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Resolução 501 do BACEN e o risco da "fundada suspeita" - Quando a tentativa de prevenção à fraude vira punição aos bancos

O conceito vago de "fundada suspeita" transforma prevenção em perigo: Contamina dados, pune inocentes e incentiva fraudes fabricadas, ampliando a insegurança jurídica no sistema financeiro.

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Atualizado em 3 de novembro de 2025 13:20

A norma e o problema

A resolução BCB 501/25 foi criada para reforçar os mecanismos de prevenção à fraude no Sistema Financeiro Nacional. A intenção é legítima. O problema está na execução: ao introduzir o conceito de "fundada suspeita" sem qualquer definição objetiva, a norma transfere integralmente o risco da decisão para as instituições financeiras.

O Art. 2º-A obriga os bancos a rejeitarem transações quando houver "fundada suspeita de envolvimento de fraude". No entanto, o §2º delega essa avaliação ao critério de cada instituição, permitindo que se baseiem em "bases de dados públicas ou privadas" - muitas vezes contaminadas.

A dupla contaminação das bases de dados

A "fundada suspeita" é um castelo de cartas, pois os dados que a alimentam são estruturalmente falhos, contaminados por duas vias principais:

1. O desacordo comercial (o estigma do inocente):

Na prática, clientes insatisfeitos com compras acionam o MED - Mecanismo Especial de Devolução do pix alegando "fraude" para forçar estornos. O que deveria ser uma disputa cível transforma-se, para fins de sistema, em uma marcação de golpe. O comerciante inocente é estigmatizado, tendo seu CPF ou CNPJ maculado. Isso gera um dano moral in re ipsa, pois a norma cria uma "pena" reputacional sem o devido processo legal.

2. A ação fabricada (a litigância abusiva):

Pior ainda, a vagueza da norma é um convite à litigância de má-fé, que já assola as instituições financeiras com números astronômicos de ações. A "fundada suspeita" pode ser fabricada. Um indivíduo pode combinar com um terceiro para que este marque seu pix como "fraude". Armado com essa marcação, o primeiro ajuíza uma ação contra a instituição, pleiteando danos morais pelo bloqueio "indevido" ou pela "mancha" reputacional. A ferramenta de proteção do BACEN é, assim, instrumentalizada para gerar o próprio dano que fundamentará a indenização.

A armadilha jurídica da responsabilidade civil

A norma cria uma verdadeira sinuca de bico para os bancos:

  • Se não rejeitam a transação e ela é fraudulenta, serão responsabilizados com base na súmula 479 do STJ (fortuito interno).
  • Se rejeitam uma transação legítima - ou uma fraude fabricada - serão acionados por falha na prestação de serviço (Art. 14 do CDC) e pelos danos causados ao cliente.

A resolução não mitiga o risco de fraude - apenas o substitui pelo risco da judicialização por bloqueio indevido ou por litigância abusiva.

Conclusão

A resolução 501, ao tentar combater fraudes com um conceito vago, pode acabar punindo inocentes e armando litigantes de má-fé. É urgente que o Banco Central estabeleça critérios objetivos para "fundada suspeita" e crie mecanismos de validação rápida - como biometria, autenticação reforçada ou contato proativo. Sem isso, a norma poderá se tornar mais um vetor de insegurança jurídica do que uma solução eficaz.

Anibal Pereira da Silva Junior

Anibal Pereira da Silva Junior

Analista Jurídico Cível Júnior no Parada Advogados, atuando na condução de audiências. Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia Nacional, com expertise em Direito Bancário.

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