Da desnecessidade de alteração da lei 8.906 para permitir consórcios entre sociedades de advogados
O PL 3716/19 busca permitir consórcios entre sociedades de advogados, mas análise aponta redundância, já que a lei 14.365/22 resolve a questão tributária e garante parcerias.
sexta-feira, 3 de outubro de 2025
Atualizado em 2 de outubro de 2025 09:47
O PL 3.716/19, atualmente aguardando pauta na CCJC - Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, de autoria da deputada federal professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), propõe a inclusão dos §§ 8º, 9º e 10 ao art. 15 da lei 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB). O texto sugerido é o seguinte:
Art.15
§ 8º As sociedades de advogados podem firmar entre si consórcio para prestação de serviços jurídicos, delimitando cada qual o âmbito de atuação e as responsabilidades perante si e perante terceiros.
§ 9º Somente podem participar do consórcio a que se refere o § 8º, a sociedade de advogados com registro dos seus atos constitutivos aprovado no Conselho Seccional da OAB, em cuja base territorial tiver sede.
§ 10 O disposto nos §§ 8º e 9º se aplica à sociedade unipessoal de advocacia. (NR)
A Comissão Nacional de Sociedades de Advogados do Conselho Federal da OAB, sob relatoria do advogado Antônio Chaves Abdalla, emitiu uma nota técnica contrária à aprovação do projeto, apontando que a legislação vigente já contempla mecanismos adequados para parcerias entre sociedades de advogados. A seguir, apresento uma análise detalhada dos principais pontos abordados.
Natureza jurídica do consórcio
O consórcio, conforme disposto nos arts. 278 e 279 da lei 6.404/1976 (lei das sociedades por ações), é caracterizado como um contrato entre sociedades para a execução de determinado empreendimento. Não se trata de uma sociedade propriamente dita, porque o consórcio não possui personalidade jurídica. As consorciadas se obrigam apenas nas condições previstas no contrato.
Por outro lado, o art. 16 da lei 8.906/1994 veda o registro e funcionamento de sociedades de advogados que apresentem características de sociedades empresárias. Assim, a previsão de consórcios, como proposta no PL 3.716/19, não se alinha à natureza jurídica das sociedades de advogados, que não podem adotar práticas empresariais.
Mecanismos já previstos na legislação
A legislação atual há muito oferece instrumentos robustos para a colaboração entre sociedades de advogados, sem a necessidade de criação de consórcios. O provimento 112/06 e o provimento 170/16 da OAB regulamentam ajustes e distratos de associação ou colaboração entre sociedades de advogados, que devem ser averbados à margem do registro da sociedade.
Além disso, a lei 14.365/22, sancionada em 2 de junho de 2022, trouxe alterações significativas ao Estatuto da Advocacia, incluindo o § 9º ao art. 15, que estabelece:
Art.15,§9º
A sociedade de advogados e a sociedade unipessoal de advocacia deverão recolher seus tributos sobre a parcela da receita que efetivamente lhes couber, com a exclusão da receita que for transferida a outros advogados ou a sociedades que atuem em forma de parceria para o atendimento do cliente.
Essa disposição é suficiente e resolve a questão tributária mencionada na justificativa do PL 3716/19, permitindo que as sociedades colaborem sem incorrer em bitributação. Além disso, o § 8º do art. 22 considera como honorários convencionados aqueles decorrentes da indicação de clientes entre advogados ou sociedades de advogados, reforçando a viabilidade de parcerias formais.
Redundância e Inadequação do PL 3.716/19
O PL 3716/19 apresenta uma redação que, além de ser anterior à lei 14.365/22, não traz inovações práticas para o regime jurídico das sociedades de advogados. A proposta é redundante, porque:
- A legislação já permite associações e parcerias entre sociedades de advogados, com registro e transparência garantidos pela OAB.
- A responsabilidade civil e disciplinar dos advogados e das sociedades está claramente definida no Estatuto da Advocacia, não havendo necessidade de delimitação adicional no âmbito de consórcios.
A questão tributária foi solucionada pela lei 14.365/22, que assegura a tributação proporcional à receita efetivamente recebida individualizada por sociedade.
A aprovação do PL 3.716/19 seria inócua e desnecessária, configurando um caso de bis in idem legislativo.
Considerações finais
Conforme bem apontado na nota técnica da Comissão Nacional de Sociedades de Advogados, a legislação vigente já atende às necessidades de colaboração entre sociedades de advogados, sem comprometer a transparência, a responsabilidade ou a segurança jurídica. A recente atualização trazida pela lei 14.365/22 reforça ainda mais a desnecessidade de alterações no Estatuto da Advocacia para permitir consórcios. Dessa forma, conclui-se que o PL 3.716/19 não deve ser aprovado, porque não apresenta justificativa suficiente para modificar a lei 8.906/1994.
Stanley Martins Frasão
Advogado, sócio de Homero Costa Advogados Diretor Executivo do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados Membro da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados do Conselho Federal da OAB



