A importância histórica das Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil
O que a história das CPIs nos revelam sobre a política brasileira?
quinta-feira, 25 de setembro de 2025
Atualizado às 13:36
Na semana passada, o Brasil inteiro assistiu e acompanhou o depoimento do advogado Nelson Willians na CPMI do INSS, por meio da qual Parlamentares investigam fraudes em desvios e descontos indevidos em aposentadorias. Essa atípica atividade parlamentar representa um dos mais importantes instrumentos de fiscalização à disposição do Poder Legislativo. Este artigo busca mergulhar na trajetória das CPIs no Brasil para avaliar seu papel, importância e os desafios que limitam seu impacto.
A separação dos Poderes, consagrada na teoria elaborada por Montesquieu em sua obra Espírito das Leis, promove a divisão do Estado em três distintos Poderes (Judiciário, Executivo e Legislativo), cada um com funções distintas e com mecanismos de controle recíprocos, a fim de que não haja supremacia de um sobre o outro.
Nesse contexto, a função atípica do Poder Legislativo de investigar atos relacionados com a Administração Pública não é uma invenção recente. O primeiro esboço de uma investigação parlamentar no Brasil remonta aos anos de 1826, quando deputados e senadores se reuniram para investigar e analisar as condições do Banco do Brasil1.
Contudo, as CPIs no Brasil possuem como marco legislativo a Constituição de 1934, a primeira a prever formalmente o instituto, que deu origem, já em 1935, à Comissão de Inquérito para Pesquisar as Condições de Vida dos Trabalhadores. Com o Estado Novo de Getúlio Vargas, a Constituição de 1937 suprimiu esse mecanismo de controle legislativo, que somente retornou com a Constituição Federal de 1946.
Atualmente, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 58, §3º conferiu ao Poder Legislativo a atípica função de investigar fatos e condutas criminosas, estabelecendo que as CPIs terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Essa prerrogativa confere às comissões a capacidade de tomar depoimentos, quebrar sigilos bancário, fiscal e de dados, e convocar ministros de Estado, permitindo que o Legislativo investigue e exponha fraquezas e irregularidades em questões de interesse público.
Para além das previsões constitucionais, foram os casos concretos que definiram a importância das CPI's na política brasileira, as quais reproduziram as tensões existentes em cada período histórico.
Em 1992, surgiu a CPMI de PC FARIAS que mudou a história do Brasil, cujo foco era investigar um esquema de corrupção envolvendo o tesoureiro da campanha do então presidente Fernando Collor. Como resultado direto das investigações, o presidente da República renunciou para evitar o processo de impeachment.
Um ano depois, o Poder Legislativo tomou um rumo inédito, eis que passou a investigar seus pares, marcando a história da república brasileira com a CPMI dos Anões do Orçamento, que demonstrou que parlamentares recebiam propina para incluir emendas no orçamento e beneficiar empresas fantasmas, resultando na cassação de seis deputados e duas renúncias.
Em 2005, o Parlamento brasileiro, através de uma CPMI, começou a investigar denúncias de corrupção nos Correios, o que levou à descoberta do mensalão e desencadeou em uma das maiores crises políticas do Governo Lula e na ação penal 470.
No ano de 2021, o Senado Federal instaurou a CPI da covid-19, visando investigar ações e omissões do Governo Federal durante o enfrentamento da pandemia do Covid-19, cujo Relatório Final resultou no indiciamento de 80 (oitenta) pessoas, incluindo o então presidente da República.
Todos esses exemplos demonstram o potencial que Comissões Parlamentares de Inquérito possuem para expor casos de corrupção e influenciar políticas públicas, atingindo, inclusive, o mais alto escalão do Poder da República.
Apesar dos sucessos notórios, a análise dos dados históricos revela que a eficácia das CPIs nem sempre é a regra. Segundo fontes abertas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, entre 1987 e 2021, foram realizados 454 requerimentos para a criação de CPIs no Legislativo federal. Desse total, 193 comissões foram efetivamente instaladas, mas sua grande maioria não chegou a conclusões efetivas, o que ajudou a popularizar o jargão de que muitas investigações "terminam em pizza".
Atualmente, o cenário de forte polarização política, a disseminação de notícias falsas e o papel das redes sociais dificultam a seriedade dos trabalhos. As investigações, transmitidas em tempo real, não raro se transformam em palanque político, enquanto os fatos sob apuração são relegados a segundo plano.
A história das Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil é marcada por uma dicotomia fundamental. Por um lado, elas se afirmaram como um instrumento indispensável da democracia, capazes de desvendar grandes esquemas de corrupção e de responsabilizar os mais altos agentes do poder. Por outro, sua trajetória é repleta de investigações inconclusas, instrumentalização política e baixa efetividade prática, o que alimenta uma recorrente frustração pública.
Essa dualidade, contudo, não diminui a relevância do instituto. Mesmo as investigações que não alcançam conclusões efetivas cumprem um papel crucial ao lançar luz sobre temas de interesse público, fomentar o debate nacional e garantir um nível de transparência que, de outra forma, não existiria. Elas funcionam como um registro histórico da fiscalização cidadã, exercida por meio dos representantes eleitos, reafirmando o princípio de que, em uma democracia, nenhum poder deve ser isento de escrutínio.
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1 https://www.camara.leg.br/noticias/400788-primeiras-investigacoes-parlamentares-no-brasil-ocorreram-em-1826/
João Vitor Comiran
Advogado no Kohl & Maia Advogados.


