Sobre o que eu aprendi com o prof. Celso Antônio Bandeira de Mello
As aulas estimulavam pensamento crítico e independente no estudo do Direito Administrativo.
sexta-feira, 14 de novembro de 2025
Atualizado em 13 de novembro de 2025 12:27
Meu pai dizia que o importante na vida era o conflito de gerações, talvez por isso esse conflito não tenha ocorrido no nosso caso. Defender o conflito de gerações foi a forma que ele encontrou para nos incentivar a tomar os nossos próprios caminhos, para nos mostrar o valor da liberdade e da independência de pensamento.
Meu pai faleceu em 2003. No mesmo ano entrei no mestrado em Direito Administrativo da PUC/SP, após participar da seleção conduzida pelo prof. Celso Antônio Bandeira de Mello. Em um auditório lotado, o professor explicou que não pretendia medir o conhecimento dos candidatos a respeito do Direito Administrativo, não estava preocupado em cobrar conteúdo específico na matéria. O objetivo, segundo ele, era selecionar aqueles que demonstrassem maior capacidade de raciocínio jurídico. A seleção seria feita apenas pelo resultado de uma prova dissertativa. A entrevista, como explicou o professor, envolveria um aspecto subjetivo que ele não entendia justo.
Antes de cursar os créditos Administrativo I e II, ministrados pelo prof. Celso Antônio, tínhamos que cursar Filosofia do Direito, Teoria Geral do Direito e Direito Constitucional. Tivemos ótimos professores.
Chegou, então, o momento de cursar os créditos específicos de Direito Administrativo. Foram dois semestres inteiramente dedicados ao estudo da função administrativa e do ato administrativo, base para todo o resto.
Fomos apresentados a autores clássicos, da França, Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Argentina e outros, além do Brasil. Entre os autores estudados estava o prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, pai do nosso professor, cujos textos foram submetidos à análise e crítica dos alunos.
A metodologia das aulas consistia na leitura prévia do texto indicado, para posterior apresentação em sala de aula. Um grupo seria responsável pela apresentação, outro pela crítica. A partir daí estava aberto o debate a respeito das ideias e teorias daqueles autores.
Éramos incentivados a ler, compreender e assimilar aqueles textos para, em seguida, criticá-los, apontando falhas lógicas e eventuais incongruências. O prof. Celso Antônio conduzia o debate da forma mais aberta e democrática possível, ouvia atentamente as mais diversas posições e trazia contribuições que nos incentivavam a reflexão. A turma era muito boa, o que também ajudava.
Além da obrigação de ler os textos como preparação para a aula, nada nos era imposto, nenhuma ideia pronta ou inflexível nos foi apresentada. Havia um estímulo constante para o debate, para a exposição crítica de nossas ideias e posicionamentos.
Ao fim dos créditos, além de assimilar o conteúdo trazido por aqueles autores clássicos, saímos com uma boa noção das bases doutrinárias que serviram à construção do pensamento do prof. Celso Antônio. É razoável dizer que fomos apresentados, ainda que parcialmente, à construção do raciocínio jurídico por trás da teoria do prof. Celso Antônio e convidados a exercer nosso espírito crítico e independente a este respeito.
Entre todos os professores que eu tive na vida, nenhum estimulou o espírito crítico como o prof. Celso Antônio. Aquele que revolucionou o Direito Administrativo, instigava seus alunos a pensarem por conta própria, a criticarem os grandes pensadores daquela área do Direito, reconhecendo seus méritos e, também, suas incongruências para, a partir daí, construírem algo novo, condizente com seu tempo e espaço.
As críticas e discordâncias a respeito dos mais variados textos não nos impediam de reconhecer inegáveis méritos daqueles grandes doutrinadores. Muitas vezes, uma teoria não mais aplicável em sua inteireza trazia ideias e estruturas de pensamento extremamente valiosas e atuais. Só mesmo entendendo a lógica daquilo que havia sido construído pelos grandes pensadores é que seríamos capazes de avançar, trilhando um caminho seguro, mesmo que ainda inédito.
Celso Antônio Bandeira de Mello é, sem a menor dúvida, o maior professor que tive. Para além de nos transmitir teorias a respeito do Direito Administrativo, ele nos estimulou o raciocínio jurídico. Com a análise crítica das teorias formuladas por autores clássicos da maior qualidade, também nos mostrou os caminhos para a crítica construtiva, respeitosa, mesmo que contundente em alguns pontos. Fomos conduzidos por um processo dialético, formador de conhecimento.
Em suas aulas, o professor Celso Antônio passou longe da necessidade adolescente de provar equivocados doutrinadores consagrados, não havia necessidade de afirmar um conflito de gerações, de usá-los como palanque para novas ideias. O que vivenciamos naquelas aulas de mestrado foi o incentivo à construção do raciocínio a partir daquilo que havia sido feito por aqueles que vieram antes, mesmo que discordando deles em pontos importantes.
O Estado enfrenta desafios constantes e o Direito Administrativo deve apresentar as melhores estruturas e ferramentas para enfrentá-los, fato que exige uma constante evolução e transformação. Entender o caminho percorrido até aqui é pressuposto para seguir em frente, para encarar os novos desafios e construir o futuro com qualidade, criatividade e segurança.
Francisco Octavio de Almeida Prado Filho
Sócio-fundador do escritório Almeida Prado Advogados e presidente da Comissão de Estudos sobre Improbidade Administrativa do IASP.



