Do "arrasta pra cima" à litigância abusiva: Os riscos da promessa de resultado em ações revisionais
Estratégias de captação transformam disputas judiciais em produto, estimulando ações infundadas e comprometendo a confiança no sistema.
sexta-feira, 21 de novembro de 2025
Atualizado em 19 de novembro de 2025 11:14
Quando o processo vira produto
A união entre marketing digital e advocacia de massa criou um fenômeno preocupante: a transformação do processo judicial em produto. Em um ambiente onde a atenção do usuário é disputada a cada segundo, o direito de ação deixou de ser um instrumento de cidadania e passou a ser vendido como solução mágica, com técnicas de persuasão agressiva. A prova disso está na palma da mão.
Basta rolar o feed de qualquer rede social por alguns minutos para aparecer a promessa: "Financiou um veículo nos últimos 5 anos? Você pode ter sido vítima de venda casada e tem dinheiro a receber". O roteiro é sempre parecido. Vídeo dinâmico, música de tendência e a garantia de que o consumidor tem um "direito oculto" a ser desbloqueado, geralmente acompanhado de valores entre R$ 10 mil e R$ 15 mil por danos morais.
Promessas que ultrapassam o limite ético
Esse tipo de publicidade não busca informar. Ela cria uma demanda artificial. O consumidor, que estava satisfeito com seu contrato, passa a acreditar que foi lesado, sem qualquer análise jurídica real. Cria-se uma expectativa de ganho fácil, que não se sustenta diante da jurisprudência dos tribunais superiores.
O Código de Ética da OAB é claro: a advocacia não pode ser tratada como comércio. O provimento 205/21, que atualizou as regras de publicidade, manteve a proibição à mercantilização da profissão e à captação de clientes. Prometer valores ou resultados garantidos fere o dever de sobriedade e ignora que a obrigação do advogado é de meio, não de resultado.
O dano moral como isca
O que atrai o consumidor não é a devolução de tarifas, que muitas vezes são valores baixos. É a promessa de indenizações por danos morais em valores elevados, geralmente entre R$ 10 mil e R$ 15 mil. Essa promessa é frágil juridicamente. A jurisprudência entende que erros contratuais ou cobranças indevidas, por si só, não geram dano moral automático. Salvo casos excepcionais, o Judiciário considera esses problemas como meros aborrecimentos.
Vender a ideia de que uma discussão sobre seguro prestamista vai render uma indenização de cinco dígitos transforma o Judiciário em uma aposta. O resultado é frustração, condenação ao pagamento de custas e honorários, e sobrecarga dos tribunais com ações sem fundamento.
O Tema 972 do STJ e a confusão sobre venda casada
Muitas ações revisionais se baseiam na ideia equivocada de que contratar seguro com empresa do mesmo grupo do banco seria ilegal. O Tema 972 do STJ não proíbe essa prática. Ele apenas veda a obrigatoriedade da contratação.
Na prática bancária atual, essa obrigatoriedade não existe. Os contratos oferecem campos de escolha, cláusulas destacadas e liberdade para apresentar apólice de outra seguradora. O consumidor pode optar por contratar tudo na mesma instituição por comodidade, sem que isso configure venda casada.
Confundir comodidade com imposição é ignorar a autonomia contratual e transformar uma escolha legítima em presunção de ilegalidade.
Litigância abusiva e o alerta do CNJ
Assim como acontece com produtos e serviços em geral, os contratos de financiamento também têm sido alvo de litigância abusiva. O modelo de ajuizamento em massa, com petições genéricas e sem análise individual do contrato, recebeu um alerta importante do CNJ.
A recomendação 159 de 2024 orienta os tribunais a combaterem o uso distorcido do direito de ação. Entre os exemplos citados estão as chamadas ações artificiais e o uso de petições padronizadas, o que se observa com frequência nas revisionais de seguro prestamista e tarifas bancárias.
O Poder Judiciário não pode ser transformado em ferramenta de negócios que lucram com o volume de processos e promessas infundadas. A litigância abusiva compromete a eficiência da Justiça e expõe consumidores a riscos financeiros, como condenações por má-fé e pagamento de custas e honorários.
Conclusão
A banalização do direito de ação, impulsionada por marketing jurídico agressivo e promessas infundadas, transformou o processo judicial em produto de consumo. A interpretação distorcida do Tema 972 do STJ e o uso de petições genéricas em ações revisionais revelam um cenário de litigância abusiva que compromete a credibilidade da Justiça e expõe o consumidor a riscos reais, como condenações por má-fé e frustração contratual.
Esse comportamento afeta a estabilidade do sistema financeiro. A insegurança jurídica gerada por decisões imprevisíveis e ações artificiais eleva o risco das operações, impacta a concessão de crédito e ameaça produtos legítimos, como o seguro prestamista. Embora não facilite o acesso ao crédito, esse seguro oferece proteção ao consumidor e, quando contratado com empresas do mesmo grupo, pode representar comodidade e eficiência no relacionamento com a instituição. Preservar o acesso à Justiça exige responsabilidade, técnica e respeito à autonomia contratual.
Anibal Pereira da Silva Junior
Analista Jurídico Cível Júnior no Parada Advogados, atuando na condução de audiências. Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia Nacional, com expertise em Direito Bancário.


