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Problemas relacionados ao modelo de assessoria de investimentos aos clientes de fintechs e bancos no Brasil exigem cautela

O modelo de agentes autônomos em bancos e fintechs gera riscos a clientes, pois falta formação, fiscalização e alinhamento ético, podendo causar perdas patrimoniais.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Atualizado em 15 de outubro de 2025 11:47

Alguns bancos no Brasil, especialmente os maiores e bem estruturados, permanecem trabalhando com o modelo mais seguro (ao cliente) de assessoria em investimentos, que consiste na manutenção em seu quadro, de funcionários bem formados e com experiência, em geral economistas, que em linha auxiliar aos gerentes de conta, orientam seus clientes em como melhor investir suas reservas, com respeito ao seu perfil específico, que deve atender entre outros fatores, à sua idade, fase profissional, patrimônio acumulado, necessidades familiares, et cetera.

No entanto e infelizmente, o modelo hoje dominante, que teve seu início forjado pelas primeiras fintechs aqui criadas, e que hoje apresentam-se como conglomerados financeiros, é o de contratação de escritórios de agentes autônomos, que fornecem assessores agentes autônomos de investimentos aos clientes de bancos e fintechs, e que são apresentados aos seus clientes correntistas como seus "assessores de investimento", sem qualquer menção de que os tais na realidade tem um vínculo com outra empresa, e fazendo-os em geral acreditar que se tratam de funcionários do próprio banco ou financeira.

Tal modelo tem se apresentado problemático, e vem gerando insatisfação em parte dos clientes, tendo o número de reclamações e mesmo ações judiciais sobre o tema crescido de forma exponencial, sendo que a origem dos problemas, que eram previsíveis, tem como principais causas o seguinte:

1 - Os tais AAI - agentes autônomos de investimento, em sua grande maioria, não tem sequer formação universitária, quanto menos na área financeira, pois isso não lhes é exigido, e não tem um treinamento efetivo e de longo prazo para lidar com o complexo sistema financeiro atual.

Também não tem um conhecimento efetivo sobre a ética do mercado financeiro. São pessoas que em geral estudam em uma apostila e prestam uma prova, com questões substancialmente simples, que nenhuma relação tem com a complexidade das relações humanas e empresariais que exige o trato cotidiano do sistema financeiro, uma vez que determinadas decisões equivocadas podem vir a causar transtornos ou mesmo arruinar o patrimônio pessoal ou familiar de uma vida inteira.

2 - Principalmente e acima de tudo, porque a única remuneração recebida pelos escritórios e AAI são as comissões cobradas interna corporis dos clientes das instituições financeiras para quem efetivamente prestam seus serviços.

Esse sistema costuma ser denominado de "modelo de assessoria/consultoria de investimentos gratuita", sendo de se notar que visivelmente a gratuidade assiste apenas aos bancos e fintechs que o usam. A cada vez que o "cliente assessorado" faz um investimento (também aqui denominado aplicação), um percentual vai ser direcionado ao agente que mantém contrato com a instituição.

Em melhor análise, é de se notar que o sistema é mais que gratuito para as instituições financeiras. Pois além de nada dispenderem de seu bolso, é notório que os agentes também funcionam como gerentes bancários, já que ao cliente a única figura de assessoria e coordenação/gerenciamento de sua conta é o próprio agente autônomo de investimentos.

Se tiver problema com o cartão, por exemplo, o agente é que vai resolver. Problemas de transferência, o agente assessor que resolve, e assim tudo. O banco, portanto, economiza também a remuneração do gerente, passando as tarefas ao agente, que logicamente não tem formação para tal.

Se o assessor direcionar o cliente a mudar seus investimentos a todo momento, a cada vez que é realizada uma nova aplicação, será destinado um novo percentual. Imagine este mecanismo em investimentos day trade?

Algumas aplicações pagam mais comissões do que outras, sendo possível dizer que quanto mais arriscada é a aplicação, mais comissão gera ao agente de investimentos. Por isso tem sido comum que os assessores indiquem investimentos mais arriscados que o perfil do cliente, orientando que para isso o cliente responda de forma diversa ao seu questionário de investidor, havendo casos em que o assessor comanda até o preenchimento do questionário de perfil.

Comum também e pelo mesmo motivo, a orientação dos assessores para a pulverização de dos investimentos da carteira. Pequenas quantias acabam sendo divididas em diversos fundos e títulos.

Tem sido comum, ademais, que o assessor indique ao investidor alavancar seus investimentos, ou seja, tomar dinheiro disponibilizado pelo banco em um empréstimo para fazer mais aplicações. Isso não faz qualquer sentido para ninguém, e inevitavelmente vai levar o cliente a grandes perdas. No entanto, ganhará o banco na cobrança de juros astronômicos e ganhará o agente ainda mais comissões.

Não tem sido menos comum a descoberta de que o AAI agiu sem autorização do próprio cliente, o que é facilitado pela grande confusão criada nos diversos investimentos da carteira, que tornam quase impossível ao cliente fazer um acompanhamento; e sem que haja fiscalização pelo banco ou fintech.

Fato curioso, é que ao abrir conta em um desses bancos ou financeiras, o cliente é obrigado a assinar, hoje eletronicamente, vários documentos. Nestes documentos, em geral, a figura do assessor ou AAI sequer é mencionada. Fica parecendo que tudo se dará entre instituição e cliente. O assessor fica à parte.

Repare, por exemplo, nos dizeres dos contratos de alavancagem. Aquele agente que orientou e garantiu falsamente que o procedimento iria favorecer ao cliente curiosamente nem se afigura no termo anteriormente firmado.

Quando a instituição é acionada para reparar prejuízos causados aos clientes pelos agentes, ela então vem com uma conversa novidadeira de que o seu agente é de outra empresa e isso e aquilo, e que (o banco) não tem qualquer responsabilidade.

Isso é um verdadeiro absurdo. Em relação ao cliente, aquele profissional é o preposto e representante direto da instituição, disso não há dúvidas. E existem hoje decisões de foro trabalhista que consideram mesmo tal agente como empregado mesmo do banco, com vínculo celetista.

3 - Como é notório, o sistema financeiro é um mundo à parte. Um mundo de especulações, sobressaltos, riscos diversos, linguajar próprio; e dinâmico; com alterações bastante rápidas, exigindo até dos verdadeiros especialistas, atualizações constantes e muito estudo. Nas minhas Minas Gerais, diriam que "é como dirigir um boeing (boingui)".

Qualquer pessoa leiga, e quase todos são leigos, fica absolutamente perdida. Daí que se lhe apresentam um "assessor", tido e garantido pelo banco como especialista em investimentos da instituição. Ali começa uma relação de confiança de fácil manipulação.

Os maus agentes utilizam de linguajar difícil, contam histórias diversas de veracidade duvidosa, se intitulam mestres do mercado, já ganharam isso e aquilo, e passam a manipular a confiança do seu assistido para obter grandes ganhos para si, o que indubitavelmente é incorreto e é contra as normas da profissão.

Para ser agente de verdade, seria necessário respeitar o perfil de investidor do cliente, usar o conhecimento para garantir a manutenção do patrimônio do cliente e talvez um pouco mais, e cumprir todas as normas exigíveis.

4 - Em diversos casos já analisados, é patente a falta de fiscalização do banco ou financeira quanto ao proceder dos agentes autônomos.

Seria bastante fácil às instituições a criação de sistemas eletrônicos de acompanhamento e alarmes/avisos de movimentações fora do normal, mudanças repentinas no questionário de riscos et cetera. Mas isso não é feito, talvez porque o mecanismo em geral os beneficie.

Existem ainda outras questões relacionadas que podem e devem ser esclarecidas aos clientes consumidores. Existem por exemplo diversas denúncias e investigações em andamento quanto a outras práticas adotadas por algumas instituições. Inclusive investigações quanto a esquemas de Ponzi, aqui conhecidos como esquemas semelhantes a pirâmides adaptados a atividade de algumas instituições. Como se sabe, a proliferação de instituições financeiras é e foi muito grande nos últimos tempos, e a fiscalização apresenta falhas.

No entanto, o nosso compromisso neste texto é servir aos interessados de forma simples e didática, inclusive para que leigos possam entender algumas das principais questões envolvidas na aplicação deste modelo.

Temos confiança de que órgãos e empresas de proteção ao consumidor vêm cumprindo seu papel, assim como total certeza de que nosso sistema Judiciário age de forma apropriada e justa na reparação aos diversos consumidores lesados.

Seria importante o aprimoramento das normas, no sentido de criação de um ambiente mais seguro aos "investidores", especialmente os pequenos, que lutam para produzir suas poupanças. Infelizmente parece não ser essa uma preocupação de nosso legislativo atual.

Por último, em alguns países a educação financeira é matéria de currículo escolar obrigatório. Isso não deve ficar distante das autoridades comprometidas com nosso sistema educacional.

Como conclusão, em face do aqui tratado, é muito importante que os consumidores de serviços bancários e financeiros possam se atualizar sobre as questões relacionadas, manter-se informados, e buscar uma conscientização em relação ao seu patrimônio e sua poupança.

Mauro Tavares Cerdeira

Mauro Tavares Cerdeira

Advogado graduado pela PUC - Campinas e economista graduado pela UNICAMP. Sócio do escritório Cerdeira Rocha Advogados e Consultores Legais.

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