ITBI: Eterna insegurança jurídica
STF reafirma a imunidade do ITBI na integralização de capital social com imóveis, mas ressalvas sobre fraude e inatividade geram insegurança jurídica ao contribuinte.
terça-feira, 21 de outubro de 2025
Atualizado em 20 de outubro de 2025 11:30
O art. 156, §2º, inciso I da Constituição Federal, estabeleceu a imunidade do ITBI - Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis no caso de transferência de bens imóveis em integralização de capital da pessoa jurídica, bem como em operações societárias como cisão, extinção, fusão e incorporação, desde que a receita preponderante do adquirente não esteja relacionada ao desenvolvimento de atividade imobiliária.
Com a finalidade de regulamentar o reconhecimento da imunidade do ITBI, o art. 37, §§1º e 2º do CTN definiu a caracterização da atividade preponderante quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica que receber o imóvel em integralização decorra de operações imobiliárias.
A atividade preponderante deve ser analisada nos dois anos antes e nos dois anos seguintes à integralização do imóvel, para as pessoas jurídicas já existentes à época da operação. No caso das pessoas jurídicas criadas há menos de dois anos da integralização do imóvel ao seu patrimônio, a receita operacional deve ser analisada nos três anos subsequentes ao da operação.
Na hipótese de integralização de capital social com imóveis, o STF já se posicionou no julgamento do RE 796.376/SC (Tema de repercussão geral 796), e concluiu não incidir "o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica", exceto no caso em que o valor do imóvel superar o montante do capital social integralizado.
Agora, o STF está julgando o RE 1.495.108/SP (Tema de repercussão geral 1348), tendo o relator min. Edson Fachin apresentado voto na mesma linha do Tema 796, para garantir o direito à imunidade do ITBI na integralização do capital social, mesmo no caso de empresas que possuem atividade preponderante de compra e venda ou locação de bens imóveis, restringindo-se a desoneração apenas ao limite do capital social a ser integralizado. O Relator foi acompanhado pelo min. Alexandre de Moraes, e pelo min. Cristiano Zanin, posteriormente, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do min. Gilmar Mendes.
Chama atenção o voto do min. Cristiano Zanin, que fez a seguinte ressalva: "Acompanho o voto do eminente ministro relator, salientando, contudo, que a tese ora fixada não afasta a possibilidade de que os entes tributantes municipais, com base nas particularidades do caso e mediante adequada instrução probatória, evidenciem eventual prática de simulação ou fraude à lei com o objetivo de usufruir indevidamente da imunidade tributária em questão.".
Torcemos para que essa ressalva não prevaleça na fixação da tese pelo STF, pois gera insegurança jurídica sobre o tema, e possíveis interpretações do "espírito da lei" pelo Poder Judiciário, dando força a entendimentos equivocados dos diversos Tribunais Estaduais, especialmente quando na integralização do capital com imóveis estiver envolvida pessoa jurídica sem atividades operacionais, as denominadas holdings patrimoniais e/ou familiares.
No caso do TJ/SP, por exemplo, foi instaurado IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas para analisar a imunidade do ITBI nos casos de integralização de bens imóveis ao patrimônio de sociedade empresária na hipótese em que a pessoa jurídica se encontra inativa no período compreendido pelo artigo 37, §1º e §2º do CTN.
A decisão que reconheceu o IRDR demonstra dois entendimentos distintos em relação ao reconhecimento da imunidade do ITBI:
(i) um posicionamento legalista, que entende que a inatividade da empresa nos períodos estabelecidos pelo art. 37, §1º e §2º do CTN não limita o reconhecimento da imunidade do ITBI, uma vez que o único impedimento seria auferir receita preponderantemente pelo exercício de atividade imobiliária;
(ii) um posicionamento mais restritivo, sustentando que a ausência de receita operacional, assim caracterizada como inatividade da empresa, representa desvio de finalidade da imunidade tributária, pois o reconhecimento da benesse constitucional dependeria da análise da intenção do legislador (espírito da lei), que teria sido fomentar o desenvolvimento econômico e social por meio do exercício da atividade empresarial.
Ora, a lei é escrita para garantir a clareza, previsibilidade e igualdade da aplicação das normas à sociedade, e nela a falta de atividade operacional da empresa (que para alguns significa inatividade) não representa hipótese de afastamento da imunidade do ITBI.
O legislador foi bastante claro ao especificar que a única condicionante capaz de limitar o reconhecimento da imunidade do ITBI é a existência de receita operacional preponderantemente originária de atividade imobiliária.
Não cabe ao Poder Judiciário estabelecer uma nova condicionante para o reconhecimento da imunidade do ITBI, devendo apenas se limitar à verificação de questões concretas já dispostas na lei.
Nesse sentido, pode ser destacado o acórdão do TJ/SP proferido no julgamento do recurso de apelação 1003616-19.2021.8.26.0587, que trouxe situação concreta a ser analisada pelo Poder Judiciário para reconhecimento da imunidade do ITBI, qual seja, a ocorrência de confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e dos seus sócios.
Na ocasião, o acórdão discorreu que "mesmo que não haja receita operacional, os imóveis compõem o ativo imobilizado da empresa, e estão sujeitos a registros contábeis quanto à depreciação da construção, variação do valor do terreno e a incidência de encargos periódicos como o IPTU e as cotas condominiais. Quanto às despesas, se elas fossem pagas pela sociedade, haveria receita operacional (negativa), o que afastaria a inatividade."
Portanto, mesmo que seja ignorado o posicionamento legalista para reconhecimento da imunidade do ITBI no caso das empresas inativas (sem quaisquer receitas, sejam elas positivas ou negativas), não há razão para cassar a imunidade do ITBI das empresas que suportam despesas operacionais com recursos próprios (aporte dos sócios com a devida integralização do capital social) e que incorrem em prejuízo, sendo certo que essa situação não caracterizaria confusão patrimonial ou desvio de finalidade capaz de obstaculizar o reconhecimento da imunidade.
É nesse cenário em que o "espírito da lei" pode ter mais de uma interpretação, levando a uma enorme insegurança jurídica para os contribuintes, que se dará o julgamento do IRDR pelo TJ/SP, o qual deverá ser bastante cauteloso para (a) não contrariar o entendimento do STF nos Temas de repercussão geral 796 e 1348, validando a imunidade incondicionada do ITBI nos casos de integralização de capital social com imóveis e, (b) não extrapolar a fixação de critérios concretos, como a verificação da confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios, conforme disposto em algumas decisões do Tribunal Paulista, sob o pretexto de análise do espírito da lei.
Gabriel da Costa Manita
Bacharel em Direito pela Universidade de Uberaba. Possui LL.C em Direito Empresarial e LLM em Direito Tributário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa - Insper. Advogado do escritório De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados.



