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Multipropriedade: Como o distrato judicial pode reverter prejuízos

A multipropriedade prometia lazer e patrimônio acessível, mas tornou-se passivo para muitos. O artigo mostra como o distrato judicial pode reverter prejuízos.

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Atualizado às 11:14

O conceito de multipropriedade, ou time-sharing, desembarcou no Brasil com uma promessa sedutora: a aquisição de uma fração de um imóvel de lazer de alto padrão por um custo acessível, garantindo férias anuais em um destino dos sonhos. Para o investidor, parecia a união perfeita entre patrimônio e qualidade de vida. Contudo, a realidade tem se mostrado drasticamente diferente para muitos, transformando o que era um ativo desejado em um verdadeiro passivo financeiro e administrativo.

Este artigo se propõe a desvendar a armadilha por trás desses empreendimentos e a apresentar a solução jurídica mais eficaz para reverter o prejuízo: o distrato judicial.

1. A anatomia da armadilha: Por que o sonho se torna um pesadelo?

A frustração com a multipropriedade geralmente se origina de uma combinação de fatores que raramente são esclarecidos no momento da venda, quase sempre conduzida sob forte apelo emocional.

  • Custos ocultos e crescentes: A parcela mensal é apenas a ponta do iceberg. Taxas de condomínio, manutenção, IPTU e outras contribuições associativas surgem como uma despesa fixa e crescente, independentemente do uso da propriedade.
  • Dificuldade de uso: A promessa de fácil agendamento das semanas de uso esbarra em sistemas de reserva complexos, baixa disponibilidade em períodos de alta temporada e uma concorrência acirrada com milhares de outros coproprietários.
  • Baixíssima liquidez: Tentar vender uma fração de multipropriedade no mercado secundário é uma tarefa hercúlea. A desvalorização é acentuada e a demanda é praticamente inexistente, prendendo o proprietário a um contrato sem saída aparente.
  • Promessas vazias: Muitos vendedores prometem a possibilidade de intercâmbio de semanas em outros resorts de luxo ao redor do mundo, um benefício que, na prática, se revela limitado, burocrático e, por vezes, oneroso.

Diante desse cenário, o proprietário se vê acorrentado a um custo mensal perpétuo, sem a contrapartida do lazer prometido e sem a possibilidade de se desfazer do "ativo". É neste ponto que o sonho se converte em um passivo real.

2. O distrato judicial: A saída estratégica para estancar o prejuízo

Quando a tentativa de um distrato amigável com a incorporadora falha - o que ocorre na maioria dos casos, com propostas de retenção abusivas ou a simples recusa em rescindir -, a via judicial se torna o único caminho viável.

A ação de rescisão contratual, popularmente conhecida como distrato judicial, é o instrumento jurídico que permite ao comprador encerrar o vínculo com o empreendimento e reaver parte substancial dos valores pagos. O fundamento é claro: ninguém é obrigado a se manter vinculado a um contrato que não mais deseja, especialmente quando este se torna excessivamente oneroso.

A jurisprudência brasileira é consolidada em proteger o consumidor nesses casos, reconhecendo seu direito de desistir do negócio.

3. A medida liminar: Suspendendo a sangria financeira imediatamente

Talvez o benefício mais imediato e poderoso do distrato judicial seja a possibilidade de obter uma medida liminar (tutela de urgência) logo no início do processo. Comprovada a intenção de rescindir e a verossimilhança do direito, o juiz pode determinar, em poucos dias ou semanas:

  • A suspensão imediata da cobrança das parcelas do contrato.
  • A suspensão da cobrança das taxas de condomínio e outras associativas.
  • A proibição de que a empresa inclua o nome do comprador em cadastros de inadimplentes, como SPC e Serasa.

Essa medida representa um alívio financeiro instantâneo, permitindo que o proprietário pare de "sangrar" enquanto o mérito da ação é discutido, trazendo tranquilidade e fôlego para o restante do processo.

4. Patrimônio de afetação: O que muda e como a justiça o interpreta?

Muitos contratos de multipropriedade recentes incluem a cláusula de patrimônio de afetação, um mecanismo criado pela lei 13.786/18 (a "lei do distrato"). Em tese, essa cláusula permitiria à incorporadora reter até 50% dos valores pagos em caso de rescisão por iniciativa do comprador.

Essa é a principal arma das empresas para desestimular o distrato. Contudo, o que os vendedores não explicam é que a aplicação desse percentual não é absoluta e tem sido amplamente questionada e mitigada pelo Poder Judiciário.

Os tribunais têm entendido que a retenção de 50% se mostra abusiva e desproporcional na maioria dos casos concretos, configurando um enriquecimento ilícito da incorporadora, que poderá revender a mesma fração a um terceiro.

Dessa forma, mesmo em contratos com patrimônio de afetação, a jurisprudência majoritária tem se inclinado a fixar a retenção em patamares muito mais razoáveis, geralmente entre 10% e 25% dos valores pagos, garantindo ao consumidor a restituição de 75% a 90% do capital investido.

A tese jurídica é que a lei não pode dar margem a uma penalidade que aniquile o patrimônio do consumidor, violando os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual.

5. A recuperação do capital: O cenário real nos tribunais

Independentemente da existência do patrimônio de afetação, o entendimento consolidado, especialmente no STJ, é de que o percentual de retenção pela vendedora deve se limitar a um patamar justo, que cubra as despesas administrativas e de publicidade, sem gerar prejuízo excessivo ao comprador.

A regra geral, portanto, é a restituição de 75% a 90% dos valores pagos, corrigidos monetariamente e pagos em parcela única, conforme determina a súmula 543 do STJ:

"Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento."

Essa devolução em parcela única é crucial, pois impede que a empresa proponha uma restituição parcelada e infindável, garantindo a efetiva recuperação do capital.

Conclusão: Revertendo o cenário com estratégia jurídica

A multipropriedade, embora vendida como um investimento inteligente e uma porta de entrada para o lazer de luxo, pode rapidamente se transformar em uma armadilha financeira. As parcelas, taxas e a falta de liquidez criam um passivo que corrói o patrimônio e a tranquilidade do proprietário.

Felizmente, o Direito oferece uma solução robusta e eficaz. O distrato judicial, amparado por uma jurisprudência sólida e protetiva, permite não apenas romper o vínculo contratual, mas também recuperar entre 75% e 90% de todo o valor investido. A obtenção de uma medida liminar para suspender os pagamentos confere um alívio imediato, tornando a estratégia ainda mais vantajosa.

Se você se encontra nessa situação, saiba que não está sozinho e que não precisa se conformar com o prejuízo. A chave para reverter o cenário é a ação.

Sammuel Victor Macedo Almeida

Sammuel Victor Macedo Almeida

Sócio do ALMD Advogados. Advogado especialista em Holding Familiar e Sucessão. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/RN, com atuação em proteção patrimonial e societária.

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