis), seja porque o conteúdo do contrato de locação é incompatível com o conceito de 'prestação de serviços', elemento material (constitucionalmente definido) daquele tributo"" (STJ, REsp 952.159/SP, Rel. ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 29/10/2008).

6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. Doutrina e prática. 2010, editora Atlas S.A. São Paulo. Pág. 17

7 Processo 1063426-09.2020.8.26.0053 - julgamento em 9/9/2022

https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/abrirDocumentoEdt.do?origemDocumento=M&nuProcesso=1063426-09.2020.8.26.0053&cdProcesso=RI006XA2B0000&cdForo=990&tpOrigem=2&flOrigem=S&nmAlias=SG5TJ&instanciaProcesso=SG&cdServico=190201&ticket=rvVOcSEefMvl6lULA5v1ZTbDmGLf%2FMwTyeWqRiDkbRjeBxdKdyk%2FYfy%2FDhiHd%2BmJfxTVitLXRD4L%2FVWgePva3uOiCmnwD082Bhwt7VI69S2iUEcHmbHPc5dZDXQxN9dhSSa%2FaaSwdKVZgUo3VY5mVJXav8I0xIIxnkJKU8XBAhT1vZtkMsMoTCfZC2FQSIsd0raz0XiJ8ObWrkC7Di%2Bz4LWf0lgJ5KvdiRmS8I88YzUgGjXBWOcKra1PGlypZB9oTh9iQscDPddDS2TXZNz5czLm72Pep3dAK0DgAz9rGVLNHMpEZaJHRiQYETkAbmTR6CDVwtspJ%2FFaedoWNQ46OXGwWVTcldtlve4B5gKCXsx5H%2FL5wPpHWe%2BGvY4VSc0HshzkbSiJ5UQc0NB6Kh%2BfPldHHdYUZUJayQVQHyIvPJI6lgEh3OqWG1Q0JJCat%2Ft6

Luciana Nini Manente

VIP Luciana Nini Manente

Doutora e Mestre em Direito Processual Tributário. Sócia fundadora de Nini Manente Advogados. Autora de livros e artigos. Advogada tributarista especializada em contencioso administrativo e judicial.

Daniele Lambert da Cunha

VIP Daniele Lambert da Cunha

Mestre em direito constitucional e processual tributário pela PUC/SP. Sócia do Escritório Nini Manente Advogados Associados. Advogada tributarista.

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