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Endurecimento de regras na utilização do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa na transação tributária. Medida restritiva com fins arrecadatórios ou mecanismo de combater fraudes

A portaria do Ministério da Fazenda reforça critérios para transações tributárias, exigindo certificação e vínculos claros, fortalecendo segurança e confiabilidade.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Atualizado em 23 de setembro de 2025 11:27

Como é satisfatório ver o desenvolvimento da transação tributária. Confesso que ao publicar a obra "Transação Tributária: teoria e prática" pela Revista dos Tribunais, me veio a insegurança de que a obra se tornasse rapidamente desatualizada, mas esse é o risco de enfrentar tema tão novo, mas tão importante para o direito tributário do país. Ao mesmo tempo, há certo conforto em saber que por muito tempo ainda lidaremos com novidades sobre o instituto, na busca por trazer-lhe a solidez que merece.

Sendo coerente com o que aqui digo, avante para enfrentar a mais nova modificação: a portaria normativa do Ministério da Fazenda 1.976/25, que altera parcialmente a portaria MF 1.584/23, relativa à transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e de pequeno valor. Para os novos no tema, é importante pontuar: a lei 13.988/20 trouxe os parâmetros gerais da transação para a esfera federal, havendo a normatização pelos órgãos da administração direta, como a PGFN (portaria 6.757/22) e a RFB (portaria 555/25). A portaria do Ministério da Fazenda possui hierarquia superior e deve ser observada por esses dois órgãos, pois ambos integram sua estrutura. E o que a nova portaria busca? Na humilde visão de quem escreve, aumentar o rigor e evitar fraudes (ou tentativas de fraude) na utilização do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL.

De forma objetiva, a portaria incluiu o §3º ao art. 6º, estabelecendo três requisitos cumulativos para a utilização desses créditos em transações tributárias. Vejamos:

Art. 6º

............................................................................................................................

§ 3º Sem prejuízo dos demais critérios e limites previstos em edital, somente poderá ser utilizado crédito de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL:

I - apurado e declarado à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil até o último dia do exercício anterior à celebração da transação;

II - cuja existência, regularidade escritural e disponibilidade tenha sido certificada por:

a) auditor independente, no caso de utilização de crédito em montante superior a R$ 100.000.000,00 (cem milhões de Reais); ou

b) profissional contábil com registro regular no Conselho Regional de Contabilidade, nas demais hipóteses; e

III - de titularidade do sujeito passivo ou, não o sendo, de titularidade de pessoa jurídica controladora, controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente pelo sujeito passivo, desde que essa condição seja contemporânea aos créditos negociados e se mantenham até a efetivação da transação." (NR)

Art. 2º Esta portaria normativa entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se aos editais publicados a partir de sua vigência.

Em primeiro lugar, determinou que somente poderão ser aproveitados aqueles créditos que tenham sido apurados e declarados à Receita Federal até o último dia do exercício anterior à celebração da transação. Em segundo lugar, impôs a certificação da existência, regularidade escritural e disponibilidade desses créditos, que deverá ser feita por auditor independente quando o montante for superior a R$ 100 milhões, ou por profissional contábil regularmente registrado no Conselho Regional de Contabilidade nas demais hipóteses. Em terceiro lugar, condicionou a utilização dos créditos à sua titularidade pelo próprio sujeito passivo ou, alternativamente, por empresa controladora, controlada direta ou indiretamente, ou sociedade sob controle comum, desde que essa relação societária seja contemporânea à constituição dos créditos e se mantenha até a efetivação da transação.

Esse primeiro requisito - apuração e declaração até o último dia do exercício anterior - merece reflexão. A leitura que faço é de que não há impedimento para que, no exercício anterior, a empresa declare prejuízos fiscais ou bases negativas de períodos ainda mais antigos. O que se exige é que, até a data de corte estabelecida, esses créditos estejam regularmente declarados e reconhecidos perante a Receita. A norma, portanto, fixa um marco temporal de controle, e não uma limitação material ao aproveitamento. Obviamente que seria presunçoso da nossa parte tentar adivinhar os critérios utilizados pelo normatizador, mas na minha visão o estabelecimento desse critério temporal é iniciativa interessante para fins de organizar os saldos do ano corrente, podendo ser utilizados no exercício, deixando para ser utilizado no mecanismo excepcional da transação tributária os saldos acumulados.

O inciso III, por sua vez, trouxe a exigência de que os créditos estejam vinculados a relações societárias contemporâneas ao momento de sua constituição. Ou seja, não basta que, no momento da transação, haja vínculo entre as empresas. A leitura mais adequada é de que a condição de controladora, controlada ou coligada deve existir já no instante em que o crédito foi constituído, seja por declaração do contribuinte, seja por lançamento tributário de ofício. Essa escolha normativa reflete uma preocupação em assegurar que apenas créditos autênticos, lastreados em relações econômicas reais e preexistentes, possam ser aproveitados.

A mesma disposição ainda exige que essa condição societária se mantenha "até a efetivação da transação". Aqui, a redação abre espaço para alguma dúvida. Me parece que a efetivação deve ser entendida como a assinatura do termo de acordo, isto é, o momento em que a transação se concretiza juridicamente. Todavia, não se pode descartar a possibilidade de que a intenção do normatizador tenha sido outra, eventualmente vinculada à extinção do crédito tributário incluído no ajuste. Ainda assim, pela coerência sistêmica, a interpretação que melhor se ajusta é a de que o requisito deve ser observado até a formalização do acordo.

Superada a análise técnica, cumpre registrar que a portaria representa avanço importante. O mercado de transação tributária vinha sendo afetado pela atuação de profissionais de conduta duvidosa, que, aproveitando-se da baixa familiaridade de muitos contribuintes com o direito tributário, ofereciam soluções artificiais e sem lastro jurídico consistente. Essa prática não apenas expõe empresas a riscos consideráveis, como também compromete a reputação e a competitividade de profissionais sérios, que atuam com rigor técnico e ético. Ao exigir certificação independente e impor critérios objetivos para a utilização dos créditos, a portaria contribui para sanear o ambiente, elevando o padrão de confiabilidade e afastando condutas oportunistas. É medida que valoriza o trabalho responsável de advogados e contadores, confere maior segurança jurídica às transações e fortalece a credibilidade do instituto da transação tributária no cenário nacional.

Luciano Faria

Luciano Faria

Advogado. Sócio da João Domingos Advogados. Mestrando em Direito Tributário pelo IDP/DF. Especialista em Direito Tributário pelo IBET/GO. Autor do livro Transação Tributária pela Editora RT.

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