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Justiça carioca reconhece infração ao trade dress do talco Barla e determina recolhimento imediato de talcos concorrentes

Tribunal carioca reconhece apropriação indevida de identidade visual do talco Barla, determina recolhimento do produto concorrente e indenização.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Atualizado às 09:17

Não é novidade que o sistema legal brasileiro não hesita em oferecer tutela ao conjunto-imagem por meio da repressão à concorrência desleal. Tanto é verdade que o STJ já consolidou jurisprudência sobre o tema, inclusive parametrizando que, para a configuração da tutela jurídica do trade dress, devem ser comprovados: (i) a ausência de caráter funcional dos elementos; (ii) a distintividade do conjunto-imagem; (iii) a possibilidade de confusão ou associação indevida; e (iv) a anterioridade do uso (REsp 1.843.339/SP).

Justamente nesse sentido, no último dia 14 de agosto de 2025, o Poder Judiciário do Rio de Janeiro proferiu decisão de grande repercussão para o mercado de higiene pessoal e para o setor da Propriedade Intelectual.

Na origem, tratou-se de ação movida pela L.R. Nordeste S.A., do grupo Leite de Rosas, contra a Perfumaria Márcia Ltda., em que se discutia a violação ao trade dress do tradicional talco Barla, um dos líderes do mercado de talcos antissépticos. 

Após mais de cinco anos de litígio, o juiz de direito da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, dr. Victor Agustin Cunha Jaccoud Diz Torres, reconheceu que a Perfumaria Márcia infringiu o trade dress - ou conjunto-imagem - do tradicional talco Barla, ao lançar no mercado produto com identidade visual extremamente semelhante.

Em resumo, a sentença entendeu que houve apropriação indevida de elementos visuais distintivos, como a icônica combinação de cores azul e amarela, parte indissociável da embalagem do talco Barla, além do formato cilíndrico e da disposição gráfica dos elementos. Inclusive, tal sentença incluiu ordem liminar, determinando que a Perfumaria Márcia cesse imediatamente a comercialização do produto infrator e recolha todos os itens infratores que estejam disponíveis no mercado, sob pena de multa diária e ordem de busca e apreensão.

Para fundamentar sua decisão, o juiz baseou-se em análise aprofundada da legislação sobre propriedade intelectual e concorrência desleal, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (incluindo o paradigmático julgado citado no introito, o REsp 1.843.339/SP) e, de forma decisiva, no laudo pericial produzido nos autos, considerado essencial para o desfecho da demanda.

A análise pericial constatou que a combinação de cores adotada pela autora em seu produto - o predomínio da cor amarela seguido do azul, em posição recessiva - não constituía padrão no mercado relevante, revelando-se, ao contrário, uma escolha distintiva e original.

Também foi identificado que, ainda que a tampa flip top seja elemento comum nesse segmento, o uso da cor branca para tal componente não se mostrava usual, o que, em conjunto com os demais elementos visuais, reforçava a singularidade e distintividade do conjunto-imagem associado ao talco Barla. Assim, o laudo pericial destacou que os elementos visuais apropriados pela concorrente - quando combinados - extrapolavam o campo do funcional e passavam a integrar um conjunto distintivo e passível de proteção.

O estudo igualmente registrou que a comercialização do Talco Sport pela Perfumaria Márcia teve início após a consolidação da linha Barla no mercado. Observou, ainda, que, à época do lançamento do produto da ré, não havia tendência ou padrão consolidado de produtos com conjuntos-imagem tão semelhantes entre si, tampouco outro agente econômico com apresentação tão próxima à do talco Barla. Nesse sentido, concluiu que o Talco Sport apresentava maior proximidade com o conjunto-imagem do talco Barla do que com os poucos produtos de terceiros que compartilhavam algum elemento visual relevante.

Para além disso, identificou-se que o produto da ré "aproximou-se em demasia" dos aspectos distintivos do talco Barla e que tal conduta não poderia ser justificada pela chamada "Teoria da Distância1". Ademais, as provas dos autos demonstraram que a autora sempre atuou para evitar a consolidação de um padrão de mercado baseado em seu conjunto-imagem, empenhando-se em preservar a disparidade visual em relação a outros produtos do setor.

Em conclusão, a análise técnica apontou probabilidade de associação indevida entre os dois produtos. Essa associação decorria da escolha, pela ré, de um conjunto-imagem demasiadamente próximo ao da Barla, em especial pelas dimensões do recipiente, pelo uso da tampa flip top branca e, sobretudo, pela adoção da incomum combinação de cores amarela e azul - nessa ordem de predominância - no mercado relevante.

Acolhendo essas conclusões, a sentença reconheceu, então, a prática de ilícito concorrencial por parte da ré. O juízo constatou a distintividade do conjunto imagem do produto da marca Barla, observando que a comercialização da linha da ré iniciou-se após a presença, no mercado, da linha da autora, descartando a escusa da Teoria da Distância. Assim, concluiu que a apresentação global do talco Barla, da autora, e do Talco Sport, da ré, era suficientemente semelhante para que a convivência entre os produtos fosse causa geradora de confusão indevida no público consumidor.

No tocante aos pedidos indenizatórios, a decisão reconheceu a ocorrência de danos morais in re ipsa, em razão da vulgarização do produto original da autora e da consequente depreciação de sua reputação perante a clientela. Nesse ponto, fixou a indenização em R$ 30.000,00, considerando a gravidade da conduta e o impacto no mercado. Quanto aos danos materiais, determinou que fossem apurados em fase de liquidação de sentença, diante da constatação da apropriação indevida do proveito econômico gerado pelo uso parasitário do trade dress.

Embora ainda sujeita a recurso, a decisão reforça o entendimento de que a proteção ao trade dress, desde que lastreada em critérios objetivos, é de suma importância, eis que alcança o aspecto visual que se impõe no imaginário do consumidor. Reafirma, ainda, a relevância da proteção ao conjunto-imagem como instrumento eficaz de combate à concorrência desleal, destacando que a identidade visual de um produto, quando dotada de distintividade aferível, merece tutela jurisdicional.

A sentença contribui para consolidar, no Brasil, a compreensão de que o trade dress constitui ativo estratégico das empresas e que sua violação enseja não apenas medidas inibitórias, mas também reparação moral e patrimonial.

Ao reconhecer a singularidade da combinação cromática e do arranjo gráfico que caracterizam o talco Barla, o Judiciário sinaliza ao mercado que o investimento em identidade visual não pode ser livremente apropriado por concorrentes e reafirma a importância da proteção ao trade dress como ferramenta essencial de diferenciação mercadológica. Em um setor em que a percepção imediata do consumidor define espaço de prateleira e decisão de compra, resguardar conjuntos-imagem pioneiros e tradicionais significa proteger sua história, seu valor e seu protagonismo competitivo.

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1 Nas lições de Denis Borges Barbosa, quando da "análise de contrafação, anterioridade ou colidência, a marca ou trade dress sênior tem apenas a amplitude de proteção em face à marca ou trade dress junior equivalente à mesma distância que aquela mantém em face do domínio comum do mercado". Denis Borges Barbosa. A oponibilidade da marca varia com sua força distintiva e o tempo. Agosto de 2011, p. 24. Disponível em: https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/a-oponibilidade-da-marca-varia-com-sua-fora-distintiva-e-o-tempo-2011.pdf. Acesso em 1/9/2025.

Roberta Xavier da Silveira

Roberta Xavier da Silveira

Sócia e advogada do escritório Dannemann Siemsen.

Caio Richa

Caio Richa

Sócio do escritório Dannemann Siemsen.

Patricia Porto

Patricia Porto

Coordenadora acadêmica do Instituto Dannemann Siemsen.

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