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Liberdade de fé e espaço público: A constitucionalidade dos cultos cristãos em universidades públicas como expressão da pluralidade democrática

O artigo defende que cultos cristãos em universidades públicas são compatíveis com a laicidade cooperativa da CF/88, expressando liberdade religiosa e pluralismo democrático.

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Atualizado às 14:03

Resumo

O presente artigo analisa a constitucionalidade da realização de cultos cristãos em universidades públicas sob a ótica do princípio da laicidade estatal e da liberdade religiosa, ambos consagrados pela CF/88. Busca-se demonstrar que tais manifestações, longe de violarem o caráter laico do Estado, configuram o exercício legítimo da liberdade de expressão, da autonomia universitária e do pluralismo ideológico, pilares do Estado Democrático de Direito. A pesquisa, de natureza teórico-dogmática, utiliza o método dedutivo e adota uma abordagem interdisciplinar entre Direito Constitucional, filosofia política e sociologia da religião. Analisa-se a evolução doutrinária e jurisprudencial brasileira sobre o tema, além de uma comparação com ordenamentos jurídicos estrangeiros. O trabalho sustenta que a laicidade brasileira é de tipo cooperativo e não hostil, permitindo que expressões religiosas ocorram em espaços públicos desde que respeitado o princípio da igualdade e da não imposição de fé. A convivência democrática em ambiente universitário, portanto, demanda a preservação da liberdade de crença e de manifestação religiosa como expressão da diversidade humana e espiritual. Conclui-se que os cultos cristãos em universidades públicas representam não uma afronta ao Estado laico, mas uma afirmação da democracia plural, da cidadania participativa e do respeito à diferença.

Palavras-chave:Liberdade religiosa; Laicidade estatal; Democracia plural; Constitucionalismo; Direitos fundamentais; Autonomia universitária; Expressão religiosa; Estado Democrático de Direito; Tolerância; Pluralismo ideológico.

Introdução

Em tempos de crescente polarização cultural e ideológica, o espaço público brasileiro tem se tornado palco de intensos debates sobre o papel da fé na vida coletiva. A realização de cultos cristãos em universidades públicas, fenômeno recente e amplamente divulgado nas redes sociais, reacendeu discussões antigas sobre os limites entre religião e Estado. Seria essa prática uma afronta ao princípio da laicidade, ou uma expressão legítima da liberdade de crença e de reunião garantidas pela CF/88?

A questão que norteia o presente artigo é: os cultos cristãos em universidades públicas violam o princípio constitucional da laicidade do Estado brasileiro, ou constituem expressão válida da liberdade religiosa e da pluralidade democrática?

O objetivo geral deste estudo é analisar a constitucionalidade e a legitimidade jurídica da realização de cultos cristãos em universidades públicas à luz da CF/88. Como objetivos específicos, busca-se:(a) conceituar juridicamente a laicidade e a liberdade religiosa;(b) examinar a doutrina e a jurisprudência nacionais sobre o tema;(c) comparar o modelo brasileiro com experiências estrangeiras;(d) propor diretrizes jurídicas e institucionais que assegurem o equilíbrio entre neutralidade estatal e liberdade de fé.

A justificativa desta pesquisa repousa sobre três fundamentos complementares.Em primeiro lugar, o fundamento acadêmico, que reconhece a relevância científica do tema no contexto dos estudos constitucionais e de direitos fundamentais. Trata-se de uma reflexão que ultrapassa o mero debate religioso, alcançando o cerne da teoria democrática e do pluralismo jurídico.Em segundo lugar, o fundamento social, pois o ambiente universitário constitui um dos espaços mais simbólicos de convivência plural e de exercício da cidadania. Ignorar ou proibir manifestações religiosas nesse contexto seria restringir o próprio campo da liberdade humana e intelectual.Por fim, há o fundamento jurídico, que impõe a leitura sistemática da Constituição: o Estado é laico, mas a sociedade é crente; o poder público é neutro, mas os cidadãos são livres. A neutralidade estatal não implica hostilidade à fé, e sim o dever de assegurar que toda expressão religiosa - ou ausência dela - possa coexistir pacificamente sob a égide da lei.

Assim, este artigo propõe uma reflexão ousadamente diferente: compreender os cultos cristãos em universidades públicas não como uma invasão do sagrado no espaço laico, mas como a manifestação concreta da convivência democrática e da pluralidade de ideias - valores que estruturam o próprio Estado Constitucional brasileiro.

1. Fundamentação teórica e conceitual

1.1. O conceito jurídico do tema do artigo

A laicidade estatal, em seu sentido jurídico-constitucional, consiste na separação institucional entre Estado e religiões, de modo a assegurar a neutralidade do Poder Público diante das crenças existentes no seio da sociedade. Essa neutralidade, todavia, não equivale à negação do fenômeno religioso, mas à garantia de que nenhuma confissão de fé será imposta, privilegiada ou discriminada pelo Estado. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 19, inciso I, consagra a proibição de o Estado "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança".

Contudo, o mesmo texto constitucional, em seu art. 5º, incisos VI e VIII, assegura o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto, bem como a liberdade de consciência e de crença. Dessa dualidade normativa emerge um princípio de laicidade cooperativa, que reconhece a presença legítima do fenômeno religioso na esfera pública, desde que em conformidade com os princípios da igualdade, da tolerância e da não imposição.

A liberdade religiosa, portanto, não é mera faculdade espiritual, mas direito fundamental de natureza multifacetada, englobando a liberdade de consciência, de crença, de culto, de reunião e de expressão da fé em espaços públicos e privados. No contexto universitário, onde o pluralismo de ideias é fundamento da própria vida acadêmica (art. 206, II, CF/88), o exercício pacífico de atividades religiosas se insere como expressão da liberdade intelectual e cultural dos cidadãos que compõem a comunidade acadêmica.

1.2. As principais correntes doutrinárias sobre o tema

A doutrina constitucional identifica, tradicionalmente, três modelos de laicidade estatal: o modelo confessional, o separatista radical e o cooperativo.

O modelo confessional caracteriza-se pela vinculação direta do Estado a uma religião oficial, como ocorre, por exemplo, em algumas monarquias europeias. Já o modelo separatista radical, inspirado na Revolução Francesa e no positivismo jurídico do século XIX, busca eliminar qualquer expressão religiosa da esfera pública, considerando a fé uma questão estritamente privada.

Em contraposição a essas visões extremadas, o modelo cooperativo, adotado pela CF brasileira, promove uma relação equilibrada entre Estado e confissões religiosas, permitindo a colaboração de interesse público (art. 19, I, parte final, CF/88). Essa colaboração, contudo, não é de natureza teológica, mas jurídica e institucional, voltada à promoção do bem comum, da solidariedade social e da liberdade individual.

O princípio da laicidade deve ser interpretado à luz da dignidade da pessoa humana e da pluralidade cultural, não como barreira excludente, mas como garantia da coexistência das crenças. Assim, a presença de manifestações religiosas no espaço público não afronta a laicidade - antes, reafirma o ideal de uma democracia madura, capaz de acolher diferenças sem as converter em antagonismos.

1.3. Diferenciação de teorias ou abordagens opostas

Há, contudo, uma tensão conceitual entre duas grandes abordagens contemporâneas: a laicidade excludente e a laicidade inclusiva.

A laicidade excludente, de matriz jacobina e secularista, advoga pela retirada total da religião da esfera pública, alegando que qualquer presença simbólica de fé em instituições estatais constituiria violação da neutralidade. Essa corrente entende o espaço público como domínio da razão pura, desvinculada de transcendência.

Em oposição, a laicidade inclusiva, reconhece que o discurso religioso pode contribuir legitimamente para o debate público, desde que traduzido em linguagem racional e aberta ao diálogo. 

Nessa concepção, a fé não é inimiga da razão, mas uma das múltiplas formas de expressão da experiência humana.

O Brasil, historicamente, sempre se aproximou do modelo inclusivo. A CF/88 é o reflexo de um Estado que, embora laico, é profundamente religioso em sua sociedade. Proibir cultos em universidades, portanto, seria instaurar uma forma de laicismo intolerante, incompatível com o espírito democrático e pluralista que fundamenta o pacto constitucional.

Clique aqui para acessar a íntegra do artigo.

Abner Ferreira

Abner Ferreira

Advogado, jurista e bispo evangélico, líder da Assembleia de Deus - Ministério de Madureira. Com mais de 30 anos de destacada atuação em defesa da liberdade religiosa e dos direitos fundamentais, é Presidente da Comissão Especial de Juristas Evangélicos e Cristãos no Conselho Federal da OAB (CEJEC/CFOAB) e da União Internacional de Juristas Evangélicos e Cristãos (Unijur). É conferencista internacional, autor e coorganizador de obras jurídicas, entre elas o livro Direitos Humanos, Justiça Social e Liberdades Fundamentais, pela OAB Editora em homenagem ao ministro do STF André Mendonça.

Sóstenes Marchezine

Sóstenes Marchezine

Sócio-Diretor, Grupo Arnone e Arnone Advogados em Brasília. VP, Instituto Global ESG. Representante da OAB, CNODS/PR. Diretor, Comissão Carbono, CFOAB. Secretário, Frente ESG na Prática, Congresso.

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