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Prescrição quinquenal e trato sucessivo: Por que os policiais militares podem cobrar as diferenças da gratificação de inatividade

A gratificação de inatividade é verba de trato sucessivo e, conforme a súmula 85 do STJ, militares têm direito integral com prescrição apenas parcial.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Atualizado em 12 de setembro de 2025 10:09

Um dos argumentos mais recorrentes utilizados pela Fazenda Pública para tentar afastar o direito dos Policiais Militares à gratificação de inatividade em sua integralidade é o da prescrição quinquenal. Apoiada no art. 1º do decreto federal 20.910/1932, a tese estatal sustenta que o militar não poderia buscar judicialmente valores não pagos após cinco anos do fato gerador.

Aparentemente sólida, essa alegação não resiste a uma análise mais aprofundada da jurisprudência e da natureza jurídica da verba.

O que é trato sucessivo

A gratificação de inatividade é uma verba de natureza continuada, incorporada ao contracheque do militar mês a mês. Quando o Estado deixa de pagar corretamente esse adicional, a ilegalidade não ocorre em um único momento, mas se renova a cada vencimento.

Em termos técnicos, trata-se de uma típica relação jurídica de trato sucessivo. Nessas hipóteses, não se aplica a prescrição do fundo de direito, mas apenas a das parcelas vencidas além do quinquênio anterior à propositura da ação.

Súmula 85 do STJ

O entendimento consolidado no STJ, por meio da súmula 85, é categórico:

"Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação."

Ou seja, se o direito está reconhecido em lei - como ocorre com a gratificação de inatividade prevista no art. 14 da lei estadual 5.701/1993 -, o militar pode ingressar em juízo a qualquer tempo, ainda que não possa recuperar valores anteriores aos últimos cinco anos.

A postura do Estado

A insistência da Fazenda Pública em alegar prescrição total revela-se mais uma estratégia protelatória do que um argumento jurídico legítimo. Isso porque, em nenhum momento, o Estado nega a existência do adicional de inatividade. Apenas insiste em pagá-lo de forma reduzida, em descompasso com o percentual de 30% previsto em lei.

Nessas circunstâncias, o Judiciário não apenas tem afastado a tese da prescrição, como também tem reiterado o direito dos militares à integralidade do adicional.

Consequências práticas

A correta interpretação da prescrição é decisiva para a efetividade do direito. Sem ela, centenas de militares poderiam ser privados não apenas de parcelas antigas, mas de todo o direito. Com a aplicação da súmula 85 do STJ, garante-se o reequilíbrio: o militar recupera os últimos cinco anos de diferenças e assegura a correção de seu contracheque para o futuro.

Esse entendimento protege não apenas o interesse individual, mas também reforça a ideia de que o Estado não pode se beneficiar de sua própria omissão, deixando de cumprir a lei para, depois, alegar decurso do tempo em seu favor.

Justiça e segurança jurídica

Ao reconhecer a natureza de trato sucessivo da gratificação, o Judiciário fortalece a segurança jurídica e dá previsibilidade às relações entre servidores e administração. Essa postura evita que a cada ação se discuta novamente o óbvio, permitindo maior racionalidade na gestão da máquina pública.

A alegação de prescrição total é uma tentativa de criar um obstáculo artificial ao direito dos militares. O adicional de inatividade é verba de trato sucessivo, renovada mensalmente. A súmula 85 do STJ não deixa margem a dúvidas: apenas as parcelas anteriores a cinco anos prescrevem. Todo o restante é direito líquido, certo e exigível.

Ricardo Fernandes

Ricardo Fernandes

Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo

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