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Concurso público e o direito à colação de grau antecipada em medicina: Quando o mérito e o interesse público se unem

A antecipação da colação de grau em medicina une mérito e interesse público, reafirmando que a autonomia universitária deve servir à coletividade.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Atualizado em 27 de outubro de 2025 11:53

A discussão sobre a antecipação da colação de grau em medicina deixou de ser uma exceção pandêmica para se consolidar como um direito legítimo de ordem pública, sustentado nos princípios da razoabilidade e da eficiência administrativa. A judicialização desse tema se tornou um instrumento necessário para garantir que o mérito acadêmico e o interesse coletivo não sejam sufocados por rigores burocráticos. Entre os precedentes mais emblemáticos, destaca-se a decisão proferida pela desembargadora Agamenilde Dias Arruda Vieira Dantas, do TJ/PB, que reafirmou que o calendário acadêmico não pode se sobrepor ao dever estatal de concretizar o direito à educação e à saúde pública.

Em verdade, o caso analisado envolvia uma estudante de medicina que havia concluído mais de 91% da carga horária do curso e fora convocada, em caráter de urgência, pela Secretaria Municipal de Saúde de Itabaiana-PB para exercer função médica. A universidade, porém, negou a antecipação da colação de grau, justificando-se no cronograma institucional. Tal negativa, sob o prisma jurídico, revela a tensão clássica entre autonomia universitária e interesse público, exigindo a atuação moderadora do Poder Judiciário. Invocando o art. 47, §2º, da lei 9.394/1996 (LDB) e a lei 14.040/20, a magistrada reconheceu a legitimidade da abreviação da duração do curso diante do desempenho excepcional e da urgência sanitária, determinando a colação de grau no prazo de 24 horas.

Destarte, a decisão reafirmou um ponto crucial: a autonomia universitária não é absoluta. Ela se exerce dentro dos limites constitucionais da proporcionalidade, eficiência e função social. Quando a formalidade administrativa impede a concretização de um valor público maior - como o direito à vida e à saúde -, é dever do Estado flexibilizar o procedimento para servir à coletividade. A universidade, enquanto ente de relevância pública, não pode transformar o calendário acadêmico em barreira para o ingresso de profissionais aptos ao exercício da medicina.

Noutra senda, o fundamento jurídico invocado pela decisão revela perfeita harmonia entre o mérito individual e o interesse social. O §2º do art. 47 da LDB permite a abreviação dos estudos em casos de extraordinário aproveitamento acadêmico, enquanto a lei 14.040/20 positivou tal faculdade para cursos da área da saúde durante a pandemia. Destarte, a hermenêutica da norma deve ser orientada não pela literalidade temporal do contexto pandêmico, mas por seu espírito de razoabilidade e promoção do bem comum. Assim, a antecipação da colação de grau deve ser compreendida como instrumento de concretização do direito à educação com função social - uma aplicação do princípio aristotélico da justiça distributiva, que confere a cada um o que lhe é devido conforme seu mérito e necessidade coletiva.

Com efeito, o STJ já assentou, em decisões análogas, que a razoabilidade deve prevalecer sobre a rigidez administrativa, sobretudo quando a demora na emissão de diplomas compromete o ingresso de profissionais qualificados no serviço público. A Administração, nesse contexto, deve agir segundo a ética da finalidade pública, como ensina a doutrina contemporânea: o formalismo que nega a realidade concreta é inimigo da legalidade substancial. O Judiciário, portanto, não invade a autonomia universitária - apenas restaura o equilíbrio entre norma e justiça.

Em suma, a antecipação da colação de grau em medicina não é privilégio nem concessão graciosa: é a consequência natural do esforço acadêmico e do dever social do ensino superior. Negar tal possibilidade a quem comprovadamente concluiu a maior parte da formação e demonstra aptidão para o exercício médico é contrariar os princípios da razoabilidade, da eficiência e da dignidade da pessoa humana.

Decisões como a do TJ/PB demonstram que o mérito individual e o interesse público não são forças opostas, mas expressões complementares da justiça prática, que une a razão jurídica à necessidade social.

Assim, reafirma-se que a Justiça não é privilégio do aprovado, mas o direito de quem demonstra mérito e serve à coletividade com responsabilidade e excelência.

Ricardo Fernandes

Ricardo Fernandes

Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo

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