MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Nobel de Economia e Direito Administrativo: Destruição Criativa em contratos públicos inovadores

Nobel de Economia e Direito Administrativo: Destruição Criativa em contratos públicos inovadores

O prêmio reconhece estudos que explicam como progresso tecnológico e inovação sustentam o crescimento, mostrando que boas regras públicas estimulam criatividade e eficiência.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Atualizado em 31 de outubro de 2025 11:57

Nota de abertura - O "Nobel da Inovação" e o publicista.

A edição de 2025 do Prêmio em Ciências Econômicas em memória de Alfred Nobel laureou Joel Mokyr - "por identificar os pressupostos para o crescimento sustentado por meio do progresso tecnológico" - e Philippe Aghion e Peter Howitt  - "pela teoria do crescimento sustentado por destruição criativa" -, reconhecendo, em síntese, a explicação do crescimento impulsionado pela inovação. Não se trata apenas de um reconhecimento acadêmico. É um recado claro às instituições: a inovação não nasce num vácuo, depende de incentivos, regras e arranjos contratuais que a remunere sem aprisionar o futuro. Em termos simples, a cada salto tecnológico, novas soluções elevam a produtividade e aposentam, legitimamente, as rendas associadas à geração anterior. Se é assim, o Direito Público - sobretudo o de contratações e regulação - deixa de ser um mero "compliance" procedimental para se tornar arquitetura de desenvolvimento.

1. O que a teoria econômica nos ensina

Em linguagem didática, Aghion e Howitt formularam, em 1992, um modelo schumpeteriano no qual o crescimento decorre de uma sequência de inovações "verticais", como degraus de uma "escada" de qualidade. Cada degrau aumenta a eficiência de produzir o mesmo bem ou serviço e, por consequência, encurta a vida útil das rendas da geração anterior. Há três forças clássicas nesse ambiente. A primeira, da apropriabilidade, exige rendas temporárias mínimas (direitos de exclusividade limitados no tempo, patentes, vantagens contratuais) para que haja investimento privado em pesquisa e desenvolvimento. A segunda, dos transbordamentos tecnológicos (spillovers), sugere que parte do ganho da pesquisa escapa ao inventor e beneficia terceiros, de modo que o mercado tende a investir menos do que o socialmente ótimo. A terceira, do "business stealing", indica que o novo entrante captura o mercado do incumbente e, se esse efeito for dominante, o setor privado pode, ao contrário, investir mais do que o desejável. No laissez-faire, o diagnóstico normativo é ambíguo (pode haver sub ou superinvestimento em pesquisa e desenvolvimento) e exatamente por isso o desenho institucional importa: boas regras calibram, ao mesmo tempo, exclusividade e contestabilidade. Por exclusividade, entenda-se um período razoável de proteção à solução nova, ou seja, fôlego para recuperar o investimento e difundir a melhoria. Por contestabilidade, a abertura para que, tão logo surja algo melhor, outros possam entrar e substituir a tecnologia vigente sem barreiras artificiais. Em termos simples, é esse movimento que a literatura chama de "destruição criativa": a chegada periódica de soluções superiores que aposentam as anteriores, mantendo a inovação viva e convertendo ganhos de produtividade em melhor serviço e uso mais eficiente de recursos. Mokyr, por sua vez, ilumina a dimensão histórica: sociedades crescem de modo sustentado quando constroem uma "oferta de conhecimento útil" - instituições, normas e cultura que favorecem testar, errar, aprender e difundir soluções. O Direito Público integra esse ecossistema, ao selecionar critérios de contratação, padrões de transparência, governança de dados e alocação de riscos que reduzem a incerteza de inovar sem transformar a exclusividade em barreira definitiva.

2. Do modelo à norma: princípios de desenho contratual pró-inovação

O ordenamento brasileiro já oferece instrumentos para uma contratação pública orientada a resultados, sem renunciar à segurança jurídica. Para o leitor jurídico não familiarizado com a linguagem econômica, a tradução é direta e prática: comprar desempenho, permitir a próxima geração e preservar a contestabilidade ao longo de todo o ciclo contratual.

Por "comprar desempenho", entenda-se pagar pelo resultado medido e verificado, e não pela lista de meios. Em vez de exigir um catálogo de marcas e componentes, a Administração, especialmente em projetos concessórios, deve descrever o nível de serviço a ser entregue e os indicadores que o aferem. Se o objeto é iluminação pública, interessa a iluminância mínima, a uniformidade e a redução de consumo por ponto de luz, com verificação independente; se é saneamento, a referência passa a ser redução de perdas, melhoria de pressão, economia de energia e continuidade do abastecimento. O verificador e os painéis de dados dão concretude a essas metas e permitem glosas automáticas quando o prometido não se realiza.

Ao designar a expressão "permitir a próxima geração", isso significa reconhecer, já no edital e no contrato, que a tecnologia evolui durante a vigência. Prever cláusulas de substituição tecnológica, com critérios objetivos, assegura que soluções mais eficientes possam substituir as anteriores sem litígio: amortiza-se o ativo que sai, compartilham-se os ganhos operacionais e recompõe-se o equilíbrio econômico-financeiro conforme a matriz de riscos. Em termos práticos, um contrato de saneamento pode admitir a troca de medidores convencionais por dispositivos com telemetria, quando comprovado ganho de eficiência; um contrato de mobilidade, por sua vez, pode migrar para um sistema de controle mais preciso quando a nova plataforma entregar menor custo por passageiro-quilômetro.

Por outro lado, "preservar a contestabilidade" é manter sempre aberta a porta para a entrada do melhor, evitando aprisionamento tecnológico. Isso se faz com especificações funcionais (o que entregar, e não como), prazos de exclusividade proporcionais ao investimento, e, sobretudo, interoperabilidade e padrões abertos. Em software e centrais de comando, por exemplo, APIs documentadas e formatos abertos impedem o lock-in e facilitam a concorrência futura; no campo da propriedade intelectual, licenças não exclusivas para uso do Poder Público sobre artefatos desenvolvidos com recursos do contrato garantem continuidade do serviço e auditabilidade.

Quando a solução é incerta, o diálogo competitivo permite amadurecer o objeto com o mercado até que se definam resultados e métricas verificáveis. Quando o estado da arte está consolidado, as modalidades tradicionais seguem adequadas, desde que o julgamento valorize desempenho. Em todos os casos, a governança de dados é peça-chave: bases estruturadas, trilhas de auditoria, com transparência compatível e proteção compatível com a LGPD, transformam controle em ferramenta de aprendizado e melhoria contínua.

Porque contratos lidam, por natureza, com incerteza, também é indispensável pensar em termos de portfólio. Diversificar escopos e maturidades tecnológicas reduz a variância dos resultados entre projetos; os insucessos pontuais tornam-se suportáveis quando inseridos em uma carteira que contém pilotos, projetos maduros e iniciativas de ganho incremental. A matriz de alocação de riscos e os gatilhos objetivos de reequilíbrio funcionam como amortecedores institucionais: se a Administração impõe um novo patamar de desempenho no interesse público, recompõe-se a equação econômico-financeira segundo critérios previamente pactuados. É assim que se concilia inovação com segurança jurídica, mediante a conformação de regras claras que remunere o novo sem fechar a porta para o próximo avanço.

Leia o artigo na íntegra.

Augusto Neves Dal Pozzo

Augusto Neves Dal Pozzo

Professor de Direito Administrativo e Fundamentos de Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (IBEJI). Vice-Presidente da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo. Advogado e Parecerista. Sócio-fundador do Dal Pozzo Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca