Projeto de lei de dosimetria
O projeto tenta legislar sobre dosimetria da pena, mas invade competência do Judiciário e enfrenta risco de inconstitucionalidade.
terça-feira, 28 de outubro de 2025
Atualizado em 27 de outubro de 2025 12:13
O projeto de anistia em curso perante a Câmara dos Deputados sofreu pressões do STF que antecipou a inconstitucionalidade da proposta.
Diante disso, Michel Temer, Aécio Neves, Paulinho da Força e o ministro Gilmar Mendes costuraram um projeto substitutivo que chamou de dosimetria da pena, isto é, ao invés de anistia buscou encurtar o prazo do cumprimento das penas impostas.
Dosimetria, na verdade, corresponde à etapa da sentença penal condenatória e tem como objetivo individualizar a pena, isto é, ajustar a pena às circunstâncias do fato e às condições pessoais do condenado, a fim de assegurar a proporcionalidade e a justiça.
O critério para a dosimetria está previsto no art. 68 do CP que adota o sistema trifásico.
Na primeira etapa o juiz parte do mínimo legal da pena para o crime previsto. Avalia as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP como culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, e comportamento da vítima.
Como base nesses elementos o juiz poderá aumentar ou diminuir a pena-base.
Na 2ª fase o juiz examina as circunstâncias que agravam ou atenuam a pena (arts. 61 e 65 do CP), por exemplo: agravante = crime cometido por motivo torpe; atenuante = confissão espontânea.
Na 3ª fase o juiz examina as causas de aumento e diminuição da pena aplicando as majorantes e minorantes previstas no CP, ou leis especiais como lei de drogas, lei Maria da Penha.
Exemplo: Aumento de 1/3 se o crime foi cometido por mais de uma pessoa. Diminuição 1/6 a 2/3 se houver apenas a tentativa de crime.
A dosimetria busca evitar penas arbitrárias respeitando-se o princípio constitucional da individualização da pena prevista no art. 5º, XLVI da CF, a fim de assegurar a proporcionalidade entre o crime cometido e a pena aplicada.
Examinaremos um caso concreto, de furto simples previsto no art. 155 caput do CP.
A pena básica (1ª fase) tem início com o mínimo legal de 1 ano de reclusão. Depois de analisadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP fixa-se a pena-base em 1 de reclusão e multa mínima.
Na 2ª fase o juiz verifica se há agravantes ou atenuantes (art. 61 e art.65 do CP, respectivamente).
Verificando-se que o réu confessou voluntariamente o crime praticado o juiz reduz a pena para 10 meses de reclusão à vista de não existência de agravante.
Na 3ª fase o juiz verifica as causas majorativas ou minorativas previstas em lei.
Não havendo causas majorativas e minorativas o juiz mantém a pena de 10 meses de reclusão e, tendo em vista que a pena é menor que 4 anos e o réu é primário, o juiz fixa o regime inicial aberto (art. 33, § 2º, c do CP).
Pode, no caso, o juiz substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos como, por exemplo, a prestação de serviços à comunidade (art. 44 do CP).
De todo o exposto conclui-se pela absoluta impropriedade de o Poder Legislativo proceder a dosimetria da pena, matéria cabente tão somente ao Poder Judiciário. Não há como o Legislativo, que sequer conhece os corréus e nem participou da instrução probatória, pretender a individualização da pena.
Este projeto legislativo em exame na Câmara dos Deputados peca pelo vício de inconstitucionalidade ab initio ao invadir seara de atribuição cabente ao Poder Judiciário.
O presidente do Senado, David Alcolumbre, já sinalizou que o Senado irá rejeitar a iniciativa da Câmara dos Deputados.
Deveria a Câmara prosseguir com o projeto de anistia como originalmente proposto, agindo cada um em sua quadra. O STF esgotou a sua missão ao condenar os réus de 8 de janeiro fixando a pena a cada correu. Conceder ou não a anistia é prerrogativa do Congresso Nacional. Nisso se resume a independência e a harmonia dos poderes proclamada no art. 2º da Constituição Federal.
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.


