Ações de improbidade anteriores à lei 14.230/21: STF, ADIn 7.236 e a tese da prescrição intercorrente de 5 anos
A prescrição intercorrente de 5 anos deve ser aplicada às ações de improbidade anteriores à lei 14.230/21, por segurança jurídica e vedação à retroatividade.
terça-feira, 30 de setembro de 2025
Atualizado em 29 de setembro de 2025 14:32
A análise da prescrição intercorrente de cinco anos para ações de improbidade administrativa ajuizadas antes da lei 14.230/21 e ainda sem sentença exige exame atento da transição normativa, da natureza material da prescrição e da jurisprudência recente do STF, em especial a liminar concedida na ADIn 7.236.
A lei 8.429/1992, em sua redação original, não previa expressamente a prescrição intercorrente, mas estabelecia, no art. 23, prazos para o ajuizamento da ação de improbidade. Antes da reforma de 2021, consolidou-se o entendimento de que o prazo era de cinco anos, contados do término do exercício do cargo ou da função.
Embora inexistisse menção expressa à prescrição intercorrente, parte da doutrina e da jurisprudência já admitia sua aplicação, a partir da simetria entre a pretensão principal e a processual: se o Estado não podia aguardar indefinidamente para propor a ação, tampouco poderia manter o réu vinculado a um processo inerte por período superior ao prazo prescricional originário.
Com a lei 14.230/21, houve modificação profunda no regime da prescrição. O novo caput do art. 23 fixou prazo de oito anos para a ação, enquanto o § 5º introduziu a prescrição intercorrente, dispondo que, se entre os marcos interruptivos decorrer período superior à metade do prazo prescricional, o juiz deverá reconhecê-la.
Na prática, estabelecia-se a prescrição intercorrente de quatro anos entre atos interruptivos. Essa regra, contudo, foi questionada no STF na ADIn 7.236, ocasião em que o ministro Alexandre de Moraes, em decisão liminar, suspendeu a eficácia da expressão "pela metade do prazo previsto no caput", por entender que a redução comprometeria a proteção ao patrimônio público e poderia ensejar a prescrição em massa de processos complexos.
Diante desse quadro, coloca-se a questão intertemporal: qual prazo deve reger as ações ajuizadas antes da vigência da lei 14.230/21 e que ainda não foram sentenciadas?
A tese que ganha consistência é a de que, nesses casos, a prescrição intercorrente deve ser reconhecida no prazo de cinco anos, apoiada em três fundamentos principais.
Primeiro, o princípio da simetria.
Se a pretensão sancionatória originária, sob a redação antiga da LIA, estava sujeita ao prazo de cinco anos, a prescrição intercorrente deve observar o mesmo parâmetro, sob pena de se criar um descompasso. Não faria sentido exigir o ajuizamento em cinco anos e permitir que a ação tramitasse indefinidamente sem sentença.
Segundo, a vedação à retroatividade da lei mais gravosa.
No Tema 1.199, o STF assentou que as alterações da lei 14.230/21 em matéria de prescrição não retroagem em prejuízo do réu. Dessa forma, não se pode aplicar o novo prazo de oito anos ou o regime intercorrente dele derivado às ações propostas antes da reforma. Como instituto de direito material, a prescrição deve observar o regime vigente à época do fato e do ajuizamento da demanda, admitindo-se retroatividade apenas quando benéfica ao acusado.
Terceiro, a natureza material da prescrição e sua vinculação aos princípios constitucionais.
A prescrição limita o poder sancionatório estatal e protege o jurisdicionado contra a perpetuidade da ameaça de sanção. Permitir que processos ajuizados sob o regime anterior tramitem indefinidamente, desconsiderando o prazo quinquenal, afrontaria a segurança jurídica, a legalidade e a razoável duração do processo.
Na prática, a contagem do prazo intercorrente de cinco anos deve considerar a inércia processual após o recebimento da inicial ou outro marco relevante. Se, a partir daí, transcorrer período superior a cinco anos sem sentença, cabe o reconhecimento da prescrição, seja por provocação da defesa, seja de ofício pelo juiz, como autoriza a lei.
A adoção dessa tese pode resultar na extinção de um número significativo de ações de improbidade que se arrastam há mais de cinco anos sem decisão de mérito. Para os réus, significa uma via de defesa eficaz contra a pretensão sancionatória do Estado; para o Judiciário, representa o dever de controlar os prazos e impedir a perpetuação de processos sem desfecho em tempo razoável.
É verdade que a liminar do STF na ADIn 7.236 não enfrentou diretamente a situação das ações ajuizadas antes da lei 14.230/21, limitando-se a suspender a regra de redução pela metade do prazo. Ainda assim, ao reforçar a ideia de simetria entre prazo prescricional e intercorrente, a decisão oferece argumento adicional para sustentar que, nos processos antigos, o prazo aplicável é o de cinco anos.
Conclusão: Nas ações de improbidade ajuizadas antes da lei 14.230/21 e ainda sem sentença, a prescrição intercorrente deve observar o prazo de cinco anos, conforme o regime anterior da LIA, pois essa interpretação assegura segurança jurídica, respeita a irretroatividade da lei mais gravosa e concretiza a garantia constitucional da razoável duração do processo.
Diego da Mota Borges
Advogado e Professor Universitário; Mestre Interdisciplinar; Especialista em Direito Processual Civil e Direito Penal Econômico; Sócio escritório Moisés Volpe, Vicari e Del Bianco Advogados.


