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Os embargos infringentes no STF e o dever de observar o duplo grau de jurisdição nas questões que envolvem Direito Penal

O texto analisa o uso restritivo dos embargos infringentes no STF e destaca o impacto da jurisprudência na garantia do direito à ampla defesa.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Atualizado em 19 de setembro de 2025 15:18

Os embargos infringentes, no Direito Processual Penal, são destinados exclusivamente à defesa. Eles têm cabimento quando, em um julgamento colegiado, um dos julgadores apresenta uma divergência favorável ao réu.

Enquanto a decisão for de segunda instância, o próprio CPP, em seu art. 609, parágrafo único, prevê expressamente o referido recurso.

O problema surge nos Tribunais Superiores, onde não há previsão expressa na legislação processual penal. Por isso, neste artigo vamos analisar o cabimento dos embargos infringentes no âmbito do STF, obviamente sem a pretensão de esgotar todo o histórico de discussões e posicionamentos a respeito do tema, razão pela qual iremos nos ater aos acontecimentos mais recentes, porém com uma brevíssima digressão.

No art. 333, do regimento interno do STF, está prevista expressamente a hipótese de embargos infringentes, especialmente, em relação à ação penal, no seu inciso I. Com a emenda regimental 2/12/1985, o parágrafo único do art. 333 sofreu reforma para, ao invés de três votos, serem necessários quatro votos divergentes para o cabimento dos embargos infringentes. Eis a redação que vige até os dias atuais:

"Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma. 

I - que julgar procedente a ação penal; 

II - que julgar improcedente a revisão criminal;

III - que julgar a ação rescisória; 

IV - que julgar a representação de inconstitucionalidade; 

V - que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado.

Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta".

Pois bem. Com a chegada da CF/88, o regimento interno do STF, que prevê regras de Direito Processual e Procedimental, acabou sendo, em grande parte, recepcionado. Isso não se discute.

No entanto, mesmo após a promulgação da CF, o STF se viu, por diversas vezes, diante de debates em relação à questão do cabimento, ou não, dos embargos infringentes e diante da necessidade de, mesmo cabendo, haver limites para sua oposição. 

Com muitas idas e vindas, foi no julgamento do famoso caso do Mensalão (ação penal 470) que o STF, novamente chamado a decidir sobre o referido tema, passou a discutir o cabimento e, se cabível, quais seriam os critérios para tanto.

Para alguns ministros, como Celso de Melo, por exemplo, seria imprescindível a manutenção de previsão dos embargos infringentes, pois, apesar de o direito ao duplo grau de jurisdição não estar expresso na CF/88, ele está expresso na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que possui status de norma supralegal, devendo, portanto, ser obrigatoriamente aplicada no Brasil. E foi este o posicionamento vencedor, por 6 votos a 5.

E, então, passou-se a discussão para o parágrafo único do art. 333 do RISTF, cingindo-se o debate a respeito de se definir em que consistiria a mencionada "divergência" prevista no referido dispositivo. Detalhe importante: a norma não prevê qualquer qualificativo para a palavra "divergência", ou seja, seria (como era até então), para um bom entendedor, qualquer divergência em benefício do réu.

Porém, o voto vencedor foi do ministro Roberto Barroso, que foi nomeado relator para o acórdão dos embargos infringentes opostos pelos diversos réus da AP 4701. Assim, a Corte Suprema não só manteve o parágrafo único do art. 333 do RISTF, que já possuía uma restrição indevida (a obrigatoriedade de quatro votos divergentes), mas avançou ainda mais no tema para invadir competência exclusiva do Poder Legislativo, por meio de sua jurisprudência, e impor requisito que prejudica o réu e que nem a lei prevê: foi a partir daí que, sem alteração expressa em seu regimento, o STF firmou maioria para concluir que não bastava apenas quatro divergências (por exemplo, divergência no quantum da pena), devendo haver, necessariamente, quatro votos para absolver o réu.

Qualquer outro tipo de divergência seria, segundo a maioria dos ministros, "divergências "irrelevantes", que culminariam no manifesto descabimento dos embargos infringentes. Este tipo de decisão invade, sem dúvida, a competência na esfera legislativa do Congresso Nacional o referido entendimento do STF.

E, em 2015, perdeu-se uma grande chance de realmente dar vazão ao efetivo princípio do duplo grau de jurisdição, em sua essência, e de forma justa e legal, sem sequer ser necessária a utilização da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, ou de interpretações mirabolantes, pois chegava ao ordenamento jurídico brasileiro o novo CPC. 

Na época da entrada em vigor da nova sistemática, tinha-se um momento mais do que oportuno para se revisitar a questão e adequar os embargos infringentes opostos perante a Corte Suprema nas ações penais originárias. Até porque a aplicação subsidiária do CPC está previsa no próprio CPP, no seu art. 3º. Adaptando, portanto, a sistemática do processo civil para a seara processual penal, enquanto não surgia (como nunca surgiu) uma lei Federal específica para este fim, eliminar-se-ia qualquer questionamento em relação ao cabimento e ao procedimento a ser adotado para recurso em questão.

Como se sabe, o CPC/15 substituiu a oposição dos embargos infringentes pelo chamado julgamento ampliado. Esta norma elimina a fase de interposição dos referidos embargos, mas não elimina o debate em busca de fazer valer o voto vencido. Assim: ocorrido o julgamento pelo órgão colegiado, havendo divergência - qualquer divergência - outros julgadores integram a turma ou Câmara para permitir a possibilidade de inversão do resultado. Referida previsão está no art. 942 e seus parágrafos, do referido estatuto adjetivo.

Enganam-se, portanto, aqueles que concluem que o CPC, ao eliminar do seu rol de recursos os embargos infringentes, teria simplesmente acabado com a possibilidade de reverter decisões não unânimes. Não, não foi isso que ocorreu, pois o novo Código apenas trouxe a "automatização" da ampliação do julgamento não unânime em órgão colegiado.

Na verdade, o que fez o CPC foi criar norma que traz celeridade e homenageia a duração razoável do processo, porque elimina a necessidade de nova interposição de recurso, novos arrazoados - o que leva tempo -, para, automaticamente, partir-se para novo julgamento, permitindo às partes sustentar novamente suas razões, agora para um número maior de julgadores.

Por isso é que se diz que o STF perdeu a oportunidade de, baseando-se na legislação (e não mais em um "remendado", polêmico e inconstitucional regimento interno), realmente adequar sua jurisprudência e, por que não, sua própria "lei interna". 

No entanto, a nossa Corte maior não só vem mantendo hígido o art. 333 do seu RI como endureceu ainda mais a regra: retirou a competência do plenário para o julgamento das ações penais originárias, passando-a para as turmas. Isso ainda no ano de 2014, com a emenda regimental 49/14. 

E não foi só isso: por meio da decisão tomada na ação penal 863 (o famoso caso de Paulo Maluf)2, o STF reduziu ainda mais a chance de o acusado fazer valer os votos que lhe favorecem:  naquela ocasião, mais uma vez por meio de entendimento jurisprudencial, definiu-se que os embargos infringentes em ação penal originária só é cabível se houver duas divergências para absolver o réu, o que é mais difícil ainda, por se estar perante o órgão fracionário.

A decisão tomada na ação penal de Paulo Maluf - e que virou a regra a ser aplicada nos casos análogos - foi tomada por maioria. E uma maioria muito apertada: 6 a 53.

Venceu a tese proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de serem necessários 2 votos absolutórios para justificar a oposição dos infringentes perante a Corte Suprema, em ação penal. A justificativa foi a de que a tendência da legislação era suprimir esta espécie de recurso, o que é um verdadeiro engano, pois ele pode ter sido nominalmente suprimido pelo CPC, como vimos, mas o direito de reverter a decisão não unânime não foi, pois, como dito, é como se este recurso fosse "automático" a partir do momento que há uma divergência - qualquer divergência. 

Aliás, o entendimento do ministro Lewandowski foi ao encontro do que entendemos como correto: os embargos infringentes (especialmente nos casos onde a ação penal é originária no STF) devem ser ampliados, e não restringidos. 

O ministro Gilmar Mendes também apresentou justificativa com a qual também concordamos. Para ele, definir as regras para interposição e cabimento de embargos infringentes é papel do legislador e não do STF, por meio de seu regimento interno. E finalizou dizendo que regimento interno não tem força legal: "não se trata de norma regimental que possa ser modificada ao nosso bel-prazer", disse o ministro durante os debates.

Mas, 6, dos 11 ministros do STF entendeu que seria lícito e constitucional restringir ainda mais - e por meio de jurisprudência - o direito do cidadão de recorrer de decisões que lhes são desfavoráveis em ação penal originária, inserindo exigências dificílimas de serem cumpridas. O motivo? A velha conhecida "jurisprudência defensiva", a qual a advocacia criminal jamais pode concordar.

Seria desejável (e o caminho correto até surgir lei Federal específica) a aplicação subsidiária do CPC, como se disse acima: já que se passou o julgamento destas ações penais originárias para as turmas (com o que também não concordamos, mas foi o que ficou decidido), havendo divergência a favor do réu (e qualquer divergência), o caso seguiria automaticamente para o plenário, permitindo-se às partes nova sustentação oral das suas razões. 

No entanto, hoje vige uma "norma" baseada em jurisprudência (o que é absurdo) do próprio STF, extremamente draconiana, inconstitucional (a nosso ver), ilegal e que, estando em jogo um dos direitos mais caros do cidadão - direito à liberdade - deveria haver enorme intransigência por parte do "Guardião da Constituição" para restringi-lo. Infelizmente, não tem sido assim, pois, recentemente, nos julgamentos dos casos dos atos antidemocráticos, o STF vem reiterando sistematicamente este posicionamento.

Resta saber se futuramente há alguma chance de este entendimento ser modificado. Só o tempo (e os "ventos da vez") dirão. Todavia, para que isso possa, algum dia, ser modificado, a advocacia precisa fazer seu papel: recorrer, pois, em tese, o juiz é inerte e depende de provocação. Portanto, provoquemos!

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1 AgR-vigésimo sexto/MG, AP 470, Relator para o acórdão Ministro Luis Roberto Barroso, DJe 14/02/2014.

2 STF - AP 863 EI-AgR - Relator: Min. Edson Fachin - Tribunal Pleno - Julgamento: 19/04/2018.

3 Votaram acatando a proposta do Ministro Barroso: Edson Fachin (relator), Carmen Lúcia, Luiz Fux, Celson de Melo e Rosa Weber. Em sentido contrário: Gilmar Mendes, marco Aurélio, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowiski e Alexandre de Moraes.

Flávia Elaine Remiro Goulart Ferreira

Flávia Elaine Remiro Goulart Ferreira

Advogada criminalista e sócia do escritório Cláudia Seixas Sociedade de Advogados.

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