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Tema 1.124 julgado pelo STJ: Comentários críticos

A boa interpretação do Tema 1.124 do STJ depende de uma análise sistemática das normas previdenciárias e da aplicação do distinguinsh.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Atualizado às 08:14

Introdução

No dia 8/10/25, o STJ proferiu julgamento do Tema repetitivo 1.124, enfrentando uma das questões mais relevantes e controversas da prática administrativa e judicial previdenciária. O cerne da controvérsia jurídica a ser resolvida era: "Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS, se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária." Prevaleceu, nessa análise, o voto do eminente ministro Paulo Sérgio Domingues.

Considerando a relevância do tema para a uniformização jurisprudencial e a proteção social, a presente análise é fundamentada na transcrição da sessão de julgamento realizada pelo juiz Federal e professor Fábio Souza, membro da TNU - Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Embora o voto vencedor e as teses ainda não tenham sido publicados formalmente, a transcrição fornecida antecipadamente pelo professor Souza apresenta o sentido geral e o conteúdo jurídico principal do julgado.

O objetivo deste artigo é, portanto, apresentar e analisar criticamente os principais dispositivos do voto, examinando as soluções propostas pelo STJ à luz dos princípios constitucionais da máxima proteção social, do dever de instrução de ofício do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, da hipossuficiência do segurado e da moralidade administrativa. A seguir, serão apresentados e comentados os trechos do voto, buscando-se uma interpretação sistemática que promova o acertamento da relação jurídico-previdenciária.

1. Do interesse de agir

"1.1. O Segurado deve apresentar requerimento administrativo apto, ou seja, com documentação minimamente suficiente que possua para viabilizar a compreensão e a análise do requerimento;"

Comentários:

Os termos "documento apto" e "minimamente suficiente" são, de fato, conceitos indeterminados que podem gerar confusão interpretativa. O objetivo da fixação de teses em recursos repetitivos é promover a segurança jurídica pela uniformização de entendimentos. Contudo, a persistência desses conceitos exige um contínuo esforço doutrinário para balizar as decisões judiciais.

Considerando o segurado como parte hipossuficiente na relação jurídico-previdenciária com a Administração Pública, o intérprete deve analisar o processo administrativo à luz das premissas constitucionais e da lei 8.213/91 (art. 88), que positiva o dever de orientação e esclarecimento do segurado sobre os meios para exercer seus direitos. Além disso, a lei 9.784/99 estabelece diversas diretrizes ao administrador na atividade instrutória de processos administrativos Federais, notadamente o dever de intimar a parte a complementar a documentação originalmente apresentada.

Na prática, observa-se uma lamentável omissão do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social nesse papel informativo e orientador, bem como no dever fiscalizatório junto aos empregadores, visando ao fornecimento de documentos hábeis a demonstrar o direito dos segurados. Mais do que isso, no curso dos processos administrativos de requerimento de benefícios, o INSS frequentemente se abstém de cumprir seu dever de instrução processual de ofício, em conformidade com os comandos da lei 9.784/99. Em vez de promover diligências junto às empresas para sanar eventuais vícios ou solicitar informações complementares - atividade que, não raro, se torna excessivamente onerosa para o segurado, como se infere do art. 29, § 2º, da lei 9.784/99 - o INSS limita-se a impugnar o documento para, posteriormente, em sede judicial, reclamar dos vícios formais, como se tal incumbência e o respectivo ônus probatório recaíssem sobre o próprio segurado, parte hipossuficiente na relação.

Essa postura, longe de harmonizar-se com a finalidade social da previdência, transfere indevidamente ao trabalhador o encargo de uma fiscalização que é de competência estatal. Nesse sentido, é relevante o precedente do TRF-1, que estabelece: "(...) O INSS não pode se valer da sua própria omissão fiscalizatória para negar benefícios, antes de promover a devida instrução probatória que apure eventuais erros por parte do empregador na elaboração da documentação probatória Quando o juiz se depara com situações nas quais o INSS não cumpriu, adequadamente, o seu papel, é plenamente possível que faça o acertamento da relação jurídico- previdenciária (...)" (TRF-1 - (AC): 10002866620194013900, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MORAIS DA ROCHA, Data de Julgamento: 17/09/2024, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: PJe 17/09/2024 PAG PJe 17/09/2024 PAG, grifou-se)

É nesse contexto principiológico de "acertamento da relação jurídico-previdenciária", já referendado pelo STJ, que a interpretação da matéria ganha relevo. No julgamento do REsp 1.727.063-SP, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, firmou-se a orientação de que:

"Deveras, é preciso conduzir o processo civil previdenciário adequadamente à relação jurídica de proteção social. Neste ponto, é preciso reafirmar a orientação de que o pedido inicial na demanda previdenciária deve ser compreendido e interpretado com certa flexibilidade. O bem jurídico tutelado, de relevância social, de natureza fundamental, legitima a técnica do acertamento judicial. (...) A teoria do acertamento conduz a jurisdição de proteção social, permite a investigação do direito social pretendido em sua real extensão, para a efetiva tutela do direito fundamental previdenciário a que faz jus o jurisdicionado" (grifou-se).

Essa flexibilização na interpretação do pedido e a adoção da teoria do acertamento judicial são essenciais para corrigir as distorções causadas pela postura omissiva da autarquia. Se o INSS falha em sua função instrutória, cabe ao Judiciário suprir essa lacuna, promovendo as diligências necessárias para a correta comprovação do direito. A ideia não é simplesmente desconsiderar a ausência de um documento, mas sim impulsionar a instrução que o órgão administrativo deveria ter realizado, afastando o excessivo formalismo que prejudica a parte mais vulnerável.

Dada a notória hipossuficiência dos segurados em relação ao órgão gestor da previdência, o art. 29, § 2º, da lei 9.784/99 indica o caminho que a Administração Pública deve seguir para instruir adequadamente os processos administrativos. Este dispositivo não foi revogado e deve, em conjunto com o que dispõe o art. 88 da lei 8.213/91, orientar, inclusive, a interpretação dos juízes acerca do que seja "requerimento administrativo apto, ou seja, com documentação minimamente suficiente". O que pode ser insuficiente para a Autarquia Previdenciária ou até mesmo para o juiz pode não sê-lo para um segurado que não dispõe de qualquer orientação especializada para a juntada de documentos capazes de demonstrar o direito que pleiteia. O mencionado dispositivo legal é claro ao estabelecer:

"Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. (...) § 2o Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes". (grifou-se)

A interpretação da "suficiência mínima" da documentação não pode descolar-se desse mandamento legal. Se a insuficiência documental decorre de um vício que o INSS tem a prerrogativa e o dever legal de sanar, realizando diligências que seriam excessivamente onerosas para o segurado (como buscar informações junto a empresas), o requerimento deve ser considerado minimamente apto para deflagrar o dever instrutório da autarquia. A negativa do benefício sem o cumprimento integral da instrução processual ofende o princípio da proteção social e a diretriz de menor onerosidade ao administrado.

Em suma, a confusão gerada pelos conceitos de "documento apto" e "minimamente suficiente" no Direito Previdenciário deve ser resolvida pela aplicação coordenada dos princípios constitucionais de proteção social, do dever legal de orientação do INSS (art. 88 da lei 8.213/91) e do dever de instrução de ofício e de forma menos onerosa ao segurado (art. 29, § 2º, da lei  9.784/99). A persistente omissão do INSS em cumprir seu papel instrutório e fiscalizatório transfere indevidamente o ônus da prova à parte hipossuficiente, violando a finalidade social da previdência. Por isso, a teoria do acertamento judicial surge como ferramenta indispensável para que o Judiciário, ao se deparar com a falha administrativa, possa promover a correta instrução processual e garantir a tutela efetiva do direito fundamental previdenciário em sua real extensão. O formalismo excessivo e a mera impugnação documental devem ceder lugar à busca da verdade material e à concretização da justiça social.

"1.2. A apresentação do requerimento sem as mínimas condições de admissão, configurando indeferimento forçado, pode levar ao indeferimento por parte do INSS."

Comentários:

O dispositivo do voto em comento deve ser harmonizado com o art. 88 da lei 8.213/91, com os mandamentos instrutórios da lei 9.784/99 e com a base principiológica constitucional pertinente, especialmente no que se refere ao primado da máxima proteção social.

A questão central reside em definir o que seriam "mínimas condições de admissão" nos casos em que o segurado requer o seu benefício no INSS sem a representação de um advogado e não recebe uma orientação clara e didática dos servidores da Autarquia sobre quais documentos deve apresentar. Além disso, como harmonizar uma interpretação conforme a Constituição e a norma processual de regência com a tese firmada pelo STJ no Tema 1.124 quando a atividade instrutória exigida do segurado se revela muito onerosa, em ofensa ao que reza o art. 29, § 2º, da lei 9.784/99? É preciso analisar essa circunstancialidade para, então, se definir se é o caso de acertamento da relação jurídico-previdenciária ou se, realmente, houve o chamado "indeferimento forçado".

O cerne da solução está em reconhecer a hipossuficiência técnica e econômica do segurado frente à Administração Pública. O art. 88 da lei 8.213/91 impõe o dever de o INSS fornecer "orientação e informação" sobre os direitos e os meios de exercê-los, obrigação que não se restringe à mera entrega de formulários. Quando essa orientação é falha ou inexistente, o "documento minimamente suficiente" deve ser interpretado com a máxima flexibilidade.

Ademais, o art. 29, § 2º, da lei 9.784/99 estabelece o imperativo de que os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados se realizem "do modo menos oneroso para estes". Essa regra é um limite legal à inércia do INSS. Se a documentação pendente ou o saneamento do vício formal exige do segurado uma diligência que seria excessivamente custosa ou de difícil execução (como buscar documentos junto a empregadores falidos, fiscalizar o recolhimento de contribuições, ou obter informações em repartições públicas distantes), o INSS tem o dever de assumir a instrução de ofício, utilizando seus poderes administrativos e fiscais, em vez de simplesmente indeferir o pedido. A inobservância desse dever configura um "indeferimento forçado" ou, pior, uma negativa de prestação administrativa que viola o direito fundamental.

Quando a judicialização do pleito ocorre após uma omissão clara do INSS em cumprir seus deveres de instrução e orientação, o Judiciário não pode simplesmente referendar o ato administrativo pela ausência de um documento. A tese do acertamento da relação jurídico-previdenciária, já acolhida pelo STJ, deve prevalecer.

O Judiciário, nesse contexto, atua como corretor da falha administrativa, impulsionando a fase instrutória que deveria ter sido realizada pelo INSS. Se a documentação inicial, mesmo imperfeita, contém elementos indiciários do direito do segurado, ela deve ser considerada o "mínimo suficiente" para deflagrar o dever de instrução do órgão. A negativa do benefício sem que o INSS tenha esgotado as diligências que lhe cabiam, especialmente aquelas onerosas ao segurado, torna o processo administrativo nulo ou ineficaz para o fim de proteção social, justificando a intervenção judicial com ampla investigação probatória para a concretização do direito.

Em defesa do princípio da máxima proteção social e da hipossuficiência do segurado, a interpretação dos termos "mínimas condições de admissão" e "documento minimamente suficiente" não pode ser pautada por um formalismo excessivo. O dever de orientação (lei 8.213/91) e o princípio da menor onerosidade (lei 9.784/99) devem nortear a análise, impondo ao INSS o ônus de instruir o processo de ofício, especialmente quando a diligência for custosa para o administrado. O indeferimento administrativo fundado na omissão instrutória da própria Autarquia configura um "indeferimento forçado" que deve ser sanado pela aplicação da teoria do acertamento judicial, garantindo-se a primazia do direito fundamental previdenciário sobre o rigor formal.

Clique aqui para ler a íntegra do artigo.

Alan da Costa Macedo

VIP Alan da Costa Macedo

Doutorando em D. Trab e Seguridade Social na USP. Mestre em Direito Público, Especialista em D. Constitucional, Previdenciario, Processual e Penal. Coordenador Científico do IPEDIS.

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