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Ação civil pública e danos climáticos: Como se defender

As ações civis públicas climáticas estão se consolidando no Judiciário brasileiro como instrumento de responsabilização de empresas, produtores e entes públicos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Atualizado às 10:22

O avanço da pauta ambiental no Judiciário brasileiro trouxe consigo uma nova modalidade de responsabilização: ações civis públicas com foco em danos climáticos. Cada vez mais, empresas, produtores rurais e entes públicos estão sendo acionados judicialmente sob a alegação de contribuição para as mudanças climáticas ou omissão na mitigação de seus efeitos.

Essa nova realidade exige atenção redobrada dos agentes econômicos. Ações com base em "danos difusos e intergeracionais" passaram a ser manejadas por Ministério Público, ONGs ambientais e até organizações internacionais, com pedidos que envolvem compensações ambientais, medidas de mitigação e indenizações bilionárias.

Neste artigo, abordamos como essas ações estão sendo construídas, quais os argumentos mais comuns utilizados pelos autores, como contestar tecnicamente essas demandas e quais estratégias jurídicas têm sido bem-sucedidas em casos concretos.

O que são ações civis públicas climáticas?

As ACPs - ações civis públicas são instrumentos processuais previstos na lei 7.347/1985, utilizados para proteger direitos difusos e coletivos, como meio ambiente, patrimônio público e direitos do consumidor.

No contexto climático, elas têm sido usadas para:

  • Responsabilizar empresas por emissões de GEE - gases de efeito estufa;
  • Exigir compensações ambientais por impactos não mitigados;
  • Cobrar do poder público ações efetivas de enfrentamento às mudanças climáticas;
  • Impor medidas corretivas a atividades produtivas com alegada contribuição ao aquecimento global.

A base jurídica dessas ações está nos princípios da prevenção, precaução, poluidor-pagador, além do art. 225 da Constituição Federal, que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Quais tipos de pedidos são comuns nesses processos?

As ACPs climáticas trazem pedidos variados, muitas vezes abstratos ou amplos, o que exige ainda mais atenção da defesa. Entre os principais, estão:

  • Elaboração e cumprimento de planos de redução de emissões de GEE;
  • Reversão de licenças ambientais consideradas omissas quanto ao impacto climático;
  • Indenizações por danos climáticos difusos (como aumento de temperatura local, escassez hídrica, impactos em comunidades);
  • Compensações com base na lógica da "responsabilidade solidária climática";
  • Medidas de recomposição ambiental ou reflorestamento em larga escala;
  • Proibição de continuidade de determinadas atividades ou obras.

Essas ações costumam ter um forte apelo público, e não raro são acompanhadas de campanhas de pressão política e social contra o réu.

Quais os riscos reais para empresas e produtores?

Os riscos vão além das multas. Uma ação civil pública climática pode implicar em:

  • Interrupção de atividades produtivas por decisão liminar;
  • Danos à reputação da empresa em nível nacional e internacional;
  • Prejuízo em certificações ambientais e ESG;
  • Bloqueio de ativos para garantia de indenizações;
  • Exclusão de acessos a mercados regulados, financiamentos e licitações;
  • Obrigação de arcar com custos de compensações ambientais elevadas.

A judicialização da agenda climática vem crescendo e tende a ser mais frequente em setores como: agronegócio, energia, infraestrutura, mineração, logística e setor florestal.

Como contestar uma ação civil pública climática?

A defesa precisa ser técnica, fundamentada e construída com apoio jurídico e ambiental. Algumas estratégias incluem:

a) Questionamento da legitimidade e da narrativa

  • Verificar se o autor da ação (ONG, MP, entidade) tem legitimidade ativa;
  • Contestar generalizações sem base técnica (ex: responsabilização sem nexo causal direto);
  • Apontar ausência de prova de dano específico causado pela atividade do réu.

b) Análise do nexo causal

  • Demonstrar, com auxílio técnico, que a atividade não contribui de forma significativa para as emissões de GEE;
  • Apresentar inventários de emissões e ações de mitigação já adotadas;
  • Contrapor alegações de dano climático com dados objetivos e estudos científicos.

c) Comprovação de regularidade ambiental

  • Mostrar que todas as licenças ambientais foram obtidas e estão vigentes;
  • Anexar relatórios de cumprimento de condicionantes ambientais;
  • Provar que os estudos ambientais analisaram as emissões e efeitos potenciais sobre o clima.

d) Oferecimento de medidas alternativas (em caso de tese defensiva desqualificada)

  • Propor soluções viáveis e técnicas para mitigação proporcional do impacto;
  • Negociar TAC - Termo de Ajustamento de Conduta que evite sanções mais severas.

Defesa técnica: o papel da prova pericial

O juiz não julga com base em opinião pública, mas sim em provas. Em ACPs climáticas, a prova pericial é fundamental. Por isso, é essencial:

  • Produzir laudos técnicos próprios com especialistas em mudanças climáticas;
  • Reforçar a ausência de dano ambiental direto ou mensurável causado pela atividade;
  • Apontar ações de sustentabilidade já implementadas;
  • Utilizar inventários de emissões, relatórios ESG, certificações e registros junto ao RENOVA-BIO, se aplicável.

A defesa deve ir além do jurídico. É preciso tecnicidade, método e dados auditáveis.

Jurisprudência recente e tendência dos tribunais

Nos últimos anos, surgiram diversas ACPs climáticas em trâmite no Brasil. Algumas decisões já sinalizaram que:

  • A responsabilidade climática não pode ser presumida, exige prova direta;
  • É necessário observar o devido processo legal ambiental na emissão de licenças;
  • A compensação deve ser proporcional à contribuição do réu ao suposto dano;
  • Excesso nos pedidos (como multas milionárias desproporcionais) podem ser indeferidos.

Contudo, há também julgados com entendimento mais rígido, especialmente quando o réu não apresenta prova técnica robusta.

Conclusão

As ações civis públicas por danos climáticos vieram para ficar. Representam um novo desafio para o setor produtivo e exigem mudança na forma de se preparar juridicamente. Não basta estar licenciado: é preciso provar que a atividade é sustentável e que cumpre com os compromissos ambientais e climáticos esperados.

A boa notícia é que, com estratégia e técnica, é possível neutralizar os efeitos negativos dessas ações, evitar condenações injustas e construir uma imagem de responsabilidade ambiental perante o mercado e o Judiciário.

Tiago Martins

VIP Tiago Martins

Advogado e Professor de Direito Ambiental com maior atuação no contencioso cível, administrativo e penal ambiental, além prestar consultoria e assessoria ambiental.

Adivan Zanchet

VIP Adivan Zanchet

Advogado e professor especialista em Direito Ambiental pela Escola Verbo Jurídico, e em Direito Agrário e do Agronegócio, pela FMP - CEO do Escritório Martins Zanchet

João Gabriel Espósito

VIP João Gabriel Espósito

Advogado e professor. Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico e em Direito e Gestão do Agronegócio (FESMP/MT). Presidente da Comissão de Direito do Agronegócio da 21ª Subseção da OAB/MT.

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