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Algumas reflexões sobre a gratuidade de justiça

O acesso à Justiça é direito fundamental, mas barreiras econômicas ainda limitam seu exercício; gratuidade assegura defesa de quem não pode arcar com custos.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Atualizado em 19 de novembro de 2025 15:16

O acesso à Justiça, que é um direito fundamental, ainda enfrenta obstáculos para grande parte da população. Muitas pessoas que precisam do Judiciário não têm condições de arcar com os custos de um processo, o que torna essencial a existência de mecanismos que assegurem o exercício pleno desse direito por quem não dispõe de recursos financeiros.

A Constituição determina que o Poder Público deve prestar assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem não ter condições de arcar com os custos. Da mesma forma, o CPC garante o direito à gratuidade da Justiça à pessoa natural ou jurídica que não disponha de recursos para custear o processo e os honorários advocatícios.

Uma das formas de acesso ao Judiciário por pessoas sem condições financeiras (hipossuficientes) é por meio da Defensoria Pública, que tem papel fundamental na garantia da defesa dos direitos das parcelas mais vulneráveis da população. Também há a atuação do advogado dativo, nomeado para atuar em regiões onde não exista defensor público ou quando a Defensoria Pública não consiga atender à demanda. Os núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito, públicas ou privadas, também contribuem para a assistência jurídica gratuita.

Apesar dos avanços institucionais, ainda existem desafios estruturais, como a escassez de defensores públicos em algumas regiões, a baixa remuneração e a limitação orçamentária para o pagamento de advogados dativos, além da atuação restrita dos núcleos de prática das faculdades de Direito, que normalmente se limitam a poucas áreas de atuação.

Os advogados privados também podem atuar na defesa dos necessitados por meio da chamada advocacia pro bono, que consiste na prestação gratuita e voluntária de serviços jurídicos a instituições sociais e pessoas naturais sem recursos para contratar um profissional.

A atuação de um advogado particular não impede a concessão da gratuidade de Justiça. Isso porque ele pode pactuar honorários com cláusula de êxito, ou seja, receber apenas um percentual sobre o ganho do cliente ao final do processo.

A legislação não estabelece um critério específico de renda mensal para determinar se uma pessoa tem direito à gratuidade de Justiça. Em tese, um litigante com alta capacidade financeira não deveria recorrer ao benefício. Por outro lado, quem recebe um programa assistencial dificilmente enfrentaria obstáculos para obter a gratuidade no processo judicial.

Entretanto, há situações que exigem maior cautela. Um servidor público com remuneração bruta de dez salários-mínimos, por exemplo, teria direito à gratuidade da Justiça? A solução mais adequada é a análise do caso concreto, com base nas condições econômicas e financeiras da parte. Assim, a renda do jurisdicionado, por si só, não deve, em regra, afastar o direito ao benefício.

Também não há regras claras sobre a forma ou o critério para aferição da hipossuficiência. Mas a simples declaração da parte não garante automaticamente a gratuidade, podendo o juiz exigir a apresentação de documentos para avaliar a real situação financeira do requerente.

Recentemente, o STJ fixou tese (Tema 1.178) no sentido de que é vedado aos juízes utilizar critérios objetivos, como renda e patrimônio, para indeferir de forma imediata o requerimento de gratuidade da Justiça formulado por pessoa natural. A adoção de tais parâmetros pelo magistrado é admitida apenas de forma suplementar e desde que não constitua o único fundamento para o indeferimento do benefício.

O acesso à Justiça é o primeiro passo para a concretização de outros direitos que dependem de uma resposta do Poder Judiciário, razão pela qual limitações econômicas e financeiras não podem representar um obstáculo à sua proteção. A Defensoria Pública, os núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito e a advocacia privada voltada à proteção dos necessitados desempenham papel fundamental na garantia desse acesso, para que ele seja efetivo e universal.

João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho

João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho

Professor de Direito e advogado do escritório João Bosco Filho Advogados.

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