Base de cálculo do ITCMD
STJ define que ITBI e ITCMD não podem usar valor de referência, reforçando limites do fisco e impacto da reforma tributária futura.
terça-feira, 30 de setembro de 2025
Atualizado em 29 de setembro de 2025 14:15
A base de cálculo do ITCMD continua gerando controvérsia, porque há três impostos com a mesma base de cálculo.
De fato, tanto o IPTU, como o ITBI/ITCMD têm como base de cálculo, "o valor venal do imóvel" como se depreende, respectivamente, do art. 33 do CTN e do art. 38 do CTN, este aplicável tanto ao ITBI, quanto ao ITCMD. O CTN foi editado antes da Constituição de 1988 que desdobrou o imposto sobre transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos em dois diferentes impostos: a) a transmissão intervivos e a título oneroso que ficou inserida na competência tributária dos municípios (ITBI); e b) a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos que ficou atribuída aos estados e ao Distrito Federal (ITCMD).
No que tange ao IPTU e ao ITBI, inicialmente, interpretou-se a expressão "valor venal do imóvel" como sinônima de valor de mercado, confundindo o conceito doutrinário que serve de parâmetro para o legislador fixar monetariamente esse valor venal, com o valor venal que resulta da lei de regência da matéria que nós chamamos de valor legal, o qual se situa bem aquém do valor de mercado.
No município de São Paulo o valor venal do imóvel é calculado de forma objetiva segundo a lei 10.235/86, conhecida como lei da PGV, que fixa os valores unitários de metro quadrado da construção e do terreno, conforme seu padrão construtivo e localização do terreno.
No início, o TJ/SP fixou a absurda tese de que o valor venal para fins de ITBI é o valor venal do IPTU, ou o valor da transmissão, valendo o que for maior, com imediato reflexo no ITCMD considerando que os estados sempre adotaram o valor venal do IPTU, ou o valor fundiário para imóveis urbanos e imóveis rurais, respectivamente (AP 101.6503.66.2013.8.26.0053; DJe 30/12/2014; AP 0024603.66.2009.8.26.0053, DJe 3/12/2014).
Esses acórdãos foram impugnados perante o STJ porque não tem sentido fazer prevalecer o que for maior, favorecendo o fisco contra o princípio da neutralidade da legislação tributária.
Conforme sustentava o saudoso prof. Ruy Barbosa Nogueira, a legislação tributária não pode ser pró fisco, nem pró contribuinte, mas, exclusivamente pró lege.
De fato, se pode adotar a base de cálculo que mais favoreça o fisco, pergunta-se, por que não adotar a base de cálculo que mais favorece o contribuinte?
O astuto legislador aprovou a lei 14.256/06 instituindo o chamado Valor de Referência, consistente na apuração do valor de mercado do imóvel com base nas pesquisas imobiliárias feitas pela Secretaria de Finanças do município de forma periódica e disponibilizado no site da prefeitura, de obrigatória utilização pelo contribuinte, facultada a avaliação especial pelo contribuinte.
Ora, não cabe ao órgão lançador efetuar pesquisas de mercado para apurar o valor venal de cada imóvel em concreto a ser lançado, pois atentaria contra o procedimento administrativo do lançamento previsto no art. 142 do CTN que define o lançamento como procedimento administrativo vinculado, o que exclui a discricionariedade do agente público lançador.
Esse art. 142 do CTN em nenhum momento autoriza o agente lançador pesquisar o valor de mercado. Ele só pode enquadrar o imóvel objeto de lançamento no SQL - Setor, Quadra e Lote - e aplicar o valor unitário de metro quadrado do terreno e da construção de acordo com as tabelas anexas na PGV - Planta Genérica de Valores - aprovada pela lei 10.235/1986 que fixa, em abstrato, o valor venal de milhares de imóveis situados no território urbano de município de São Paulo.
Entretanto, o município de São Paulo, por meio dos arts. 7-A e 7-B da lei 11.154/91, acrescidos pela lei 14.256/06, estabeleceu o VVR - Valor Venal de Referência - disponibilizando o valor venal de cada imóvel em concreto, de obrigatória utilização pelo contribuinte (art. 7-A), facultada ao contribuinte a avaliação especial do imóvel de acordo com os valores das transações imobiliárias (art. 7-B).
Ora, por se tratar o ITBI de um imposto de lançamento por homologação caberia ao município proceder à avaliação especial, caso não concorde com o valor atribuído pelo contribuinte, assegurado o contraditório.
Esse VVR passou a ser adotado como base de cálculo do ITBI. E o Estado de São Paulo passou a adotá-lo como base de cálculo do ITCMD.
Contudo, esse Valor Venal de Referência foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do TJSP, porque não cabe ao poder público fixar em concreto o valor venal de cada imóvel a ser lançado (AI 0056693-19.2014.8.26.000, DJe de 23/4/2015).
Apesar da inconstitucionalidade declarada o município de São Paulo continua utilizando o VVR para tributar o ITBI, porque ninguém se dispõe a impugná-lo em juízo por conta dos elevados custos da ação que sai mais cara do que o valor extrapolado do ITBI. Ao contrário do IPTU não há possibilidade de ajuizamento de ação coletiva, porque o seu fato gerador ocorre em diferentes épocas e em relação a distintas pessoas.
E o estado, também, vem tirando proveito dessa situação esdrúxula.
Todavia, o STJ, em sede recursos repetitivos, apesar da identidade da base de cálculo do IPTU (art. 35 do CTN) e do ITBI (art. 38 do CTN), analisando o aspecto material do fato gerador do ITBI fixou as seguintes diretrizes:
I - Em face do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se de acordo com os valores de mercado;
II - A prévia adoção de um valor de referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN;
III - Por fim, para o efeito do art. 1039 do CPC/2015 deve-se observar as seguintes teses:
a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido, não estando vinculado à base de cálculo do IPTU que nem sequer pode ser utilizado como piso de tributação;
b) - o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado que somente poderá ser afastado pelo fisco mediante avaliação especial pela administração, assegurado o contraditório (art. 148 da CTN);
c) - o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente (Resp 1.937.821/SP, rel. ministro Gurgel de Faria, DJe de 3/3/2022).
Por conseguinte, o STJ decidiu com efeito vinculante que o Valor de Referência não pode ser utilizado como base de cálculo do ITBI e, por consequência, não pode ser adotado como base de cálculo do ITCMD.
É sabido que os estados se utilizam do valor venal do IPTU/ITBI porque eles não dispõem de cadastro imobiliário urbano. O lançamento do ITCMD em relação aos imóveis urbanos é feitos com base no valor venal do IPTU/ITBI e em relação ao imóvel rural o lançamento leva em conta o valor fundiário do imóvel.
Existem duas formas de aumentar a arrecadação do IPTU/ITBI/ITCMD: elevação da base de cálculo e aumento da alíquota. O astuto legislador procurara sempre elevar a carga tributária de forma enrustida aumentando a base de cálculo valendo-se da expressão vaga "valor venal do imóvel". Aumentar a alíquota do imposto confere transparência e o contribuinte fica sabendo imediatamente que seu imposto foi aumentado. Essa não é a forma honesta e correta de aumentar o imposto, mas infelizmente essa praxe espalhou-se como erva daninha em todas as legislações municipais. A astúcia para maldades não tem limites!
A partir de 2026 entrará em vigor o CIB - Cadastro de Imóveis Brasileiro - formado com os dados fornecidos pelos municípios e registro de imóveis. Nesse cadastro, todos os imóveis serão identificados por um código e terão o seu Valor de Referência relativamente a cada imóvel cadastrado.
Se na sua declaração de ajuste anual do IRPF estiver constando o endereço residencial em local que não seja qualquer um dos imóveis declarados, a Inteligência Artificial, verificando a ausência de declaração de rendimentos desses imóveis, concluirá que os imóveis estão alugados ou arrendados e promoverá o lançamento retroativo a cinco anos com imposição de multa.
Espera-se o crescimento das demandas judiciais com a entrada em vigor da reforma tributária em que o fisco utilizará a IA para monitorar o destino dado a cada imóvel declarado, sendo certo que não será possível, igualmente, omitir a declaração de imóveis porque todos eles constarão do CIB.
A grande pergunta que se faz é se é possível a lei complementar, que regulamentou o IBS/CBS, alterar a base de cálculo do IPTU/ITBI e do ITCMD, interferindo na competência tributária dos municípios e dos estados.
A raiz desse CIB, creio eu, está no inciso III do § 1º do art. 156 da CF que permite o Executivo atualizar a base de cálculo do IPTU, conforme critérios estabelecidos em lei municipal. A expressão "base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo" tem o sentido de aumentar, pois simples atualização monetária não depende de lei, conforme disposição expressa do § 2º do art. 97 do CTN.
Se a União pode alterar a base de cálculo do ITBI/IPTU e por reflexo a base de cálculo do ITCMS segue-se que esses impostos foram federalizados a exemplo do ICMS e do ISS que foram incorporados no IBS dual.
Realmente, a base de cálculo é um dos elementos do fato gerador da obrigação tributária que define, entre outras coisas, o sujeito ativo do imposto.
O legislador da União inspirou-se na legislação do município de São Paulo que inventou o VVR - Valor Venal de Referência - alimentado periodicamente mediante pesquisas de mercado e de aplicação cogente. Essa malsinada legislação municipal de São Paulo espalhou-se como erva daninha em todos os municípios. Ele foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do TJ/SP, porque não cabe ao fisco fixar em concreto o valor venal de cada imóvel a ser tributado, nem pode convolar o lançamento por homologação, em lançamento de ofício.
Outrossim, como vimos, o STJ tem posição contrária à utilização do Valor Venal de Referência.
Enfim, aguarda-se uma avalanche de demandas judiciais, como nunca antes visto, com a entrada em vigor do novo sistema tributário que coloca de cabeça para baixo o sistema tributário vigente.
Ainda há tempo para voltar atrás, desmembrando do IBS dual em IBS estadual e em IBS municipal tornando dispensável o Comitê Gestor, como previsto no nosso projeto de contrarreforma.
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.


