A banalização da fraude processual nos empréstimos consignados
A fraude processual no consignado revela o perigo da exceção virar regra e da Justiça perder confiança e efetividade.
sexta-feira, 7 de novembro de 2025
Atualizado em 6 de novembro de 2025 09:44
O empréstimo consignado nasceu como uma ferramenta de inclusão financeira - simples, acessível e de baixo risco. A previsibilidade do desconto em folha permitiu que milhões de brasileiros tivessem acesso ao crédito com taxas reduzidas e segurança contratual. Mas o que deveria representar estabilidade e confiança tornou-se terreno fértil para um fenômeno grave e crescente: a banalização da fraude processual.
Nos últimos anos, a litigância abusiva transformou o consignado em palco de exceções fabricadas. Casos que deveriam ser raros - como a contratação sem ciência, a assinatura fraudada ou a cobrança indevida - passaram a ser reproduzidos em escala industrial, sustentando narrativas idênticas, endereços repetidos e advogados atuando em centenas de ações com o mesmo padrão argumentativo.
O ciclo da exceção: quando o abuso vira modelo
A exceção é parte legítima do sistema. O problema começa quando ela se transforma em modelo de atuação.
A lógica da fraude processual é simples: cria-se uma tese sensível, emocionalmente convincente e juridicamente plausível - "o consumidor não sabia", "o banco depositou sem consentimento", "houve erro sistêmico" - e repete-se o argumento até que se torne familiar aos olhos do Judiciário. O que era exceção passa, então, a ser reconhecido como padrão.
Esse processo de repetição artificial gera desconfiança estrutural: o juiz tem dificuldade em distinguir o caso verdadeiro do fabricado, e o banco passa a ser punido pela sua própria regularidade.
O paradoxo da proteção
A litigância abusiva é uma distorção da proteção, não sua negação. Ao permitir que teses fraudulentas se multipliquem sob o manto da vulnerabilidade, o sistema deslegitima o discurso da tutela do consumidor.
A consequência é dupla: o verdadeiro vulnerável perde credibilidade e o litigante abusivo se fortalece, criando um ciclo perverso em que o abuso se esconde atrás da boa-fé presumida.
A fraude institucionalizada
O problema não é isolado nem episódico.
Investigações de tribunais, centros de inteligência, Ministério Público e do próprio CNJ têm revelado padrões coordenados de fraude, com uso indevido de dados pessoais, procurações genéricas, comprovantes de residência falsos e, em alguns casos, ajuizamento por pessoas já falecidas.
A fraude deixou de ser exceção para se tornar uma estratégia deliberada de mercado - um negócio travestido de acesso à justiça.
A erosão da confiança
A repetição do falso cria fadiga institucional. O magistrado se torna cético, o banco, defensivo, e o cidadão comum, desconfiado.
O resultado é uma Justiça sobrecarregada, um crédito encarecido e um sistema de proteção em descrédito. A litigância abusiva, quando normalizada, corrói silenciosamente o pacto de confiança que sustenta a democracia processual.
Conclusão - Recuperar a exceção como exceção
Reafirmar o caráter excepcional do erro e da fraude é o primeiro passo para restaurar a integridade do sistema.
A crítica à litigância abusiva não é uma defesa das empresas, mas uma defesa da Justiça como bem público.
Porque quando a exceção se torna regra, o prejuízo é coletivo: perdem o consumidor, o banco e o próprio Judiciário - todos vítimas da banalização do abuso.
Viviane Ferreira
Sócia - Diretora jurídica de Excelência e experiência do cliente do Parada Advogados. Mestranda no IDP-Brasília.


