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A cobrança de honorários em ações de cobrança de cotas condominiais

Há fortes razões jurídicas que sustentam a admissibilidade da cobrança dos honorários convencionais, especialmente em respeito à autonomia da vontade coletiva e à função social do condomínio.

domingo, 19 de outubro de 2025

Atualizado em 17 de outubro de 2025 15:11

(Im)possibilidade da cobrança de honorários convencionais em ações de cobrança ou execução de cotas condominiais

A recente decisão do STJ (REsp 1.970.623/SP e correlatos) firmou entendimento de que não é possível a cobrança automática de honorários advocatícios convencionais em ações de cobrança ou execução de cotas condominiais, quando tais honorários constam apenas da convenção, sem atuação efetiva de advogado e sem previsão contratual individualizada.

Contudo, há fortes razões jurídicas, doutrinárias e de justiça material que sustentam a admissibilidade da cobrança dos honorários convencionais, especialmente em respeito à autonomia da vontade coletiva e à função social do condomínio.

À guisa de uma necessária reflexão sobre o tema, passo a apresentar 10 (dez) fundamentos que a nosso ver justificam, em contrariedade ao entendimento esposado pelo egrégia corte, a possibilidade do sequenciamento e continuidade da cobrança de honorários advocatícios constantes das convenções de condomínio, nas respectivas ações de cobrança ou execução de condôminos inadimplentes.

1. Princípio da autonomia privada

A convenção é o estatuto jurídico do condomínio, aprovada pela coletividade e registrada, produzindo efeitos obrigacionais para todos os condôminos (art. 1.333 e 1.334 do CC). Assim, se há cláusula expressa prevendo a cobrança de honorários moratórios em caso de inadimplemento, esta decorre do exercício legítimo da autonomia privada coletiva, com eficácia contratual plena entre as partes vinculadas.

2. Força normativa da convenção condominial

As cotas condominiais têm origem em uma relação jurídica de adesão, em que o condômino anui com as disposições da convenção ao adquirir a unidade.

Portanto, os encargos pactuados, inclusive honorários, integram o pacto normativo obrigacional, não podendo ser afastados sem violação ao princípio da força normativa da convenção.

3. Finalidade compensatória e não meramente advocatícia

Os chamados "honorários convencionais" não necessariamente remuneram um advogado, mas têm caráter compensatório e pedagógico, destinados a recompor os custos administrativos e jurídicos da inadimplência, vale dizer, representam encargo de mora contratual, legítimo, tal como juros e multa.

4. Função preventiva e inibidora da inadimplência

A previsão de honorários convencionais atua como mecanismo de desestímulo ao atraso, preservando a adimplência e a saúde financeira do condomínio. Sua retirada fragiliza o cumprimento das obrigações e onera injustamente os condôminos pontuais, que acabam suportando o custo do inadimplemento alheio.

5. Natureza estatutária e coletiva da convenção

A convenção não é contrato bilateral, mas ato normativo interno, dotado de força cogente e aprovado por quórum legal qualificado (2/3 dos condôminos). Assim, a cláusula que prevê honorários convencionais não é fruto de imposição unilateral, mas da vontade soberana da coletividade condominial, o que lhe confere legitimidade democrática e validade jurídica.

6. Compatibilidade com o art. 389 e 395 do CC

Ambos os dispositivos estabelecem que o devedor responde por perdas e danos, juros, atualização monetária e honorários de advogado, se houver. Logo, os honorários previstos na convenção não violam o ordenamento, mas apenas quantificam antecipadamente a verba devida em razão da mora, evitando discussões futuras.

7. Efetividade da gestão e preservação do erário condominial

Permitir que o condomínio suporte integralmente os custos de cobrança fere o princípio da solidariedade condominial e onera os adimplentes. A previsão de honorários convencionais protege o caixa coletivo, garantindo que o condomínio não arque com despesas criadas pela inadimplência de terceiros.

8. Previsibilidade e transparência

A cobrança prevista na convenção oferece clareza prévia aos condôminos sobre as consequências do inadimplemento. Isso fortalece a segurança jurídica e evita discussões subjetivas sobre valores de honorários, conferindo transparência à relação condominial.

9. Distinção entre honorários convencionais e sucumbenciais

Os honorários convencionais não se confundem com os honorários sucumbenciais previstos no art. 85 do CPC. Enquanto estes decorrem do processo judicial e pertencem ao advogado, os convencionais decorrem da mora obrigacional, revertendo-se ao condomínio como compensação pelos custos extrajudiciais e administrativos da cobrança.

10. Princípio da razoabilidade e da função social da propriedade

O condomínio é uma comunidade jurídica que depende da contribuição de todos. A cobrança de honorários convencionais promove a justiça distributiva e o equilíbrio entre os deveres coletivos, cumprindo a função social da propriedade (art. 5º, XXIII, e 170, III, da CF). Negar sua validade absoluta penaliza os adimplentes e premia a mora, distorcendo os valores de equidade que regem a convivência condominial.

Mesmo diante da recente orientação do STJ, persistem fundamentos jurídicos, econômicos e sociais robustos que legitimam a manutenção da cobrança dos honorários previstos na convenção, desde que estejam expressamente previstos e aprovados em assembleia, tenham natureza compensatória e não abusiva e sejam cobrados com transparência e proporcionalidade.

Assim, o entendimento restritivo do STJ não tem caráter vinculante geral, permitindo que os condomínios defendam judicial e administrativamente a validade das cláusulas convencionais, com base na autonomia da vontade coletiva, no princípio da legalidade contratual e na preservação do equilíbrio financeiro condominial.

Vander Ferreira de Andrade

VIP Vander Ferreira de Andrade

Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. CEO do "Instituto Vander Andrade" (www.institutovanderandrade.com.br)

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