Monitores corporativos independentes anticorrupção e antitruste: O que são? O que fazem? Onde vivem? Quais suas vantagens e desvantagens?
Profissionais externos supervisionam empresas para garantir cumprimento de regras legais e éticas trazendo benefícios e desafios à gestão interna.
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Atualizado em 16 de setembro de 2025 13:52
Monitores Corporativos Independentes1 são ferramentas assecuratórias do cumprimento de obrigações acordadas ou exigidas2 por autoridades públicas. O monitor é, portanto, encarregado de acompanhar, apoiar e avaliar o cumprimento das medidas pactuadas pela empresa com a Administração Pública.
Seu trabalho consiste em contribuir para a implementação e o fortalecimento do programa de compliance e dos controles internos da empresa monitorada, de modo a evitar que as práticas identificadas aconteçam novamente. Deve ainda atestar, perante as autoridades públicas, que a empresa está cumprindo com suas obrigações e que está conduzindo os seus negócios conforme a legislação, termos de acordo ou decisão judicial ou administrativa.3
O monitor é, assim, um terceiro independente, não empregado da empresa e nem servidor da Administração Pública. Sua função não se confunde com a de um Diretor de Compliance da empresa, que reporta aos órgãos da administração empresarial, nem com a de um assessor externo de compliance, que responde perante a unidade contratante do serviço. Isso significa que o monitor é remunerado pela própria empresa, atuando dentro dela, mas com mandato específico e com escopo previamente definido, além de autonomia funcional e independência perante a empresa monitorada, reportando-se à autoridade pública com a qual o acordo foi celebrado.
No contexto brasileiro, a utilização do monitor sempre decorreu de acordos celebrados entre empresas e autoridades e não de imposição unilateral. A inclusão de um monitor em acordos de leniência deve ser justificada como medida necessária para assegurar a efetividade do acordo, conforme previsto, por exemplo, no art. 16, §4º, da lei anticorrupção (lei 12.846/13), que permite estipular "condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo."
A exigência de um monitor corporativo independente sinaliza que as autoridades públicas não confiam que a empresa conseguirá recuperar a sua integridade e atender às exigências da autoridade sozinha. Trata-se, assim, de uma mensagem bastante dura, conforme bem sinaliza Szmid4: espécie de delegação, pela Administração Pública, do cumprimento de cláusulas do acordo assinado entre as partes e do acompanhamento do programa de compliance/integridade empresarial. Além disso, a exigência de um monitor corporativo independente deve ser fundamentada em critérios objetivos e não deve ser imposta com finalidade punitiva. Em particular, o monitor externo deve ser utilizado apenas quando houver necessidade evidente e benefício claro, considerando fatores como: ausência de programa de compliance efetivo, envolvimento da alta administração em ilícitos, insuficiência das medidas de remediação e gravidade dos fatos.
Para cumprir sua missão, o monitor costuma ter um mandato amplo para analisar e interferir em todas as áreas de risco relacionadas, direta ou indiretamente, com a prática ilícita identificada, nos termos da decisão ou do acordo que impôs o monitoramento. Isso inclui acesso aos ambientes empresariais responsáveis pelas práticas financeiras e de contabilidade, de contratação e seu relacionamento com terceiros, sejam estes públicos ou privados5. Assim, o monitor analisa contratos, estudos e outros documentos, realiza entrevistas com executivos e funcionários da empresa, parceiros de negócios e outros indivíduos ou entidades relevantes e visita, de forma anunciada ou não, escritórios, fábricas, etc., da empresa monitorada. Sempre que necessário, o monitor pode se apoiar em especialistas em determinados temas para poder desenvolver o seu trabalho, como contadores, advogados especializados, etc. Apesar desses amplos poderes, não cabe ao monitor realizar investigações internas em si.
A seleção do monitor deve observar critérios objetivos de qualificação, experiência em compliance e independência em relação à empresa monitorada. Recomenda-se a adoção de listas tríplices, com direito de veto pela autoridade pública, e a previsão de cláusulas claras sobre escopo, duração, remuneração, reporte e resolução de conflitos. A experiência dos EUA pode servir de referência para a elaboração de monitorias que garantem transparência, prevenção de conflitos de interesse e respeito à confidencialidade dos relatórios.6
A cláusula do acordo assinado pela Avon com o DOJ - Departamento de Justiça norte-americano é ilustrativa do escopo de atividades desenvolvidas pelo monitor nos Estados Unidos:
"The Monitor's primary responsibility is to assess and monitor the Company's compliance with the terms of the Agreement, including the Corporate Compliance Program in Attachment C, so as to specifically address and reduce the risk of any recurrence of the Company's misconduct. During the Term of the Monitorship, the Monitor will evaluate, in the manner set forth below, the effectiveness of the internal accounting controls, record-keeping, and financial reporting policies and procedures of the Company as they relate to the Company's current and ongoing compliance with the FCPA and other applicable anti-corruption laws (collectively, the "anti-corruption laws") and take such reasonable steps as, in his or their view, may be necessary to fulfill the foregoing mandate (the "Mandate"). This Mandate shall include an assessment of the Board of Directors and senior management's commitment to, and effective implementation of, the corporate compliance program described in Attachment C of the Agreement."7
Além disso, é possível que monitores sejam retirados da monitoria antes de seu término. Isso pode ocorrer voluntariamente por parte do monitor, a pedido da empresa monitorada ou por requisição exclusiva da autoridade pública, que deve fazê-lo quando o monitor não cumprir com suas obrigações ou não for mais qualificado para tal. A retirada, portanto, não pode ser arbitrária e forçada pela parte monitorada.
Em síntese, o monitor corporativo independente é:
- Contratado por força de um acordo celebrado com ou de exigência de uma autoridade pública;
- Selecionado e aprovado pela Administração Pública;
- Autônomo e independente para desempenhar seu trabalho;
- Remunerado pela empresa monitorada;
- Obrigado a reportar-se à autoridade pública sobre o cumprimento das obrigações definidas no acordo e sobre recomendações ao aprimoramento do programa de compliance e dos controles internos da empresa; e
- Detentor de responsabilidades estabelecidas nos termos do acordo com a Administração Pública e nos termos da sua contratação.8
Nesse sentido, destaca-se também que a figura do monitor independente, devido à sua natureza, apresenta vantagens e desvantagens à empresa, conforme a literatura especializada sobre o tema.
Como principais vantagens, pode-se afirmar que o uso de monitores permite constante aprimoramento dos programas de compliance das empresas penalizadas, tendo em vista ser um terceiro independente e especializado no assunto. Em estudo realizado pelo Grupo de Estudos em Compliance da FGV Direito São Paulo, o monitor pode ser um vetor que promove a mudança eficiente da cultura e dos procedimentos internos, facilitado por sua atuação próxima da realidade operacional das empresas avaliadas. Não só isso, o monitor pode também trazer mais confiança e segurança na avaliação dos programas de compliance9 e participar de reuniões que o governo não participaria por motivos diversos, como reuniões com o Conselho da empresa e do time de compliance.
Um ponto que merece destaque é que as próprias empresas avaliadas são encarregadas de custear a implementação e manutenção de monitorias independentes. Isso pode ser entendido tanto como uma vantagem quanto uma desvantagem. Vantagem, pois os custos não são de responsabilidade da Administração Pública, o que alivia os cofres públicos10. Desvantagem por ser um processo custoso às empresas, tendo em vista que monitorias independentes podem, em determinados casos, atingir dezenas de milhões de dólares11, sem considerar as multas aplicadas às empresas.
Não só custoso, como também intrusivo e disruptivo para o cotidiano empresarial. O monitor, como aponta Szmid, é um particular que, externo à empresa, passa a exercer um papel de liderança na defesa de um interesse público junto a um particular12. Nesse sentido, a pesquisa conduzida pelo Grupo de Estudos da FGV São Paulo também destaca que essa figura externa à empresa pode ser intimidadora aos demais colaboradores, assim como possuir um perfil "policialesco"13, o que, por sua vez, é motivo de preocupação e, inclusive, levado em consideração quando da escolha dos monitores.
Além disso, outra possível desvantagem parece estar nos eventuais conflitos decorrentes das monitorias independentes, dada a complexidade e duração desses processos. Alguns dos motivos que podem levar a essas disputas são14:
- Divergências sobre o escopo do trabalho dos monitores;
- Divergências sobre os relatórios de conclusão e as recomendações dos monitores;
- Acesso a documentos internos da empresa; e
- Falta de conhecimento do monitor sobre a indústria e o mercado da empresa.
Essas características, vantagens e desvantagens, como serão vistas nos artigos seguintes, são resultados da experiência internacional e nacional sobre o tema. No cenário internacional15, o próximo artigo dessa série foca em detalhar a experiência dos Estados Unidos sobre monitores corporativos Independentes, descrita, principalmente, pelos memorandos que regulam esse instituto nos acordos celebrados pelo DOJ e pela SEC - Securities and Exchange Commission. Em seguida, apresentaremos artigos específicos sobre a utilização de monitores em acordos do MPF - Ministério Público Federal, do CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica e da CGU - Controladoria-Geral da União.
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1 Também denominados simplesmente como "monitor", "monitor corporativo", "monitor independente", "monitoria independente", "monitoria externa" ou "auditoria externa". Esses termos serão usados de forma indistinta neste artigo. O monitor pode ser uma pessoa física ou jurídica. No Brasil, a experiência sinaliza a utilização de pessoas físicas como monitores anticorrupção. No contexto antitruste, em particular quando há obrigação de desinvestimento, é comum vermos empresas atuando nesta função que, como explicaremos ao longo dos artigos, possui diferenças em ambos os contextos.
2 Há controvérsia sobre a legalidade de a monitoria ser uma ordem unilateral pela autoridade pública. A legislação brasileira apresenta distinções relevantes quanto à possibilidade de imposição de monitores corporativos de forma unilateral (ou seja, sem acordo) nos contextos anticorrupção e antitruste. Enquanto a Lei Anticorrupção não prevê, de forma expressa, a possibilidade de imposição unilateral de um monitor corporativo como sanção administrativa, a Lei Antitruste traz previsão mais ampla e flexível quanto às medidas que podem ser adotadas para cessar práticas anticompetitivas e restaurar a ordem econômica. O art. 38, inciso IV, da Lei nº 12.529/2011, prevê que o CADE pode impor, além das sanções expressamente previstas, "qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica resultantes da infração apurada". Essa diferença gera uma incongruência normativa: enquanto a Lei Anticorrupção tutela bens jurídicos de alta relevância (integridade da Administração Pública), não permite a imposição unilateral de monitor; já a Lei Antitruste, voltada à defesa da ordem econômica, admite tal possibilidade. Isso é apontado por Szmid como uma incoerência do sistema jurídico brasileiro, pois, em tese, a proteção da Administração Pública deveria admitir instrumentos tão ou mais rigorosos quanto aqueles disponíveis para a defesa da concorrência. SZMID, Rafael. Monitores corporativos anticorrupção no Brasil: um guia para sua utilização no processo administrativo e judicial. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2021. p. 23.
3 SZMID, Rafael. Monitores corporativos anticorrupção no Brasil: um guia para sua utilização no processo administrativo e judicial. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2021. p. 23.
4 SZMID, Rafael. Monitores corporativos anticorrupção no Brasil: um guia para sua utilização no processo administrativo e judicial. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2021. p. 115.
5 Idem. p. 105.
6 Não podem ser ignorados, contudo, os questionamentos ao processo adotado por determinadas autoridades norte-americanas, marcado pela falta de diversidade entre os candidatos e por possíveis conflitos de interesse, além de indícios de favorecimento a ex-colegas de agência.
7 A principal responsabilidade do Monitor é avaliar e monitorar o cumprimento da Companhia com os termos do Acordo, incluindo o Programa de Compliance Corporativo do Anexo C, para especificamente dirigir-se a reduzir o risco de recorrência de má conduta empresarial. Durante o tempo de monitoramento, o Monitor avaliará, na maneira detalhada abaixo, a efetividade dos controles internos de auditoria, das políticas de manutenção de registros e de comunicações financeiras e procedimentos da Companhia em sua relação de cumprimento atual e continuada com o FCPA e outras leis anticorrupção aplicáveis (coletivamente, as leis anticorrupção) e a adotar medidas razoáveis que, em sua visão, sejam necessárias para o cumprimento deste mandato. Esse mandato deve incluir uma avaliação da diretoria e o compromisso da alta administração com a implementação do Programa de Compliance Corporativo descrito no Anexo C. Tradução nossa. (DEFERRED PROSECUTION AGREEMENT, 2016, 828-GBD, Documento 4, Anexo D).
8 Em se tratando de profissional externo e independente, parece não ser adequada qualquer interpretação de que o monitor poderia ser responsável nos termos da legislação societária brasileira. Tampouco nos parece adequado, a princípio, entender que a atividade do monitor seria assemelhada à de um servidor público. Para Szmid, diante da ausência de clareza, no Brasil, do tipo de responsabilidade de um monitor, sua responsabilidade parece estar adstrita aos termos da sua contratação, sendo benéfico ao monitoramento que o monitor tenha contratado um seguro de responsabilidade, para que se evite sua responsabilização de forma objetiva. SZMID, Rafael. Monitores corporativos anticorrupção no Brasil: um guia para sua utilização no processo administrativo e judicial. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2021. p. 102, nota de rodapé 172.
9 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS - FGV DIREITO SP. Utilização de Monitores Pós-Acordo no Contexto de Acordos de Leniência. São Paulo: FGV Direito, SP, 2025. p. 112 e 113.
10 Idem.
11 Idem, p. 120.
12 SZMID, Rafael. Monitores corporativos anticorrupção no Brasil: um guia para sua utilização no processo administrativo e judicial. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2021. p. 124-130.
13 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS - FGV DIREITO SP. Utilização de Monitores Pós-Acordo no Contexto de Acordos de Leniência. São Paulo: FGV Direito, SP, 2025. p. 116, 124 e 125.
14 Idem, p. 124 e 125.
15 Apesar de não ser foco deste artigo, destaca-se que a experiência internacional também demonstra que o instituto de Monitores Independentes é previsto em legislações de países como o Reino Unido e de normativos internos de organizações internacionais, como o Banco Mundial. No Reino Unido, o instituto está regulado, principalmente, pelo Código de Práticas de Acordos Diferidos, baseado no Crime and Courts Act de 2013. No Banco Mundial, por sua vez, há previsões para o uso de monitores independentes no procedimento de sanções e acordos em projetos financiados pelo Banco.
Amanda Athayde
Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.
Rafael Szmid
Counsel no escritório global Reed Smith. Advogado licenciado no Brasil e nos Estados Unidos (Nova Iorque). Mestre e Doutor, Universidade de São Paulo. LL.M., Stanford Law School. Membro da International Association of Independent Corporate Monitors. Autor do livro "Monitores Corporativos Anticorrupção no Brasil: Um Guia para sua Utilização no Processo Administrativo e Judicial" e de artigos acadêmicos sobre anticorrupção, antitruste e compliance.




