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A definição do marco inicial para a contagem da prescrição na doença ocupacional: Uma análise do princípio da actio nata em ações indenizatórias

Conflito trabalhista sobre doença ocupacional evidencia a importância da prescrição e da ciência inequívoca na definição do direito de ação.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Atualizado em 5 de novembro de 2025 13:11

O Direito do Trabalho, em sua essência, busca equilibrar a relação entre capital e trabalho. Contudo, essa balança é posta à prova em casos complexos, como os que envolvem doenças ocupacionais que se manifestam durante o contrato de trabalho e podendo, inclusive, se consolidar mesmo após o término do contrato. Um caso recente ilustra com precisão o desafio de definir o marco inicial para a contagem da prescrição em pedidos de indenização, aplicando o princípio da actio nata - o nascimento do direito de ação.

O contexto do caso: Uma longa jornada judicial ou uma aventura jurídica já abarcada pela prescrição

A disputa envolveu um trabalhador admitido em 2002 por meio de um contrato por prazo determinado encerrado em 2003, tendo movido reclamação trabalhista em face a ex-empregadora, sendo naquela época julgada parcialmente procedente, condenando a empresa ao pagamento de indenização por incapacidade temporária e pela estabilidade provisória.

Anos depois, alegando ter desenvolvido uma LER/DORT - Lesão por Esforço Repetitivo em decorrência de suas funções realizadas entre 2002 e 2003, mesmo neste meio tempo ter ocorrido um hiato entre o último dia laborado e a distribuição da nova ação no ano de 2023, o ex-empregado iniciou uma nova batalha judicial, mesmo tendo a demanda anterior já transitado em julgado há aproximadamente 20 anos, contendo as mesmas partes, mesmos objetos de litígio, mesmas causas de pedir e por um mesmo período de contrato de trabalho, pleiteando, sobretudo, a percepção de recebimento de salários ou indenização substitutiva até os dias atuais, dentre outros pleitos de caráter punitivo.

Fato a ressaltar é que a jornada começou com uma primeira reclamação trabalhista, movida em 2003, na qual obteve o reconhecimento de uma estabilidade provisória, convertida em indenização. Não satisfeito, moveu uma segunda ação, desta vez na Justiça Comum, buscando um benefício previdenciário. Foi nesse processo que, em 2018, uma perícia médica atestou sua incapacidade como total e permanente. Munido desse laudo, o trabalhador ajuizou, em 2023, uma nova reclamação trabalhista contra a antiga empregadora. O objetivo era claro: obter uma indenização por danos morais e materiais, sob a forma de pensão vitalícia, além de percepção de salários, argumentando que a prova definitiva de sua incapacidade só surgiu com o laudo de 2018 obtido perante a justiça comum.

O embate das teses: Quando nasce o direito de ação?

A controvérsia central do processo girou em torno de uma única e decisiva questão: quando, de fato, o trabalhador teve ciência inequívoca de sua lesão e da extensão de seus danos?

  • A tese do reclamante: Para o autor, o direito de pleitear a reparação pela incapacidade permanente nasceu apenas em 2018, com o laudo pericial da Justiça Comum. Antes disso, segundo ele, não havia uma constatação definitiva da consolidação da lesão, o que impediria o ajuizamento da ação indenizatória em sua plenitude.
  • A tese da reclamada: A empresa, por sua vez, defendeu a prescrição da pretensão. Argumentou que a "ciência inequívoca" não era um fato novo. Ela teria ocorrido muito antes: em 2005, quando foi realizada a primeira perícia no processo trabalhista inicial, ou, no mais tardar, em 2013, com o trânsito em julgado daquela primeira decisão. Para a defesa, a ação ajuizada em 2023, mais de 20 anos após o fim do contrato, estava irremediavelmente fulminada pelo tempo.

A decisão judicial: A prevalência da segurança jurídica

Ao analisar o caso, o magistrado de primeiro grau acolheu integralmente a tese da prescrição, extinguindo o processo com resolução de mérito. A fundamentação da sentença se apoiou em uma interpretação consolidada nos tribunais, especialmente no que diz respeito à súmula 278 do STJ, que estabelece: "O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral."

O juízo entendeu que a "ciência inequívoca" não se confunde com a prova da incapacidade permanente, pois o conhecimento da lesão e de sua origem ocupacional já havia sido estabelecido na primeira reclamação trabalhista. A posterior confirmação da gravidade da doença em outro processo não teve o condão de reabrir um prazo prescricional já esgotado.

A decisão ressaltou que, por qualquer ângulo que se analisasse - seja a data da primeira perícia (2005) ou o trânsito em julgado da primeira ação (2013) - o prazo de cinco anos previsto no art. 7º, XXIX, da CF/88 já havia transcorrido há muito tempo.

Ato contínuo, foi interposto recurso ordinário pelo ex-trabalhador sob os mesmos argumentos contidos na inicial, tendo o Tribunal Regional, através de seu colegiado, entendido que, em regra, a prescrição é contada a partir do laudo pericial, adaptando-se porém a essa limitação, conforme aliás entendimento do colendo TST, destacando as súmulas 278 do C. STJ: "a prescrição tem início a partir da data em que o trabalhador tem ciência inequívoca da incapacidade para o trabalho ou do resultado gravoso: efetiva consolidação da moléstia", e 230 do E. STF estabelecendo que "o prazo prescricional para ações de acidente do trabalho inicia-se no momento em que é realizado o exame pericial que comprova a doença ou determina a natureza da incapacidade".

E que no caso em específico, considerado que a CAT reporta-se a patologia equiparável a acidente em 12/8/03, o término do contrato de trabalho se deu em 15/10/03, o trânsito em julgado da ação acidentária ocorreu em 29/7/21 e, tendo em vista que a reclamação foi ajuizada somente em 28/11/23, não há como se afastar o decreto prescricional.

Conclusão e lições do caso

Este caso serve como um importante alerta sobre a aplicação do instituto da prescrição nas ações de indenização por doença ocupacional. Ele demonstra que a tese da "ciência inequívoca" é interpretada de forma objetiva, fixando o marco inicial no momento em que o trabalhador tem o primeiro conhecimento consolidado da lesão e de sua relação com o trabalho, e não necessariamente quando a incapacidade se torna permanente.

Para os operadores do Direito, a lição é clara: a estratégia processual deve ser definida com celeridade. Postergar o ajuizamento de uma ação indenizatória na expectativa de uma prova mais robusta sobre a extensão do dano pode levar à perda do próprio direito de pleiteá-la. A segurança jurídica e a estabilização das relações sociais, protegidas pela prescrição, prevalecem sobre a tentativa de rediscutir, anos depois, um fato jurídico já consolidado no tempo.

O direito não socorre aos que dormem.

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Processo: 0012554-13.2023.5.15.0003 (TRT-15)

Jéssica Ribeiro Lemos

Jéssica Ribeiro Lemos

Advogada - Cerdeira, Rocha, Vendite, Barbosa, Borgo e Etchalus Advogados e Consultores Legais.

Priscila Borges Tramarin

Priscila Borges Tramarin

Advogada graduada pela Universidade de Taubaté. Especialização em Direito Civil e Processo Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas de Londrina - INBRAPE.

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