Trade dress no Brasil: Por que regulamentar é bom para todos?
No Brasil, o conceito garante a identidade visual de produtos, mas a ausência de registro formal cria insegurança e altos custos judiciais.
segunda-feira, 13 de outubro de 2025
Atualizado em 10 de outubro de 2025 13:34
Imagine um ativo valioso, capaz de distinguir um produto em meio a dezenas de concorrentes, fidelizar consumidores e sustentar estratégias de mercado - mas que, paradoxalmente, carece de proteção jurídica clara no Brasil. Esse é o cenário do trade dress, ou conjunto-imagem: um instrumento essencial de diferenciação comercial que, embora consolidado na prática e reconhecido pelos tribunais, ainda navega em um limbo regulatório que impõe custos elevados, incertezas e longos litígios aos seus titulares e aos concorrentes que pretendem utilizar uma mesma "linguagem de família". Compreender esse vácuo normativo e suas consequências práticas é fundamental para repensar a forma como o direito brasileiro tutela esse ativo e quais mudanças podem ser necessárias para garantir uma proteção mais eficiente, célere e acessível aos agentes econômicos.
Afinal, em um mercado cada vez mais competitivo e saturado de estímulos visuais, a identidade gráfica de um produto ou serviço pode ser tão estratégica quanto a própria marca. A ausência de mecanismos administrativos específicos para o registro de conjuntos-imagem no INPI força empresas - inclusive pequenas e médias, que representam a maioria do tecido empresarial brasileiro - a recorrer ao Judiciário para ver reconhecidos e tutelados seus direitos. O resultado é um sistema oneroso, demorado e imprevisível, que desestimula a inovação estética e fragiliza a segurança jurídica necessária para investimentos consistentes em branding e design.
Trade dress é um instituto do direito norte-americano, consagrado pela Lanham Act de 1946, que protege a aparência distintiva de produtos e serviços contra imitações enganosas. No Brasil, a proteção ao conjunto-imagem não decorre de norma legal específica, mas de uma construção jurisprudencial e doutrinária consolidada ao longo das últimas décadas, passando a ser utilizado para designar o conjunto de elementos visuais e sensoriais que conferem identidade própria a um produto ou serviço, funcionando como importante instrumento de diferenciação no mercado.
A jurisprudência brasileira tem reconhecido de forma consistente que a reprodução indevida do conjunto-imagem configura ato de concorrência desleal, passível de repressão com base na lei da propriedade industrial e no CDC. Decisões de tribunais e do STJ afirmam que não é necessária a contrafação de marca para caracterizar a infração: basta a imitação global de elementos visuais capazes de induzir o consumidor a erro ou gerar associação indevida com produtos já consolidados.
No Brasil, não existe atualmente nenhuma norma regulamentadora do INPI que permita o registro formal de um trade dress. Em razão dessa lacuna normativa, a análise de elementos essenciais à sua proteção - especialmente a distintividade - ocorre exclusivamente no âmbito judicial. Nesses casos, a comprovação depende quase sempre de perícia técnica, que se torna peça central para a definição do litígio.
O problema é que essa análise pericial envolve um grau considerável de subjetividade. A avaliação sobre se um conjunto de elementos visuais é suficientemente distintivo para merecer proteção jurídica não decorre de critérios objetivos previamente estabelecidos, mas da interpretação do perito designado pelo juízo, que muitas vezes não possui especialização específica semiótica ou branding. Com isso, ao ingressar com uma ação, nenhuma das partes tem clareza sobre qual será a conclusão pericial - e, consequentemente, o desfecho do processo.
Essa incerteza gera um ambiente de baixa segurança jurídica, em que titulares de trade dress não sabem se terão seus direitos reconhecidos e concorrentes não sabem se sua conduta será considerada ilícita.
Isso se traduz em elevados custos para apenas iniciar um litígio referente à infração do conjunto-imagem, sendo necessário incorrer em custos para elaboração de parecer inicial de semiótica, taxas oficiais, honorários advocatícios, assistência técnica, honorários periciais, dentre outros, sem uma adequada previsibilidade de que o direito sobre o trade dress em debate será reconhecido em juízo. Na prática isso significa dizer, também, que são raras as concessões de tutelas antecipadas, especialmente aquelas inaudita altera pars, geralmente requerendo o Juízo que seja realizada perícia para só então deliberar uma eventual abstenção, o que pode demorar anos.
Com essa demora, os titulares dos direitos sobre o conjunto-imagem transgredido pela parte infratora sofrem com: (i) a perda de market share e consequente erosão de preços/prejuízos; (ii) a diluição de sua marca e/ou identidade comercial; (iii) perda da posição top of mind perante consumidores; (iv) além de incorrerem em elevados custos em publicidade e propaganda para combater a confusão causada pela parte infratora. Estes danos muitas vezes não são integralmente reparados em posterior indenização, na medida em que são de difícil ou impossível quantificação, em especial porque, na prática, o valor do branding é inestimável.
A ausência de um mecanismo administrativo de registro formal, portanto, impõe barreiras que impactam diretamente a inovação, o investimento e a segurança jurídica no país. Discutir alternativas para superar esse vácuo normativo é o primeiro passo para uma política de propriedade industrial mais eficiente e acessível.
Guillermo Glassman
Advogado, professor e pesquisador com experiência em Direito Público, Propriedade Intelectual e Regulação da Saúde. Doutor em Direito Administrativo pela PUCSP, pesquisador do pós-doutorado da Faculdade de Direito da USP, é sócio do L.O. Baptista Advogados, diretor jurídico da ABFMED, Coordenador do Curso de Direito de Life Sciences da Escola de Negócios da Câmara de Comércio Brasil Canadá - CCBC e autor dos livros Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo de Medicamentos e Direito de Life Sciences (ed. Thoth, 2020 e 2025).
Diego Coelho
Diretor Jurídico da Opella Healthcare no Brasil. Especialista em Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias pela FAAP e MBA em Direito Corporativo pela FGV-SP. Possui experiência consolidada de 20 anos em propriedade intelectual e, mais especificamente, de 15 anos em life sciences, período no qual tem ocupado papeis de liderança jurídica em empresas do setor farmacêutico.




