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COP-30, a crise hídrica e o TCU: Desafios à vista

A gestão hídrica é urgente, exigindo políticas públicas eficazes, transparência e garantia do acesso à água como direito humano fundamental.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Atualizado em 6 de novembro de 2025 14:19

Com a proximidade da realização, em Belém do Pará, da primeira COP - Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima no Brasil (COP-30), os temas que serão tratados nesse encontro têm adquirido status de urgência e relevância sem precedentes. O foco principal da COP-30 é a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030. Tais gases retêm o calor na atmosfera terrestre, causando o aquecimento global e as mudanças climáticas. No contexto das discussões sobre financiamento climático, perdas e danos e transição energética, a crise hídrica figurará como um dos assuntos centrais, visto que sua manifestação em diversas partes do mundo - seja como consequência, seja como causa - evidencia a estreita relação entre o descontrole da temperatura e a disponibilidade de água.

Cabe mencionar que o governo Federal, por intermédio do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (Secretaria Nacional de Segurança Hídrica), já divulgou sua intenção de levar à COP-30 diversas ações voltadas à segurança hídrica, à gestão e à governança da água.

Sem dúvida, as crises hídricas são um dos impactos mais palpáveis das mudanças climáticas. O aquecimento global tem provocado maior evaporação de rios, lagos e reservatórios, intensificando e prolongando os períodos de seca e reduzindo a disponibilidade de água para o consumo humano, a agricultura e a indústria. Por outro lado, também ocasiona eventos de chuva extrema, que provocam inundações, poluem fontes de água e destroem infraestruturas urbanas e rurais. Cabe ainda mencionar questões como o degelo das geleiras e a elevação do nível do mar - fatores que, embora pareçam distantes de nossa realidade, nos impactam direta ou indiretamente.

Essas situações afetam a humanidade como um todo, gerando um quadro complexo de desafios socioeconômicos, jurídicos e ambientais. Já é realidade, para milhões de pessoas, a insegurança alimentar associada à perda de safras, às epidemias veiculadas pela água e aos comprometimentos à saúde pela ausência de condições mínimas de higiene. As empresas também enfrentam problemas na cadeia de suprimentos, aumento dos custos operacionais e necessidade de pesados investimentos em novas infraestruturas.

Portanto, trata-se de um tema urgente e de interesse coletivo. As melhores soluções serão alcançadas em ambientes colaborativos, como se espera que a COP-30 proporcione, tornando possível a implementação de políticas eficazes para a gestão hídrica sustentável.

Defende-se, neste texto, que o primeiro e essencial passo é o reconhecimento e a conscientização de que a água é um direito humano fundamental, devendo, portanto, ser reconhecida tanto em sua singularidade quanto em sua instrumentalidade. Primeiro, porque não há vida humana sem água. Segundo, por ser indispensável ao pleno gozo de outros direitos fundamentais, como saúde, saneamento básico e alimentação - sem esquecer que não há dignidade humana sem água potável.

A Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) adotou, em 2010, a resolução A/RES/64/292, que reconheceu: "O direito à água potável e ao saneamento é um direito humano essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos".

Além disso, na amplamente difundida Agenda 2030, concebida pela ONU em 2015, cujos objetivos e metas abrangem as três dimensões do desenvolvimento sustentável - social, ambiental e econômica -, destaca-se o ODS 6: "Água potável e saneamento - Garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos".

Assim, podemos sublinhar as seguintes metas desse ODS:

  • Alcançar o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos;
  • Melhorar a qualidade da água;
  • Aumentar a eficiência do uso da água em todos os setores;
  • Assegurar retiradas sustentáveis e o abastecimento de água doce para enfrentar a escassez;
  • Reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água;
  • Proteger e restaurar ecossistemas relacionados à água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos.

Os ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 foram incorporados pela República Federativa do Brasil e encontram-se incorporados às ações e metas do Poder Público brasileiro, abrangendo os três Poderes e todos os entes federativos.

Assim, mesmo diante da ausência de citação expressa no texto da CF/88, o acesso à água potável configura-se como um direito fundamental, seja pela incorporação de tratados internacionais de direitos humanos ao ordenamento jurídico pátrio, seja pela interpretação sistemática de princípios constitucionais já existentes, como o da dignidade da pessoa humana. Tal reconhecimento impõe ao Estado a implementação de políticas públicas, a realização de investimentos em infraestrutura e a adoção de uma governança hídrica eficaz, de modo a assegurar sua garantia e máxima efetividade.

Nesse contexto de atuação estatal, impende mencionar que o art. 22, inciso IV, da CF/88 estabelece a competência privativa da União para legislar sobre águas, o que acarreta a atribuição do TCU - Tribunal de Contas da União para realizar inspeções e auditorias, fiscalizar a aplicação de recursos da União e prestar informações ao Congresso Nacional sobre o tema.

O TCU tem desempenhado esse papel com excelência, por intermédio de um produto mais amplo apresentado recentemente: o Relatório de Fiscalizações em Políticas e Programas de Governo (REPP-2025).

O REPP já está em sua 99 edição, tendo como finalidade auxiliar o Congresso Nacional, conforme o disposto na LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias, que, em sua última edição, registrou o dever do TCU de encaminhar: "[...] quadro-resumo relativo à qualidade da implementação e ao alcance das metas e objetivos dos programas e ações governamentais objeto de auditorias operacionais realizadas" (LDO, Art. 146).

Na edição de 2025 do referido Relatório, foram selecionadas nove políticas públicas - saúde, cultura, assistência social, previdência social, desenvolvimento regional, transportes, recursos hídricos e energia -, submetidas aos critérios do RC-PP - Referencial de Controle de Políticas Públicas do TCU, o qual considera textos normativos e boas práticas reconhecidas na formulação, implementação e avaliação de políticas públicas.

No recorte do tema tratado, destaca-se a fiscalização do PNSH - Plano Nacional de Segurança Hídrica, sob a responsabilidade do MIDR - Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, em conjunto com a ANA - Agência Nacional de Águas. No referido Plano, vigente desde 2019, lê-se que a segurança hídrica "[...] existe quando há disponibilidade de água em quantidade e qualidade suficientes para o atendimento às necessidades humanas, à prática das atividades econômicas e à conservação dos ecossistemas aquáticos [...]".

No mesmo documento são apresentadas as principais ameaças ao padrão de segurança hídrica que se deseja alcançar e garantir: "o aumento populacional, principalmente nas áreas urbanas, e o crescimento econômico, que geram ampliação da demanda de água, bem como as mudanças climáticas e seus efeitos sobre os eventos hidrológicos extremos". Logo, evidencia-se que os objetivos da COP-30 e do PNSH estão totalmente conectados.

No escopo do Relatório de Fiscalizações em Políticas e Programas de Governo, o acórdão 20G4/25plenário, sob a relatoria do ministro Aroldo Cedraz, tratou do acompanhamento que avaliou o PNSH e apontou, como achados qualitativos:

  1. a falta de institucionalização do Plano Nacional de Segurança Hídrica; e
  2. deficiências do sistema de monitoramento e avaliação do PNSH, com ausência de "avaliação sistemática e mensuração dos resultados da política".

Quanto ao primeiro achado, alertou o ministro Relator que o PNSH "[...] não vem sendo utilizado como critério selecionador de projetos, dando lugar a demandas originárias do próprio Ministério ou de emendas parlamentares". Assim, recomendou a formalização (positivação), por meio de ato normativo, da inclusão do Plano no "marco regulatório da gestão dos recursos hídricos no país".

Em relação ao segundo achado, consignou o ministro Aroldo Cedraz que, sem um sistema estruturado de avaliação e monitoramento, a política pública fica comprometida e não alcançará seus objetivos, sendo imperioso que o MIDR "[...] adote práticas alinhadas aos princípios constitucionais da administração pública, como transparência, prestação de contas (accountability) e eficiência."

É interessante notar, em seu voto, a recomendação para o uso de IA - inteligência artificial, ao destacar que "sensores remotos, como os de satélites, fornecem dados precisos e em tempo real sobre a disponibilidade de água, como o nível de reservatórios, a umidade do solo e a precipitação", acrescentando que a IA deve ser utilizada para processar grandes volumes de dados, analisar padrões climáticos e monitorar o consumo de água em tempo real, entre outras possibilidades. E concluiu de forma assertiva: "Essa evolução tecnológica precisa ser incorporada à gestão brasileira das infraestruturas de recursos hídricos. Basta querer."

O TCU, mais uma vez, cumpriu seu papel ao identificar fragilidades, oferecer diretrizes e apontar caminhos para aprimorar a governança hídrica e a aplicação dos recursos públicos Federais. Cabe aos demais órgãos de controle externo dos entes subnacionais replicar essa iniciativa, dentro de suas competências constitucionais.

O governo Federal precisa institucionalizar o PNSH, fortalecer seus mecanismos de monitoramento e avaliação e integrar novas tecnologias, como a IA, na gestão dos recursos hídricos, garantindo transparência e eficiência.

Os Estados e municípios têm a missão de implementar, em seus territórios, políticas eficazes de saneamento e gestão da água, em conformidade com as diretrizes Federais, assegurando à população o acesso à água potável como direito humano fundamental.

As empresas devem assumir sua responsabilidade socioambiental, promovendo o uso eficiente da água, investindo em reuso e tratamento e contribuindo para a sustentabilidade hídrica em suas operações e cadeias de valor.

A sociedade precisa exercer seu papel de consumidora consciente e participante ativa nas discussões e tomadas de decisão, exigindo das autoridades e das empresas - públicas e privadas - ações concretas para garantir o direito à água para todos e um futuro hídrico seguro.

Que a COP-30 nos traga boas notícias e compromissos concretos que impulsionem a gestão hídrica sustentável e garantam o acesso à água potável para todos.

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BRASIL. Lei nº 15.080, de 30 de dezembro de 2024. Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária de 2025 e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br.

BRASIL. Agência Nacional de Águas. Plano Nacional de Segurança Hídrica.

Brasília: ANA, 2019. Disponível em: https://arquivos.ana.gov.br/pnsh/pnsh.pdf.

BRASIL. Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Segurança hídrica: água ganha protagonismo na agenda climática do MIDR rumo à COP30. Disponível em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/noticias/agua-ganha-protagonismo- na-agenda-climatica-do-midr-rumo-a-cop30.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2.094/2025 - Plenário. Relatório de Acompanhamento. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Disponível em: https://www.tcu.gov.br.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de Fiscalizações em Políticas e Programas de Governo - REPP 2025. Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/relatorio-de-politicas/index.html.

NACIONES UNIDAS. A/RES/64/292. Distr. General, 3 ago. 2010. Disponível em: https://docs.un.org/es/A/RES/64/292.

NAÇÕES UNIDAS (Brasil). Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs.

Giussepp Mendes

Giussepp Mendes

Advogado especialista em direito administrativo público.

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