Estruturas internacionais no planejamento patrimonial e sucessório: Quando a estratégia pode virar risco
A internacionalização de ativos exige planejamento cuidadoso, pois soluções prontas podem gerar riscos fiscais e sucessórios, comprometendo o patrimônio familiar.
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Atualizado em 15 de outubro de 2025 11:55
A discussão sobre internacionalização de ativos ganhou novo fôlego no Brasil nos últimos meses e, com isso, também se multiplicaram as ofertas de estruturas "de prateleira", vendidas como soluções prontas para proteção patrimonial. Este texto tem o objetivo de alertar quem busca estruturar ou proteger seu patrimônio (no Brasil ou no exterior) sobre os riscos dessa abordagem simplificada, e de discutir quando, de fato, a internacionalização faz sentido.
As recentes alterações nas regras de tributação de offshores e trusts trazidas com a lei 14.754/23 e a IN RFB 2.180/24, somadas ao avanço da cooperação internacional para troca de informações financeiras, colocaram o tema definitivamente no radar de empresários e famílias detentoras de patrimônio.
O que antes parecia um movimento distante, associado apenas a grandes fortunas globais, hoje se mostra cada vez mais próximo da realidade de brasileiros que desejam diversificar estratégias de proteção patrimonial, reduzir riscos e, inclusive, adiantar a sucessão para gerações futuras. Essas oportunidades de planejamento, porém, convivem agora com regras fiscais mais rigorosas e custos de conformidade crescentes. Por isso, a pergunta central neste caso é: "internacionalizar com quais objetivos?".
Essa pauta não comporta uma solução automática. De pronto, cabe-nos dizer que a internacionalização não é sinônimo exato de blindagem patrimonial ou de garantia de economia tributária. As vantagens existem e podem, sim, se adequar a perfis e projetos específicos, desde que partam de um movimento estratégico e minucioso, sob pena de comprometer não apenas a eficiência tributária, mas também a segurança do patrimônio e a harmonia da sucessão familiar.
Um exemplo recorrente está na busca por residência fiscal em países vizinhos, como o Uruguai, que adota o regime de territorialidade: apenas a renda ali gerada é tributada, o que pode ser vantajoso para quem mantém a maior parte de seus investimentos no Brasil ou em outros países. Na prática, rendimentos de aplicações financeiras ou aluguéis recebidos fora do Uruguai não sofrem tributação local, o que pode ser atraente e vantajoso para determinados tipos de estrutura patrimonial e estilo de vida.
Mas, se essa mudança de residência não vier acompanhada de uma saída fiscal formal do Brasil, substancialmente comprovada, o contribuinte continuará sendo tratado como residente fiscal brasileiro e tributado pela renda de origem brasileira e estrangeira. Nesse cenário, o que se pretendia como estratégia de eficiência pode resultar em dupla tributação, corroendo justamente a rentabilidade que se buscava preservar.
Outro instrumento que costuma despertar interesse é o trust, arranjo típico da common law pelo qual bens e direitos são entregues pelo instituidor a um administrador ("trustee") para gestão em favor de beneficiários. Amplamente utilizado em países como Estados Unidos e Inglaterra e cada vez mais difundido ao público brasileiro, o trust pode trazer benefícios de segregação patrimonial e simplificar a transmissão sucessória, dispensando um procedimento formal de inventário em muitos casos e oferecendo soluções de alta customização para negócios e patrimônios complexos.
No Brasil, no entanto, sua disciplina é fragmentada. Se, de um lado, a legislação ainda não reconhece formalmente o instituto, inexistindo no ordenamento pátrio disciplina sobre forma, constituição ou dissolução de trusts, de outro, a lei 14.754/23 passou a tributar os trusts de forma transparente, com incidência de 15% a 22% diretamente na pessoa física do instituidor ou beneficiário residente fiscal no Brasil, conforme o caso. Some-se a isso a tributação incidente na jurisdição de origem e os custos de instituição e manutenção internacional, e percebe-se que a escolha por essa ferramenta não pode ser feita de forma irrefletida. Em muitos casos, infelizmente, famílias descobrem apenas depois que os custos administrativos são altos, podendo superar, por vezes, as vantagens prometidas.
O Brasil, de sua parte, tem reduzido margens de manobra. A tributação automática de lucros de empresas controladas no exterior, ainda que não distribuídos, a atualização de ativos com reflexos imediatos no imposto e o avanço dos mecanismos de intercâmbio de informações mostram um cenário em que improvisos são cada vez mais arriscados. Estruturas criadas apenas para "reduzir imposto", de forma simplória, tendem a se tornar insustentáveis na prática.
Em alguns casos, o que se busca com um trust ou uma offshore já pode ser alcançado internamente, com menor risco e custo significativamente mais baixo. Ferramentas nacionais como o testamento, o uso coordenado de holdings operacionais e patrimoniais, a doação com reserva de usufruto, os acordos de sócios e pactos pré-nupciais bem desenhados, além de instrumentos financeiros como previdência privada (VGBL/PGBL), permitem estruturar o patrimônio de forma segregada, antecipar a sucessão e prever regras de governança.
Mais do que escolher entre "dentro" ou "fora" do Brasil, o ponto central está em combinar soluções que dialoguem com a realidade patrimonial e sucessória de cada família.
A internacionalização de ativos, portanto, seja para fins de organização patrimonial ou de planejamento sucessório, exige um diagnóstico integrado do cliente (tamanho e composição do patrimônio, fluxo de rendas, perfil sucessório, vínculos pessoais e empresariais) e das regras de tributação nacionais e internacionais aplicáveis.
Em um cenário de crescente instabilidade política global, mais do que nunca, a decisão de levar patrimônio para fora do Brasil deve ser vista não como um atalho, mas como parte de um projeto estratégico integrado e de longo prazo.
Gabriella Mariano
Advogada na área de Sucessão Empresarial e Familiar do escritório Oliveira e Olivi.


